quinta-feira, 31 de julho de 2014

CARTOON versus QUADRA

O Homem do Lixo
HenriCartoon

«O HOMEM DO LIXO»

Ora bem… retirar este lixo
Que está fora do seu lugar,
E colocar então o bicho
No sítio… (- vai-te lixar!)

POETA

CITAÇÃO...

Denis Diderot, filósofo e escritor francês, nasceu em Langres a 5 de Outubro de 1713. Faleceu em Paris, a 31 de Julho de 1784. E a sua citação é...
Poet'anarquista
Denis Diderot
Filósofo e Escritor Francês

Citação...

«Existem, hoje, cinquenta mil patifes que dizem o que querem 
a dezoito milhões de imbecis.»

Denis Diderot

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(31 de Julho de 1886, morre o extraordinário pianista e compositor húngaro, Franz Liszt

FRANZ LISZT - «La Campanella»

OUTROS CONTOS

«Auschwitz, Cidade Tranquila», por Primo Levi.

«Auschwitz, Cidade Tranquila»
Crónica de Primo Levi

220- «AUSCHWITZ, CIDADE TRANQUILA»

[Crónica]

Pode surpreender o fato de que no campo de concentração um dos estados de ânimo mais frequentes fosse a curiosidade. Porém, estávamos, além de assustados, humilhados e desesperados, curiosos: famintos de pão e também de compreensão. O mundo à nossa volta parecia de cabeça para baixo, portanto alguém devia tê-lo emborcado, e por isso esta pessoa mesma estar de cabeça para baixo: um, mil, um milhão de seres anti-humanos, criados para torcer aquilo que estava direito, para sujar o limpo. Era uma simplificação ilícita, mas naquele tempo e naquele lugar não éramos capazes de qualquer ideia complexa.

No que diz respeito aos senhores do mal, essa curiosidade, que admito conservar, e que não está limitada aos chefes nazistas, continua existindo. São lançados centenas de livros sobre a psicologia de Hitler, Stálin, Himmler, Goebbels, e já li dezenas sem que me satisfizessem: mas é possível que se trate aqui de uma insuficiência essencial da página documentária; esta quase não mais possui o poder de restituir o íntimo de um ser humano: para este fim, mais que o historiador ou o psicólogo, são úteis o dramaturgo ou o poeta.

Entretanto, essa minha pesquisa não foi de todo infrutífera: um destino estranho, mesmo provocativo, me colocou nas pegadas de um dos “do outro lado”, por certo não um grande do mal, talvez nem mesmo um malvado digno do título, porém uma amostra e uma testemunha. Uma testemunha a contragosto, que não desejava sê-lo, mas que o foi sem querer, e talvez mesmo sem saber. Aqueles que testemunham através de seu comportamento são os mais preciosos, porque verídicos.

Ele era um quase-eu, um outro eu-mesmo ao contrário. Éramos coetâneos, não diferentes em formação, talvez nem mesmo em personalidade; ele, Mertens, jovem químico alemão e católico, e eu, jovem químico italiano e judeu. Potencialmente dois amigos: de fato, trabalhávamos na mesma fábrica, mas eu estava do lado de dentro do arame farpado, e ele, fora. Entretanto, estávamos trabalhando a uma enorme distância um do outro, nos canteiros de Bruna-Werke, em Auschwitz, e que nós dois, ele Oberingenieur e eu, químico-escravo, tivéssemos nos encontrado é improvável, e de qualquer forma não mais verificável. Nem mesmo depois nos vimos.

Aquilo que sei dele provém de cartas de amigos em comum: o mundo se revela às vezes risivelmente pequeno, a ponto de consentir que dois químicos de países diferentes possam estar ligados por uma cadeia de conhecidos, e que estes se prestem a tecer uma rede de notícias confusas que é uma substituta imperfeita do encontro direto, mas que, porém, é melhor que a recíproca ignorância. Por esse meio, soube que Mertens havia lido meus livros sobre o campo de concentração, e provavelmente também outros, porque não era um cínico nem um insensível: tendia a negar um certo fragmento do seu passado, mas era bastante evoluído para abster-se de mentir a si mesmo. Não se presenteava com mentiras, mas com lacunas, espaços em branco.

A primeira notícia que tenho dele remonta ao final de 1941, época de repensamento para todos os alemães ainda em condições de raciocinar e de resistir à propaganda: os japoneses espalhavam-se vitoriosos por todo o sudeste asiático, os alemães assediam Leningrado e estão às portas de Moscou, mas a era das blitz acabou, o colapso da Rússia não ocorreu, e, ao invés disso, haviam começado os bombardeios aéreos de cidades alemãs. Agora a guerra é problema de todos, em todas as famílias há pelo menos um homem no fronte, e nenhum homem no fronte está seguro da incolumidade de sua família: atrás das portas das casas, a retórica belicista não tem mais vez.

Mertens é químico em uma fábrica metropolitana de pneus, e a direção da empresa lhe faz uma proposta que é quase uma ordem: terá vantagens de carreira, e talvez também políticas, se aceitar transferir-se para as Bruna-Werke de Auschwitz. A zona é tranquila, longe do fronte e fora do raio dos bombardeios, o trabalho é lá mesmo, o estipêndio é melhor, nenhuma dificuldade de alojamento: muitas casas polonesas estão vazias… Mertens discute a situação com amigos; em sua maioria, eles lhe aconselham, não se troca o certo pelo incerto, e depois os Bruna-Werke estão em uma má região, pantanosa e insalubre. Insalubre também historicamente, a Alta Silésia é um daqueles cantos da Europa que têm mudado de donos muitas vezes, e que são habitados por povos mistos e inimigos entre si.

Mas contra o nome de Auschwitz ninguém tem objeções: ainda é um nome vazio, que não suscita ecos; uma das tantas cidades polonesas que depois da ocupação alemã mudaram de nome. Oswiecim tornou-se Auschwitz, como se bastasse isso para tornar alemães os poloneses que a habitam há séculos. É uma cidade como tantas outras.

