terça-feira, 1 de novembro de 2011

PENSAMENTO DO POETA DAVID TELES PEREIRA

Aos 26 anos, David Teles Pereira já escreveu a sua “biografia”. Nela não entra o blogue sobre comida nem a crítica literária nem as aulas que dá na Faculdade de Direito nem o emprego de dia como jurista nem a revista “Criatura” que lançou com Diogo Vaz Pinto e que em três anos se tornou uma referência da poesia portuguesa. Em “Biografia”, como noutros poemas seus, partimos da Polónia e chegamos a Portugal na companhia de um judeu polaco que sonhava ser feliz na América. Filho de filho de filho de judeu, aprendeu a inventar a sua fortuna. A estrela de David brilha pela noite quando escreve poemas e acende o passado. É da geração do futuro, de um futuro duvidoso. Um dos mandamentos da economia diz-nos que devemos crescer sempre e ter mais do que os outros tiveram antes de nós. Essa pode ser a tragédia da geração de David. Também pode ser a melhor coisa que lhes podia acontecer: assistir à mudança da história.
Fonte: Susana Moreira Marques

David Teles Pereira
Escritor e Poeta Português

PENSADOR versus POETA

“E eu sou exactamente assim,/ um paradoxo existencial apenas possível/ na transição entre séculos (...)”

Os meus poemas são biográficos, o que não quer dizer que sejam necessariamente verídicos.

Nós dependemos dos nossos pais para saber o que é que aconteceu na nossa família antes de nós– antes de existirmos, antes de termos a capacidade de nos lembrarmos. Mas os meus pais são pessoas muito viradas para a frente, não são pessoas que falem muito sobre o passado. Então escrevo para construir o passado, com factos verídicos e factos efabulados por mim. Uso-os para criar uma memória de mim. Tem a ver com o meu fascínio pela história. Ao contrário dos meus pais, vivo virado para trás. Tenho as costas voltadas ao futuro e os olhos no passado.

“Tinha vinte e dois anos no dia emque invadi a Polónia”

Do lado do meu pai, tenho um antepassado judeu que veio da Polónia para Portugal, pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Falo sobre o meu bisavô e a minha avó num poema chamado “O sonho americano”. O meu bisavô queria ir para os Estados Unidos, acabou por ficar por Portugal e, por causa disso, a minha avó chamava-se América. Hei-de ir à Polónia um dia. Tenho vários poemas onde aparecem ruas da Polónia–lugares onde nunca estive, mas com os quais tenho uma relação livresca. Li livros de história da Polónia e guias Turísticos do Lonely Planet sobre Varsóvia ou sobre Cracóvia.

Não sou praticante e provavelmente nunca vou ser, mas sou Judeu no sentido em que sou filho de um pai que é filho de judeus. O que aconteceu historicamente aos judeus em Portugal foi terrível, mas hoje em dia não é um país onde se possa dizer que há anti-semitismo. O preconceito que há em relação aos judeus, existe em relação a tudo o que é diferente. Quando se fala de alta finança, por exemplo, a piada do judeu vem sempre à baila.

“E pior ainda é que tenho vinte e três anos/ e corro o risco de já ser um homem honrado”

Acabo por ser igual aos meus pais: já tenho o meu emprego, vou de fato e gravata todos os dias para o trabalho, sou, como eles, jurista. O “honrado” no poema [Bem-vindo aos anos zero] tenta representar a ideia do trabalhador ideal– a pessoa que se levanta, vai para o trabalho às nove, está diligentemente a trabalhar oito horas, e sai às cinco ou seis. Eu abomino isso. Por isso é que gosto de cozinhar, por isso é que escrevo poesia e escrevo sobre literatura– para fugir a essa regularidade,  à repetição.

Fiz o 12ºano, fui para a faculdade, fiz o curso de Direito no tempo que demora, estou a fazer mestrado. Não interrompi um ano para ir viajar, Não fiz nada de extraordinário. A única coisa que fiz de diferente na faculdade foi ter lançado  como Diogo [Vaz Pinto] a [revista de poesia] “Criatura”.

Tive um início de vida adulta estável. Os meus pais  tiveram um início de vida adulta mais turbulento. Eram jovens quando aconteceu o 25 de Abril, foram a primeira geração a ter que trabalhar, a ter que levar para a frente a nossa democracia. O resultado está  à vista, e é mais  irónico do que heróico.

“Não procuro algo de diferente quando saio de casa./ No entanto, espero que haja alguém capaz de/ me aliviar da enorme tragédia do meu sonho.”

Quando cito, no poema “Bem-vindo aos anos zero”, o [poeta russo] Legueni Ievtuchenko–“Deram-me a riqueza,/ mas não me disseram o que fazer com ela” –não estava a pensar em dinheiro, mas a pensar em “riqueza” como um mundo que os nossos pais nos legaram e realmente não nos disseram o que fazer com ele.

Nós não estávamos preparados para o que estamos a viver. Uma grande parte dos pais da geração que nasceu nos anos 80 não teve uma infância e uma adolescência facilitadas. Nós tivemos a possibilidade de brincar e de nos divertirmos até muito tarde e, se calhar, o mundo que os nossos pais nos legaram não foi feito a pensar em pessoas que brincaram até tarde.

