domingo, 10 de janeiro de 2021

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No Fio da Navalha 
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NO FIO DA NAVALHA

Os nomes deste acontecimento são fictícios por se tratar de pessoas que já não se encontram entre os vivos para fazer uso do contraditório.

Então passo a contar o que aconteceu num longínquo dia do ano 1967...

Dia de catequese na Igreja Matriz de Alandroal... um dia que podia ter sido como outro qualquer, mas que ficou gravado na minha memória para sempre. O padre Avilis nesse dia vinha disposto a conjurar todos os nossos pecados e amedrontar, caso não houvesse arrependidos entre as crianças. Trazia consigo um livro de dimensões consideráveis (tipo tamanho A3). Com toda a minúcia, começou a folhear até chegar a uma determinada página que ele pretendia. Aí se encontrava uma gravura a cores do Paraíso, lindíssima que foi mostrando a todos os presentes. Em seguida folheou até outra página onde, também em gravura a cores, se podia ver uma imagem do Purgatório. Por fim, e sem antes deixar de molhar o indicador com um pouco de saliva, salteou até a última gravura com imagem do Inferno.

Explicou em seguida o que representava cada uma daquelas gravuras, e as consequências dos nossos actos terrenos perante cada uma delas...

Livres de pecado era o caminho para o Paraíso Celeste, pequenos e médios pecados o sofrimento durante determinado tempo com outras almas pecadoras no Purgatório e, finalmente, o Inferno onde arderia eternamente quem cometesse grandes pecados.

Acreditem que ainda hoje faço confusão entre pequenos, médios e grandes pecados.

Dito isto, padre Avilis apontou o dedo na direcção de um dos rapazes, e disse:

- Tu aí, ó Barriga de Taberneiro... pega nesta navalha e vai dar uma navalhada na imagem de Nossa Senhora que está no nicho do teu lado direito.

O Barriga de Taberneiro ainda hesitou, mas como era o padre Avilis que estava ordenando, pegou na navalha e decidido dirigiu-se à imagem para cumprir a ordem. Não fosse a rápida intervenção do padre Avilis, e a pobre Senhora sem culpa de nada tinha ficado em cacos espalhada pelo chão da Igreja.

Consequências do acto... um fortíssimo puxão de orelhas com raspanete, e conhecimento aos pais e avós do sucedido. A mãe e avó da vítima, pessoas sensatas, disseram a padre Avilis:

- Então o senhor Prior acha que isso é procedimento com uma criança de tão tenra idade?

O caso ficou por ali... padre Avilis nunca mais se atreveria a colocar uma navalha nas mãos do Barriga de Taberneiro, pois desde esse dia passou a temer o génio irreverente e traquina do rapazola.


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