Mertens pensa assim: está noivo, e manter sua casa na Alemanha, sob os bombardeios, é imprudente. Pede uma licença e vai ver o local. O que viu nessa primeira vistoria não sabemos: o homem voltou, se casou, não falou com ninguém, e partiu para Auschwitz com a esposa e os móveis para estabelecer-se lá longe. Os amigos, exatamente aqueles que me escreveram essa história, lhe convidaram a falar, mas ele não falou.

Não falou nem mesmo quando do seu segundo retorno à pátria, no verão de 1943, em férias (porque também na Alemanha nazista em guerra, em agosto andava-se em férias). E depois o cenário havia mudado. O fascismo italiano, batido em todos os frontes, despedaçou-se, e os aliados tomam a península; a batalha aérea contra os ingleses está perdida, e nenhum canto da Alemanha está mais protegido dos impiedosos revides aliados; os russos não apenas não caíram, como Stalingrado infligiu aos alemães, e a Hitler em particular, que havia dirigido a operação com a obstinação de um louco, a mais pungente das derrotas.

O casal Mertens é objeto de uma cautelosíssima curiosidade, porque a este ponto, a despeito de todas as precauções, Auschwitz não é mais um nome vazio. Boatos circulavam, imprecisos mas sinistros: deve-se deixar Dachan e Buchenwald, antes que as coisas fiquem piores; é um daqueles lugares sobre os quais é arriscado fazer perguntas, mas se é entre amigos íntimos, de velha data: Mertens vem de lá, deve saber alguma coisa, e se sabe, deveria contar.

Mas, enquanto cruzam-se as conversas de todos na sala de estar, as mulheres falando de emigrações e do mercado negro, os homens de seu trabalho, e alguns contam a baixa-voz a última anedota antinazista, Mertens se afasta. Na sala ao lado há um piano, ele toca e bebe, volta à sala de estar de vez em quando apenas para um outro cálice. À meia-noite está embriagado, mas o anfitrião não o perdeu de vista; arrasta-o até a mesa e lhe diz claro e forte: – Depois sente-se aqui e diga logo o que diabos há com você, e porque deve embriagar-se em vez de falar com a gente.

Mertens se sente contido entre a embriaguez, a prudência e uma certa necessidade de confessar-se: – Auschwitz é um campo de concentração – ele diz, – ou melhor, um grupo de campos de concentração: um deles é contíguo à fábrica. São homens e mulheres, sujos, em trapos, não falam alemão. Fazem o trabalho mais árduo. Nós não podíamos falar com eles. – Quem foi que proibiu? – A direção. Assim que chegamos, nos disseram que aquelas eram pessoas perigosas, bandidas, subversivas. – E você nunca falou com elas? – pergunta o anfitrião. – Não, – responde Mertens servindo-se de um outro cálice. Aqui intervém a jovem senhora Mertens: – Eu conheci uma mulher que fazia a limpeza na casa de um dirigente. Me dizia apenas “Frau, Brot”: “senhora, pão”, mas eu… – Mertens não devia estar tão embriagado, porque disse secamente à mulher: – Pare com isso – e aos outros: – Não querem mudar de assunto?

Não sei muito do comportamento de Mertens depois da queda da Alemanha. Sei que ele e sua esposa, como muitos alemães das regiões orientais, fugiram diante dos soviéticos ao longo das intermináveis estradas da derrota, cheias de neve, de escombros e de mortos; e que a seguir ele retomou seu trabalho técnico, mas recusando contatos e fechando-se cada vez mais em si mesmo.

Falou um pouco mais alguns anos depois do fim da guerra, quando não havia mais a Gestapo para fazer-lhe medo. Para interrogar-lhe, desta vez havia um “especialista”, um ex-prisioneiro que hoje é um famoso historiador dos campos de concentração, Hermann Langbein. A perguntas precisas, respondeu que havia aceitado transferir-se para Auschwitz para evitar que ao invés dele assumisse um nazista; que não havia falado com os prisioneiros por temer punições, mas que havia sempre procurado aliviar suas condições de trabalho; que àquele tempo não sabia nada das câmaras de gás, porque não havia perguntado nada a ninguém. Não se dava conta de que sua obediência era uma ajuda concreta ao regime de Hitler? Sim, hoje sim, mas não na época: nunca lhe viera à mente.

Nunca procurei me encontrar com Mertens. Eu experimentava um complexo recato, de que a aversão era apenas um dos componentes. Anos atrás, lhe escrevi uma carta: dizia que se Hitler havia subido ao poder, devastado a Europa e conduzido a Alemanha à ruína, é porque muitos bons cidadãos comportaram-se como ele, procurando não ver e calando-se quando viam. Mertens não me respondeu, e morreu alguns anos depois.

Primo Levi

quarta-feira, 30 de julho de 2014

CITAÇÃO...

Abraham Lincoln
16º Presidente dos Estados Unidos

Citação...

«Uma pessoa pode enganar muita gente durante um certo tempo; 
pode até mesmo enganar algumas pessoas todo o tempo; 
mas não será possível enganar para sempre» 

Abraham Lincoln

OUTROS CONTOS

«Pela Calada da Noite», conto por AC.

«Pela Calada da Noite»
Alandroal

219- «PELA CALADA DA NOITE»

A propósito da requalificação do castelo de Alandroal, aqui fica um aviso para todos os que entrarem ou permanecerem no local depois do Sol posto. A esses, mais foitos, 
ainda assim aconselhamos o uso de uma fraldinha de contenção. 
Vão lá... vão, quem vos avisa vosso amigo é!

***

A rapaziada andava em alvoroço e desde o começo do tempo quente não se aproximava do castelo da vila. Local de brincadeiras e jogos de guerra inofensivos, com mil recantos para esconderijos, ninguém ousava ir até às suas imediações, quanto mais transpor a bonita porta medieval.

A notícia correra célere: desde que as noites tinham aquecido, um fantasma espreitava, a horas incertas, por entre as ameias da muralha.

Ouvi a fantástica ocorrência com a respiração contida, ao mesmo tempo que um palpitar incomodativo me levou a procurar um banco próximo.

Do jardim da praça enxergava-se grande parte do velho monumento pelo que, instintivamente, me posicionei de modo a evitar a sua visão.

