Gregório de Matos Guerra, mais conhecido por «Boca do Inferno» ou «Boca de Brasa», alcunha que ganhou devido a um período de escrita da sua obra poética erótica-obscena, nasceu em Salvador no Brasil, a 23 de Dezembro de 1636. Grande poeta brasileiro, considerado por muitos como o maior do barroco e o mais importante poeta satírico da literatura em língua portuguesa da sua época, faleceu a 26 de Novembro de 1695 no Recife.
Poet'anarquistaGregório de Matos
Poeta Brasileiro
BIOGRAFIA
Gregório de Matos Guerra era o terceiro filho de um fidalgo português, estabelecido no Recôncavo baiano como senhor de engenho, e de uma brasileira. Ao contrário dos irmãos mais velhos que não se adequaram aos estudos e dedicaram a ajudar o pai na fazenda, Gregório recebeu instrução na infância e adolescência e foi enviado para a Universidade de Coimbra, onde se bacharelou em direito.
Teria sido juiz do Cível, de Crime e de Órfãos em Lisboa durante muitos anos. Na Corte portuguesa, envolveu-se na vida literária que deixava o maneirismo camoniano e atingia o barroco, seguindo as influências espanholas de Gôngora e Quevedo. Por essa ocasião, teria também casado e tido acesso ao rei Pedro II, de quem ganhou simpatia e favores.
A sátira política tornou-se uma das vertentes mais conhecidas da sua obra poética.
A sua sorte, porém, mudou bruscamente. Enviuvou e caiu em desgraça com o rei, segundo alguns biógrafos, por intriga de alguém ridicularizado num dos seus poemas satíricos. Acabou regressando à Bahia em 1681, a princípio trabalhando para o Arcebispo, como tesoureiro-mor, mas logo desligado das suas funções.
Casou-se, então, com Maria dos Povos, a quem dedicou um dos seus sonetos mais famosos. Vendeu as terras que recebera de herança e, segundo consta, guardou o dinheiro num saco no canto da casa, gastando-o à vontade e sem fazer economia. Ao mesmo tempo, tratou de exercer a advocacia, escrevendo argumentações judiciais em versos.
A certa altura, resolveu abandonar tudo e saiu pelo Recôncavo como cantador itinerante, convivendo com o povo, frequentando as festas populares, banqueteando-se sempre que convidado. É nessa época que se avoluma a sua obra satírica (inclusive erótico-obscena) que iria valer-lhe o apelido de «Boca do Inferno». Mas foi a crítica política à corrupção e o arremedo aos fidalgos locais que resultaram na sua deportação para Angola.
De lá só regressou em 1695, com a condição de se estabelecer em Pernambuco e não na Bahia, além de evitar as sátiras. Segundo os estudiosos, nesses momentos finais de vida, tornou-se mais devoto e deu vazão à poesia religiosa, em que pede perdão a Deus pelos seus pecados.
Vale a pena lembrar que a fama de Gregório de Matos - um dos grandes poetas barrocos não só do Brasil, mas da língua portuguesa - é devida a uma obra efectivamente sólida, em que o autor soube manejar os cânones da época, seja de modo erudito em poemas líricos de cunho filosófico e religioso, seja na obra satírica de cunho popularesco. O virtuosismo estilístico de Gregório de Matos não encontra um rival à altura na poesia portuguesa do mesmo período.
Fonte: UOLEducação
«Obra Poética»
Gregório de Matos Guerra
DEFINE A SUA CIDADE
De dous ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder.
Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dous ff o explicou
por estar feito, e bem feito:
por bem digesto, e colheito
só com dous ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
de dous ff se compõe.
Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
esta cidade a meu ver.
Provo a conjetura já,
prontamente como um brinco:
Bahia tem letras cinco
que são B-A-H-I-A:
logo ninguém me dirá
que dous ff chega a ter,
pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
são os ff da cidade
um furtar, outro foder.
Gregório de Matos
DESCREVE O QUE ERA NAQUELE TEMPO A CIDADE DA BAHIA
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,
Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,
Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.
A DESPEDIDA DO MAU GOVERNO QUE FEZ O GOVERNADOR DA BAHIA.
Senhor Antão de Sousa de Menezes,
Quem sobe ao alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.
A fortunilha, autora de entremezes
Transpõe em burro o herói que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo homem parece,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.
Homem sei eu que foi vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a roda,
Burro foi ao subir tão alto clima.
Pois, alto! Vá descendo onde jazia,
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser homem embaixo do que burro em cima.
Gregório de Matos
Muito curioso...
ResponderEliminarEm «DEFINE A SUA CIDADE», de Gregório de Matos encontramos:
Métrica, ao Ritmo, à Rima, desde o Terceto Mote, à Glosa com três décimas espelhadas e de retorno a cada um dos três versos.
Entre 1636 e 1695 (séc. XVII), como se pode constatar, já se escreviam décimas no Brasil.
Assim sendo, qual a origem e a que época da história remontam as décimas?
Mesmo muito interessante!