Nós tivemos a vida facilitada durante um tempo, mas agora não. É devastador pensar que, se eu um dia tiver filhos, não lhes vou poder dar o nível de vida que os meus pais me deram.  Isso inverte completamente a ideia assente sobre o progresso, a ideia de que a geração que vem a seguir vai  ter sempre melhor condições de vida do que a anterior.

O idealismo depende da ideia de progresso e da crença na melhoria do ser humano. Acho que o ser humano não é hoje em dia melhor do que era há mil anos e provavelmente daqui a mil anos será exactamente igual. Acho piada ao idealismo, mas não pratico. Mas sou a favor de as pessoas irem para a rua – não propriamente para terem uma coisa melhor, que nunca houve na história, mas pelo menos para terem algo igual ao que já houve na história e que é melhor do que temos hoje em dia.

“Quatro homens curvam-se sobre a mesma mesa/ desde que o mundo é mundo, recordando-nos/ que nunca havemos de fazer outra coisa/ que chegar a meio do jogo.”

Aquilo que fazia a política avançar e que podia dar alguma esperança de constante melhoria era o facto de a natureza política estar intimamente ligada às relações de amizade e inimizade entre ideias e situações políticas. Os adversários políticos e os estados viam-se como amigos ou inimigos. O liberalismo substituiu esta relação política extrema pelo adversário económico, pela outra parte económica, e isso acaba por nos dar a ideia de que não vale a pena lutar porque não há nenhuma luta para ser vencida.

O sentimento geral é o de “não vale a pena”, porque, por não verem canhões nem soldados na rua, as pessoas não percebem que lhes está a ser constantemente movida no dia-a-dia uma guerra.

Neste momento,  a realidade está a andar tão depressa que o pensamento político tem dificuldade em acompanhá-la.  Acho que a época que  estamos a viver–este início do século XXI, como 11 de Setembro e as crises económicas globais, que veio pôr em causa os nossos conceitos básicos de constituição, estado, soberania–vai ser estudada como uma quebra dentro da história.
David Teles Pereira

«Somos de um lugar distante... digo eu sobrinho»
Poet'anarquista
«Para J. P. Galhardas»
Poema de David Teles Pereira a JPGalhardas

Somos de um lugar em que um gesto arde com o silêncio.

O nosso olhar foi feito para se misturar com a voz
A desmaiar no poente dos campos.
E como uma ave, sabemos todas as formas de sufocar a alma.

Somos de um lugar onde os homens se cobrem com as asas.

A cada esquina espreitamos para lá dos dias
Tão naturalmente como abandonamos a vida
Por caminhar com as mãos asfixiadas.

Sempre à mesma hora esperamos pelo mesmo barco
E talvez ele nunca faça escala nestes lugares.
Somos a mesma coisa espreitando pelo mesmo lugar
Mas a linha que nos separa neste momento,
Separa-nos para toda a eternidade.

David Teles Pereira


«Para JPGalhardas»

ASSIM!... TE QUERO SENTIR!

Foi assim que um dia,
Sem ter mais tempo
De pensar em chegar
Ao lugar de partida,
Meu corpo me abandonou
Na berma daquela estrada...
No meio do nada!
Talvez num lugar distante
Ou num mundo próximo,
As nossas vidas renasçam
Das palavras que um dia
Ficaram por dizer ou sentir.
Esse será o dia de reencontro
Dos amigos não esquecidos!

E que memorável esse dia será!!


Matias José

1 comentário:

Anónimo disse...

Não sei se o David Teles Pereira é real ou imaginário. Apenas sei que gosto do que escreve. E da forma como escreve. ( Eu explico d'uma forma diferente : Quando li o Ricardo Reis, já há muito tempo, pensei que era uma pessoa real, uma pessoa que escrevia aquilo para me dar satisfação e, afinal, era apenas o Fernando Pessoa numa das suas faces. Não fiquei desiludido. Bem pelo contrário. Essa descoberta permitiu-me descobrir outras faces do Poeta, com as quais continuo a bater-me, na tentativa de descobrir mais. E dentro das limitações que me são próprias, devo dizer que, sempre que me vem parar às mãos um livro do Pessoa, dele próprio ou "heteronimado", assaltam-me grandes preocupações. Para ser mais preciso, fico num grande desassossego.)
Num dia, já muito distante, lá pelo início dos anos oitenta, tive oportunidade de assistir a uma sessão de lançamento do livro « O Ano da Morte de Ricardo Reis » em que o autor disse que era absolutamente necessário ele escrever aquele livro para que a inquietação e o desassossego nele se acalmassem. E disse mais : Disse que a partir desse livro, soube melhor d'onde vinha e para onde queria ir. Fiquei mais descansado porque confirmei que as inquietações afinal não eram só minhas.

Mesmo que não seja real ( apesar da foto ), espero que o David Teles Pereira continue a procurar, pois adivinha-se, pelo que diz, uma interessante história familiar.

Cumprimentos pelo post

Orson W. Calabrese