Fora o Tricas que me informara de tudo: «que sim…, que era mesmo verdade…, fora visto duas ou três noites atrás um grande lençol branco esvoaçando tenebrosamente entre dois torreões».

Corria também já de boca em boca que se tratava da alma penada de um castelhano de outros tempos, enforcado por se atrever a roubar um cavalo pela calada da noite.

Impressionou-me o relato do acontecimento mas ainda mais o ar foito com que o Tricas disse de sua justiça: «não é que não acredite em fantasmas... ...e não lhes tenha até algum respeito...» – vi que sondava o castelo com ar enigmático –«...mas tenho cá umas dúvidas para tirar a limpo».

Consegui então encarar o enorme vulto de pedra, ainda há dias sítio de grandes paródias, tomando agora forma monstruosa que parecia pronta a engolir-nos. Ao Tricas nada disse, pois não queria dar parte de fraco.

Era quase noite. Os contornos de minha casa avistavam-se no extremo sul da praça, esbatidos pelos últimos raios de sol. Tomei fôlego para percorrer a calçada em passo acelerado e chegar rapidamente. Quando me senti em segurança contemplei, emboscado numa pequena fresta do postigo, o trecho visível da fortaleza, àquela hora uma massa compacta escura parecendo, por um instante, toda ela envolta em gigantesco lençol branco.

Uma leve pressão no meu ombro direito fez emergir em mim um arrepio enérgico e motivar que fechasse o postigo com violência, o que provocou um desfiar de argumentos acusatórios pelas vidraças que aqui e ali apareciam estilhaçadas. Com a desculpa de uma necessidade imperiosa, que era genuína, subi num ápice a escadaria de mármore e passados uns minutos refugiei-me, apreensivo, no meu quarto de dormir, felizmente com janela para o jardim e pomar que se estendiam nas traseiras da casa. Toda a fachada desta se encontrava escancarada à medonha aparição e o receio de entrar naqueles aposentos passou a ser tanto quanto o desejo de ali fazer base de observação.

Absorto por estes pensamentos, lembrei-me então que tinha deixado o Tricas pregado ao banco do jardim a falar sozinho sobre o terrível assunto que ocupava agora todo o espaço das nossas mentes. Tivesse dito, ao menos, que eram horas de jantar, que não levantaria qualquer suspeita no meu amigo sobre o débil estado de espírito que a conversa do fantasma suscitara em mim. Nestas conjecturas passei o serão sentado a um canto da grande chaminé da cozinha, agora sem a chama habitual dos dias frios, na companhia da velha cozinheira que dormitava.

Fui quase empurrado para a cama, pois no dia seguinte tinha aulas.

Deitado, provavelmente, era eu que tinha aspecto fantasmagórico, de tal modo estava coberto pelo lençol. Como era de esperar tive grande dificuldade em adormecer, não encontrando posição que me acalmasse, entre as mil e uma que experimentei. Ainda ouvi as três horas da manhã e o piar arrepiante da coruja branca fez-me dar, involuntariamente, um salto que despertou um sono quase estabelecido. Mesmo debaixo dos lençóis vislumbrei a “alma do outro mundo” deslizando com agilidade entre ameias e torreões. Depois adormeci morto de cansaço por um final de dia tão próximo do “fantástico”.

Manhã cedo acordei com pressa, pouco usual em mim, de ir para a escola. Uma caneca de leite foi bebida de um só gole e a metade de um papo-seco voou para cima da velha palmeira do quintal, pondo a passarada numa algazarra delirante. A sessão de avisos e recomendações diárias também ficou a meio: –vai direitinho à escola, não te quero com o Tricas que não é boa companhia, se vais para o moinho de vento levas uma sova...

Larguei porta fora em passo de corrida, escapulindo-me furtivamente das redondezas do castelo.

O meu amigo Tricas todos os dias me esperava no cimo da ladeira da escola e logo aí traçávamos o nosso destino para depois da saída das aulas. Nessa manhã lá estava ele, encostado à parede do armazém de ferragens, com o sorriso que punha invariavelmente nos lábios quando tinha segredos que partilhava após negociata favorável. Quando lhe disse bom dia foi direito ao assunto, sem tentativa de extorsão inofensiva do que quer que fosse – trocava sítios de ninhos e de outra bicharada, por rebuçados, bombons ou, raramente, uma moeda de cinco tostões.

«Ontem deixaste-me a falar com o banco do jardim...» – adiantou – «...quando te ia desafiar para irmos ao castelo...  ...tentar ver o fantasma» – ao ouvir a palavra fantasma senti as pernas tremerem como no dia anterior. «Pois fica sabendo que fui mesmo sem a tua companhia...  ...sozinhito...» – deu ênfase à palavra –  «...tirar a prova dos nove ao “medo” que anda a dar cabo das nossas brincadeiras».

«Ali não há fantasma nenhum...» – ficou com a voz suspensa por um instante – depois concluiu: – «...já sei quem se entretém a estragar-nos as noites!».

«Hoje, quando aparecer a Lua podemos ver como se fosse dia...  ...se não tiveres cagunfa» – o Tricas olhou para a mim com um sorriso provocador – «vou contigo para que acredites que falo verdade».

Passei esse dia na escola com grande dificuldade em prestar atenção às lições, apesar das ameaças do ponteiro então muito usado para manter a ordem na sala – hoje, felizmente, método impensável – e à quinta vez que o excesso de produção de adrenalina me obrigou a pedir para ir à casa de banho, fui colocado de castigo na parede do fundo até tocar para a saída – ainda recordo o enorme esforço que fiz para não urinar pelas pernas abaixo. Aproveitei o tempo para engendrar o processo de me raspar de casa à noite e ir ao castelo com o Tricas. Se pedisse para sair depois do jantar seria posto imediatamente a ferros no quarto, castigo que poderia alargar-se a não ver televisão durante o fim-de-semana; se recusasse o desafio do Tricas jamais seria capaz de olhar de frente a cara do meu amigo. Optei por não regressar a casa e fosse o que Deus quisesse.

Ao lusco-fusco segui os passos do Tricas com precisão, sempre colado a ele, e embrenhámo-nos no reino do imaginário. Tinha sido prevenido que convinha andarmos sempre arrimados à parede da muralha para que o luar não denunciasse a nossa presença. Era evidente o enorme esforço que fazia para conseguir movimentar-me – as pernas, a pouco e pouco, mais pareciam pesados madeiros. Apesar da frescura da aragem nocturna o suor brotava por tudo quanto era poro e o coração batia a um ritmo alucinante. O Tricas levava amiudadas vezes o dedo ao nariz, sinal para que fizesse o menos ruído possível e com gestos discretos mandava-me avançar ou deter conforme as suas desconfianças.  A coruja branca piou do alto de uma torre próxima, fazendo um eco assustador e lançou-se a voar mesmo por cima das nossas cabeças com um bater de asas calafriante. Tive que agarrar a camisola do meu companheiro com unhas e dentes para não me estatelar com o susto. Por fim o Tricas segredou que estávamos no nosso posto de vigilância, nem mais nem menos que o grande torreão com dois salientes ganchos talhados em mármore, onde antigamente penduravam toda a espécie de malfeitores. O meu espírito não conseguia sossegar, porque de imediato pensei no fantasma do castelhano, ladrão de cavalos, que ali tinha sido pendurado há muitos anos. Investiguei entre duas ameias se havia gente nas imediações do castelo, esperança de algum socorro se fosse necessário. Vi a frontaria de minha casa e adivinhei o que me iria acontecer quando chegasse muito depois da hora do jantar.

Subitamente uma mão do Tricas colou-se à minha boca, ao mesmo tempo que a outra me sustinha pelo braço esquerdo, interrompendo a minha divagação. Logo fez sinal na direcção do torreão que se erguia à nossa direita, a uma distância de cinquenta passos. Senti o bafo quente da sua respiração enquanto me cochichava para dentro do ouvido: «são dois...  ...estão dentro do torreão... ...subiram pelas escadas da torre do relógio quando espiolhavas lá para baixo».

O Tricas deve ter pressentido que eu estava à beira de desfalecer porque as minhas pernas começaram a fraquejar. Apressou-se a dizer: «não tenhas medo que não são fantasmas...» – e repetiu – «...juro-te que não são fantasmas... ...são pessoas de carne e osso como nós...  ...assim eu não me chame Tricas».

Meti ar nos pulmões, recuperei ânimo e continuámos os dois escondidos, aguardando o que se iria passar.

O tempo parecia estar suspenso – certamente uns minutos bem esticados – mas depois a Lua cheia permitiu-nos ver um vulto de homem e outro de mulher que no cimo das escadas da torre do relógio davam um prolongado beijo de namorados.

Ao fixar o rosto do Tricas apercebi-me que tinha um sorriso velhaco de orelha a orelha quando me perguntou: «sabias que os fantasmas também dão beijos?».

Pudemos vê-los desaparecer na penumbra de uma arcada do terreiro medieval.

Voltei a encher o peito de ar, desta vez ufano por ter acompanhado o Tricas naquela odisseia nocturna. Disse mesmo ao meu amigo: –não vou esquecer o que vi esta noite…, aconteça o que acontecer quando chegar a casa.

Dito isto, eis que nos preparávamos para abandonar a torre da forca, como era conhecida: simultaneamente sentimos um frio gélido percorrer-nos o corpo, ao mesmo tempo que um som pavoroso de relinchar e trotear, vindo do lado dos ganchos dos condenados, nos fazia vibrar os tímpanos e olhar naquela direcção.

Aterrorizados…, sem nada dizer um ao outro…, o que vimos a seguir desencadeou precipitada fuga, seguramente mais rápida que o voo da coruja branca.

Ainda hoje recordo com incómodo aquela aparição – uma silhueta humana…, mais brilhante que a claridade do astro…, permanecia pendurada num dos ganchos de mármore da secular torre dos enforcados.

AC

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

THE DUPPIES
«Ghost of San Juan Hill»

BD, POR JPGALHARDAS

30 de Julho de 1964, nasce em Coimbra o desenhador alandroalense João Paulo Biga Camões Galhardas, mais conhecido por João Paulo ou Palêra. Três pranchas de banda desenhada da autoria de JPGalhardas, para recordar o artista na data comemorativa do seu aniversário. João Paulo se fosse vivo completaria hoje 50 anos. Bem hajas pela tua dedicação à arte!
Poet'anarquista
«Vila Cheia»
BD, Por JPGalhardas

terça-feira, 29 de julho de 2014

CARTOON versus QUADRA

A Despedida de Jardim
HenriCartoon

«A DESPEDIDA DE JARDIM»

Vou-me embora de repente,
Mas ainda tenho esperança...
Que continue a boa festança,
Tudo à conta do Contnente!

POETA

CARTOON versus QUADRA

Macaco de Imitação

HenriCartoon

«MACACO DE IMITAÇÃO»

 - Bosta… era escusado andares
Repetindo o que ando a dizer…

- Só mesmo pra te contradizer...
Inseguro: pára de me imitares!


POETA

«MÃE E FILHO ADORMECIDOS»

29 de Julho de 1890, morre o pintor holandês pós-impressionista, Vincent van Gogh.
Poet'anarquista
Para a Linda e o seu André

«Mãe e Filho Adormecidos»
Vincent van Gogh

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(29 de Julho de 1856, morre o compositor alemão Robert Schumann)

Bons Sonhos, André!

ROBERT SCHUMANN
«Dreaming - op 15/7 from Scenes F»
Poet'anarquista

OUTROS CONTOS

«A Mãe dos Contos», por Henri Gougaud.

«A Mãe dos Contos»
Grávida, por Jorge Selarón

218- «A MÃE DOS CONTOS»

Onde, como e porque nasceram os contos? Houve uma mulher que o soube, no dealbar do mundo. Quem lho contou? A criança que ela trazia no ventre. Quem o contou à criança? O silêncio de Deus. Quem o contou ao silêncio?

Na grande floresta que existia no princípio do mundo, vivia um lenhador rude e a sua mulher triste. Viviam pobremente numa casa térrea, na clareira de uma floresta. Só tinham por vizinhos animais selvagens e, através da fresta que tinham no tecto, viam apenas passar ventos, chuvas e sóis. Mas não era a monotonia dos dias que entristecia a mulher deste lenhador, e que a fazia chorar, sozinha, na cozinha. Se assim fosse, ela ter-se-ia habituado: haveria anos melhores e anos piores.

Infelizmente, o marido tinha a alma tão bravia quanto emaranhadas eram a sua barba e a sua cabeleira. Era isso que perturbava a mulher. Ao toque, o homem era como um arbusto de espinhos. Quando beijava a companheira, fazia-o a resmungar e não sem antes lhe ter batido. Todas as noites se repetia a mesma cena. Quando chegava da floresta, o lenhador empurrava a porta com o ombro. Com um grosso cajado de madeira na mão, arregaçava a manga direita, aproximava-se da mulher, que tremia a um canto, e espancava-a. Era a sua maneira de lhe dar as boas noites.

Mil dias, mil noites e mil sovas se passaram. A mulher aguentou, sem uma palavra de revolta, a pancada de que era alvo todas as noites. Até que chegou uma alvorada de Verão. Nessa manhã, à medida que via o marido afastar-se em direcção às grandes árvores, com o machado a tiracolo, a mulher pôs as mãos nas ancas e, pela primeira vez, desde o dia do seu casamento, sorriu. Sentia que uma nova vida despontava no seu ventre. “Uma criança!” pensou ela a tremer, maravilhada.
Mas a sua felicidade foi efémera, pois logo a assaltou um medo como nunca havia sentido. “Que desgraça! Quem a protegerá se o meu marido me continuar a bater? Pode atingir a criança. Ainda a mata antes de ela nascer. Como hei-de salvá-la? Salvo-a se não for mais espancada. Mas como posso evitar voltar a ser espancada, Senhor?” Reflectiu nisso durante todo o dia com tanta preocupação, tanta força e tanto amor pela vida do filho que iria nascer que, à noite, sentiu que uma luz despontava.

Observou o marido que, como era hábito, regressou dos bosques ao cair da noite. Quando este, a resmungar, levantou o braço nodoso e se preparava para lhe bater com o cajado, a mulher pediu-lhe:

— Espera, meu senhor! Hoje aprendi uma história. É muito bonita. Ouve-a primeiro e bater-me-ás depois.

Não sabia o que ia dizer, mas lembrou-se de um conto. Foi como se uma nascente cristalina e alegre tivesse começado a brotar. O homem ficou como que cativo diante dela, tão espantado e contente que até se esqueceu de lhe bater. A mulher falou durante toda a noite. E durante toda a noite ele a escutou, com os olhos arregalados de espanto, sem sequer se mexer. Quando o dia iluminou de novo a fresta da cabana, ela calou-se por fim. O marido viu a alvorada, suspirou, pegou no machado e foi trabalhar.

Quando a noite caiu, a mulher contou-lhe de novo uma história. Fê-lo durante nove meses, para proteger a vida que trazia no ventre. E quando a criança nasceu, o homem soube o que era o amor. E quando o amor nasceu, os contos daqueles nove meses invadiram a terra. Bendita seja esta mãe que os pôs no mundo. Sem ela, ainda hoje só os cajados falariam.

Henri Gougaud

segunda-feira, 28 de julho de 2014

«PENSANDO XADREZ»

28 de Junho de 1887, nasce o artista plástico francês, Marcel Duchamp. Ficou célebre pelas suas esculturas «Ready Made».
Poet'anarquista
Auto-Retrato/ «Pensando Xadrez»
Bronze, Ônix, Mármore Belga Preto
Escultor: Marcel Duchamp

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(28 de Julho de 1750, morre o compositor alemão Johann Sebastian Bach)

JOHANN SEBASTIAN BACH
«Prelude, Cello Suite No. 1»

PENSAMENTO...

28 de Julho de 1903, em Merseyside, Inglaterra, nasce o escritor e poeta inglês Malcolm Lowry, autor de «Ultramarina», «Barco de Outubro para Gabriola», «Escuro como o Túmulo onde Jaz o Meu Amigo» e «Debaixo do Vulcão». Macolm Lowry faleceu em Ripe, no Sussex, a 27 de Junho de 1957.
Poet'anarquista
Malcolm Lowry
Escritor e Poeta Inglês

Pensamento...

«Bom Deus, se a nossa Civilização conseguisse manter-se sóbria durante dois dias,
ao terceiro, morreria de remorso.»

Malcolm Lowry 

OUTROS CONTOS

«Os Bêbados», conto poético por Macolm Lowry.

«Os Bêbados»
Os Bêbados, pintura de James Ensor

217- «OS BÊBADOS»

O ruído da morte está neste bar desolado
Onde a tranquilidade se senta inclinada sobre a sua oração
E a música abriga o sonho do amante
Mas quando moeda alguma compra este fundo desespero
Nesta casa tão solitária
E de todos os destinos o mais solitário
Onde nenhuma música eléctrica destrói o bater
Dos corações duas vezes quebrados mas agora reunidos
Pelo cirurgião da paz no peróneo da desgraça
Penetra mais profundamente do que os trompetes
O movimento da mente que aí faz a sua teia
Onde as desordens são simples como o túmulo
E a aranha da vida se senta, dormindo.

Malcolm Lowry

domingo, 27 de julho de 2014

REBOBINANDO...

Linda Galhardas
A Mamã do André Afonso
Poet'anarquista

ANDRÉ AO 4º DIA

«Um Sonho Chamado André»
André Afonso ao 4º Dia
Poet'anarquista

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

MADNESS 
«Night Boat To Cairo»
Night Boat To Cairo by Madness on Grooveshark
Poet'anarquista

BARCO À NOITE AO CAIRO

Tornou-se um monção passava metade do meio-dia
Nas margens do Rio Nilo
Aí vem o barco só metade a flutuar
O Remador sorri um sorriso desdentado
Só mais um para esta terra desolada
Último barco ao longo do Rio Nilo
Não parece se importar, não há mais vento no cabelo
Como ele atinge o seu último quilómetro
O remo se encaixa na sua mão antes de chegar a terra firme
Mas o som não ensurdece o sorriso dele
Só pica na areia molhada com um remo na mão
Flutuadores fora descendo o rio Nilo
Flutuadores fora descendo o rio Nilo

Todos a bordo, barco à noite ao Cairo
Barco à noite ao Cairo

Madness

OUTROS CONTOS

«Angústia para o Jantar», por Luís de Sttau Monteiro.

«Angústia para o Jantar»
Luís de Sttau Monteiro

216- «ANGÚSTIA PARA O JANTAR»

[Excertos]

(...) " Se o meu destino histórico não se apressa, chega tarde...Estou velho. Velho e farto. E se eu tivesse agora uma mulher na cama? Se eu fosse casado? Não acontecia nada. Contava-lhe o que se passou no restaurante. Contava-lhe tudo. Tudo não. Há coisas que não se podem contar. Um homem não pode contar à mulher que foi humilhado por um amigo no restaurante. Essas coisas só se contam quando é possível rematá-las acrescentando que depois se deu um par de bofetadas no amigo. E os homens que levam bofetadas nos restaurantes? Que contam eles às mulheres? Nada. Deve ser difícil ser casado. Todo o homem, mais tarde ou mais cedo, leva um par de bofetadas de que não pode falar à mulher e depois, cada vez que olha para ela, lembra-se das bofetadas que não foram contadas. Cada vez que olha para ela, leva outro par de bofetadas.(...)

 As mulheres odeiam os jogos dos homens, como odeiam todos os jogos de que não façam parte. Necessitam de estar no palco como os peixes de estar na água. É por isso que odeiam a guerra, o futebol, a caça. Sabem instintivamente que são jogos de homens, jogos inventados por eles, jogos que os homens preferem jogar sozinhos e nos quais elas, ainda que tomem parte, constituem um embaraço.(...)

 O marido é quem decide, é quem vai à frente, é quem come o bife. Acima do marido está o pároco, acima do pároco, o bispo, e acima do bispo, Deus. Eu estou no meio, dou dinheiro ao pároco e pisco o olho ao beijar a mão do bispo. É o meu jogo, o meu lugar no jogo. Regra número sete dos jogos que não levam a nada: "ninguém escolhe o seu lugar no jogo. Ninguém ganha o seu lugar no jogo. Todos nascem no lugar que lhes compete."(...)

 As pegas são mesmo assim. As baratas, as que estão no princípio da carreira e que ainda se chamam Lucindas, Lurdes ou Carmos, têm um profundo respeito pelas famílias e pelas mulheres legítimas dos amigos. Para elas a família é qualquer coisa de sagrado que está ligada ainda às recordações das mães que deixaram nas Beiras ou no Alto do Pina, no Minho ou em Campo de Ourique. No segundo grau da carreira já se chamam Odettes, Lizettes e Arlettes. Já falam dos "velhotes" com desprezo e da família como se esta fosse uma "velharia" merecedora do destino que tem. Num terceiro grau chamam-se Celines, Jeaninnes e Marguerites. Começam a compreender que existem regras e já não falam das famílias. Nem das suas, nem das famílias dos amigos.(...)

 Gostaria de te chamar "amor", Alexandra, mas não o posso fazer. Eras capaz de acreditar, e como necessitas de amor e de acreditar em alguém, eras mesmo capaz de acabar com o matulão que te faz ler Aragon... e eu não te amo, Alexandra, embora gostasse, neste momento, de te chamar "meu amor"... só porque tenho pena de ti... e de mim... e de tudo...(...)

 Não vale a pena responder. A estas coisas não se responde. São os diálogos domésticos dos casais da nossa idade e do nosso meio. Substituem o amor e a vida. Quebram o silêncio e dão a impressão de que tudo vai bem. E vai. O mais engraçado é que tudo vai bem. Quando nada há de comum entre um homem e uma mulher senão a cama e o facto de conhecerem a mesma gente, de que podem eles falar, na idade em que a cama começa a ser o local onde se dorme e nada mais?(...)"

Luís de Sttau Monteiro

sábado, 26 de julho de 2014

CARTOON versus SONETO

Argumento de Peso
HenriCartoon

«ARGUMENTO DE PESO»

Ora muito bem, senhor Acusado…
O que tem a dizer em sua defesa
Depois de tudo o que foi gamado?
Explique ao Tribunal tanta riqueza…

Muito simples, meritíssimo Juiz…
Tenho na manga um argumento
Que desmente a acusação infeliz,
E arrasa de vez este julgamento!

Pode falar… agora fiquei curioso
Com esse argumento na manga (?)
Espero não ser truque manhoso…

Então é assim, seu reles capanga...
Anuncio ao Tribunal indecoroso:
Sou eu o dono de toda esta tanga!!

POETA

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

THE CARS - «You Might Think»
You Might Think by The Cars on Grooveshark
Poet'anarquista

VOCÊ PODE PENSAR

Você pode pensar que eu sou louco
Para ficar com você
Talvez você pense que eu tenho sorte
Para ter algo para fazer
Mas eu acho que você é selvagem
E dentro de mim é alguma criança
Você pode pensar que eu sou um tolo
Ou talvez isso seja mentira
Você pode pensar que eu sou louco
Mas tudo que eu quero é você
 
Você pode pensar que isso é histérico
Mas eu sei quando você está fraca
Você pensa que está no cinema
E tudo é tão profundo
Mas eu acho que você é selvagem
Quando você mostra esse sorriso frágil
Você pode pensar que é tolice
O que você me fez passar
Você pode pensar que eu sou louco
Mas tudo que eu quero é você
 
E foi difícil, tão difícil de ter
Não há escapatória sem um arranhão
Mas você manteve isso indo até o sol se pôr
Você manteve isso indo
 
Você pode pensar que eu estou delirando
A maneira como eu te coloco para baixo
Mas em algum lugar, às vezes
Quando você está curiosa
Eu estarei em volta
E eu acho que você é selvagem
E um estilo tão único
Você pode pensar que é tolice
Este incerto encontro
Você pode pensar que sou louco
Mas tudo que eu quero é você
Tudo que eu quero é você

The Cars

OUTROS CONTOS

«Caro Sr. Orwell», por Aldous Huxley.

«Caro Sr. Orwell»
Aldous Huxley

215- «CARO SR. ORWELL»

(Carta de Aldous Huxley a George Orwell)

Foi muito gentil da sua parte solicitar a seus editores que me enviassem uma cópia de sua obra. Ela foi entregue conforme solicitado enquanto eu estava no meio de um trabalho que requeria muita leitura e constantes consultas de referências de minha parte; e devido à minha visão prejudicada, vejo-me na necessidade de racionar meus momentos de leitura. Foi necessário aguardar um longo período para que eu pudesse embarcar em «1984».

Concordando com o que todos os críticos expressaram até o momento, eu não preciso dizer, mais uma vez, o quão excelente e profundamente importante esse livro é. Permita-me então, falar a respeito do assunto que permeia sua obra – a última grande revolução? As primeiras dicas de uma filosofia da última grande revolução – a revolução que vai além do político e do económico, e que busca a total subversão da psicologia e fisiologia individual – podem ser encontradas nas obras do Marquês de Sade, que se via como um continuador, um consumador, de Robespierre e Babeuf. A filosofia da dominação da minoria em «1984» é de um sadismo que se carrega além de sua conclusão lógica indo além do sexo e, inclusive, o negando. Porém, uma política de botas-na-cara da população se manter indefinidamente parece duvidável. Minha crença pessoal é de que um governo oligarquista irá encontrar maneiras mais fáceis e de menos gastos de continuar no poder e satisfazer sua sede de poder, e que essas maneiras irão se parecer mais como as que descrevi em «Admirável Mundo Novo». Ocasionalmente e recentemente, me encontro pesquisando a respeito do magnetismo e hipnotismo animal, e, em mais de uma ocasião, me encontro surpreso por, em mais de cento e cinquenta anos, o mundo se recusa a reconhecer a seriedade das descobertas feitas por Mesner, Braid, Esdaille e tantos outros.

Em parte devido ao materialismo predominante e em parte devido ao crescente respeito pelos direitos humanos, os filósofos e homens da ciência do século dezanove não estão inclinados a investigar os estranhos fatos da psicologia para homens como políticos, soldados e policiais e aplicá-los no campo do governo. Graças a ignorância involuntária dos nossos países, os adventos da última grande revolução foram atrasados por mais cinco ou seis gerações. Outro incidente de sorte foi a inabilidade de Freud a hipnotizar pacientes com sucesso e sua subsequente desistência da prática. Isso atrasou a aplicação do hipnotismo em terapias por mais alguns quarenta anos. Mas agora, psico-análises estão sendo combinadas novamente com hipnotismo; e a hipnose agora foi facilitada através do uso de substâncias que induzem o estado hipnótico e sugestivo aos mais tolerantes pacientes.

Dentro das próximas gerações, acredito que os governantes mundiais irão descobrir que condicionamento infantil e narco-hipnose são mais eficientes, como instrumentos de opressão, do que prisões e centros de tratamento, e que essa busca por poder pode ser satisfeita ao sugestionar a população a amar sua servitude ao invés de espancá-las e chutá-las à obediência. Em outras palavras, eu sinto que o pesadelo de «1984» está destinado a ser modulado ao pesadelo de um mundo que se assemelha ao que eu imaginei em «Admirável Mundo Novo». Essa mudança irá ocorrer pela necessidade do governo de um modelo mais eficiente. Ao mesmo tempo, é claro, é possível a existência de uma guerra em larga escala de frentes biológicas e atómicas – que no caso, nos tratam pesadelos de outros e ainda não imaginados tipos.

Agradeço novamente pelo livro.            

Sinceramente, 

Aldous Huxley

sexta-feira, 25 de julho de 2014

ANDRÉ HOJE

Do grego, significado do nome André...
Viril e robusto.  
Pessoa intuitiva e extrovertida. 
Tem ideias originais e brilhantes a respeito de tudo e gosta de debatê-las com os amigos. 
Dá-se muito bem em informática, pedagogia, teatro e circo. 
Do grego 'másculo, varão'.
Poet'anarquista
André Afonso Galhardas Félix
Ao Terceiro Dia

ANDRÉ FOI NA LOJA...

André foi na loja de mestre André 
E por lá comprou um avozinho...

-Menino André: «ai Cabé, ai Cabé»
Já és vovô dum belo netinho!

POETA

CARTOON versus QUADRA

O Novo Túnel do Santana
HenriCartoon

«O NOVO TÚNEL DO SANTANA»

- Olha, é o Flopes… d' onde vem?
- Eu venho do Túnel do Marquês…
- E aonde pensa chegar a má rês?
- Escavo até ao Palácio de Belém!

POETA

CARTOON versus QUADRA

Desacratos
HenriCartoon

«DESACRATOS»

Avalio assim o dia da prova:
Ouve um pequeno desacato,
Coisa pouca pró Nuno Crato…
Procura-se uma cabeça nova!

POETA

OUTROS CONTOS

«Pequeno Conto», por Elias Canetti.

«Pequeno Conto»
Elias Canetti - Nobel da Literatura/ 1981

214- «PEQUENO CONTO»

Misia Sert dominava a arte de caçar moscas. 
Estudava pacientemente os modos destes animais até descobrir 
o ponto exacto em que havia de introduzir a agulha para pregá-las sem que morressem. 
Exímia na arte de fazer colares de moscas vivas, 
entrava em frenesim com a celestial sensação do roçar das patinhas 
desesperadas em seu colo.

Elias Canetti

ESPECIAL MÚSICAS DO MUNDO

E a música especial de hoje é...
(Dedicada ao André Afonso Galhardas Félix)

LEOPOLDINA 
«Foi na Loja do Mestre André»
Foi Na Loja Do Mestre André by The Legendary Tigerman on Grooveshark
Poet'anarquista

FOI NA LOJA DO MESTRE ANDRÉ

Foi na loja do mestre andré
Que eu comprei um pianinho
Plim,plim,plim
Um pianinho
Plim,plim,plim
Um pianinho

Foi na loja do mestre andré
Que eu comprei uma guitarrinha
Plim,plim,plim
Uma guitarrinha
Plim,plim,plim
Uma guitarrinha

Ai,olé,ai olé foi na loja
Do mestre andré
Ai,olé,ai olé foi na loja
Do mestre andré

Foi na loja do mestre andré
Que eu comprei um tamborzinho
Tum,tum,tum
Um tamborzinho
Tum,tum,tum
Um tamborzinho

Foi na loja do mestre andré
Que eu comprei uma cornetinha
Tá,tá,tá
Uma cornetinha
Tá,tá,tá
Uma cornetinha

Ai,olé,ai olé foi na loja
Do mestre andré
Ai,olé,ai olé foi na loja
Do mestre andré

Ai,olé,ai olé foi na loja
Do mestre andré
Ai,olé,ai olé foi na loja
Do mestre andré

Leopoldina

quarta-feira, 23 de julho de 2014

«UM SONHO CHAMADO ANDRÉ»

Nasceu hoje, às 08:30 na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, o André Afonso Galhardas Félix. 

Parabéns aos papás Linda e João!

Bem aparecido, André!!
Poet'anarquista

«Mãe e Filho»
«André sorrindo para o Mundo»

«UM SONHO CHAMADO ANDRÉ»

Ontem ouvi as sirenes em Gaza…
Ao mesmo tempo regressavam a casa
Os cadáveres calcinados da Ucrânia.
Afligem-me estas coisas sem sentido
(coisas sem sentido… será?)
Estamos cercados por falsos profetas…
Humanos desumanizados,
Mas lá vamos resistindo como podemos;
E é nesse sonho que surge a esperança!...
O ANDRÉ, o João, a Maria… eu sei lá! Tantos
Que vão dando sentido à vida.

Matias José

CARTOON versus QUADRA

Festas de Jardim
Festas de Jardim
HenriCartoon

«FESTAS DE JARDIM»

A festa é à minha maneira
Seus lacaios do Contnente…
Venham euros prá Madeira,
Que haverá farra certamente!

POETA

OUTROS CONTOS

«Gaiolas e Asas», por Rubem Alves.

«Gaiolas e Asas»
Conto de Rubem Alves

213- «GAIOLAS E ASAS»

Os pensamentos chegam-me de um modo inesperado, sob a forma de aforismos. Fico feliz porque sei que, frequentemente, também Lichtenberg, William Blake e Nietzsche eram atacados por eles. Digo atacados porque eles surgem repentinamente, sem preparo, com a força de um raio. Os aforismos são visões: fazem ver, sem explicar. Pois ontem, de repente, este aforismo atacou-me: Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controlo. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados têm sempre um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são os pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.

Esse simples aforismo nasceu de um sofrimento: sofri, conversando com professores em escolas. O que eles contam são relatos de horror e medo. Balbúrdia, gritaria, desrespeito, ofensas, ameaças… E eles, timidamente, pedindo silêncio, tentando fazer as coisas que a burocracia determina que sejam feitas, como dar o programa, fazer avaliações… Ouvindo os seus relatos, vi uma jaula cheia de tigres famintos, dentes arreganhados, garras à mostra – e os domadores com os seus chicotes, fazendo ameaças fracas demais para a força dos tigres.

Sentir alegria ao sair de casa para ir à escola? Ter prazer em ensinar? Amar os alunos? O sonho é livrar-se de tudo aquilo. Mas não podem. A porta de ferro que fecha os tigres é a mesma porta que os fecha com os tigres. Violento, o pássaro que luta contra os arames da gaiola? Ou violenta será a imóvel gaiola que o prende? Violentos, os adolescentes? Ou serão as escolas que são violentas?

As escolas serão gaiolas? Vão falar-me da necessidade das escolas dizendo que os adolescentes precisam de ser educados para melhorarem de vida. De acordo. É preciso que os adolescentes, que todos tenham uma boa educação. Uma boa educação abre os caminhos de uma vida melhor. Mas eu pergunto: as nossas escolas estão a dar uma boa educação? O que é uma boa educação? O que os burocratas pressupõem sem pensar é que os alunos ficam com uma boa educação se aprendem os conteúdos dos programas oficiais. E, para testar a qualidade da educação, criam mecanismos, provas e avaliações, acrescidos dos novos exames elaborados pelo Ministério da Educação.

Mas será mesmo? Será que a aprendizagem dos programas oficiais se identifica com o ideal de uma boa educação? Sabe o que é um “dígrafo”? E conhece os usos da partícula “se”? E o nome das enzimas que entram na digestão? E o sujeito da frase “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante”? Qual é a utilidade da palavra “mesóclise”? Pobres professores, também engaiolados… São obrigados a ensinar o que os programas mandam, sabendo que é inútil. Isso é um hábito velho das escolas. Bruno Bettelheim relata a sua experiência com as escolas: Fui forçado (!) a estudar o que os professores decidiam que eu deveria aprender. E aprender à sua maneira.

O sujeito da educação é o corpo, porque é nele que está a vida. É o corpo que quer aprender para poder viver. É ele que dá as ordens. A inteligência é um instrumento do corpo cuja função é ajudá-lo a viver. Nietzsche dizia que a inteligência era a ferramenta e o brinquedo do corpo, Nisso se resume o programa educacional do corpo: aprender ferramentas, aprender brinquedos. As ferramentas são conhecimentos que nos permitem resolver os problemas vitais do dia-a-dia. Os brinquedos são todas aquelas coisas que, não tendo nenhuma utilidade como ferramentas, dão prazer e alegria à alma.

Nessas duas palavras, ferramentas e brinquedos, está o resumo da educação. Ferramentas e brinquedos não são gaiolas. São asas. As ferramentas permitem-me voar pelos caminhos do mundo. Os brinquedos permitem-me voar pelos caminhos da alma. Quem está a aprender ferramentas e brinquedos está a aprender liberdade, não fica violento. Fica alegre, ao ver as asas crescer… Assim todo o professor, ao ensinar, deveria perguntar-se: Isso que vou ensinar, é ferramenta? É brinquedo? Se não for, é melhor pôr de parte. As estatísticas oficiais anunciam o aumento das escolas e o aumento dos alunos matriculados. Esses dados não me dizem nada. Não me dizem se as escolas são gaiolas ou asas.

Mas eu sei que há professores que amam o voo dos seus alunos.

Há esperança…

Rubem Alves