domingo, 20 de fevereiro de 2011

LITERATURA - VITORINO NEMÉSIO

Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva, nasceu na Praia da Vitória, ilha Terceira nos Açores e foi um poeta, escritor e intelectual que se destacou na literatura portuguesa do séc. XX. O seu romance «Mau Tempo no Canal», de 1944, considerado pelos críticos da época como o primeiro romance português contemporâneo, é uma obra-prima incomparável da literatura portuguesa. Veio a falecer em Lisboa, no Hospital da Cuf, a 20 de Fevereiro de 1978, deixando um último pedido ao filho: ser sepultado no cemitério de Santo António dos Olivais em Coimbra, e que o toque de finados fosse substituído pela música «Aleluia» do compositor alemão George Frederic Handel. «Se bem me lembro...», assim aconteceu!
Poet'anarquista
Vitorino Nemésio
Escritor Português
BIOGRAFIA

Escritor e professor universitário português, natural da Praia da Vitória, ilha Terceira (Açores). Fez os estudos secundários em Angra do Heroísmo e na Horta. Em 1916 publicou o seu primeiro livro de poemas, Canto Matinal, e interrompeu os estudos. Tendo vindo para o continente, foi empregado de escritório em Lisboa e, em 1921, tornou-se redactor de A Pátria e da Imprensa Nacional, sendo ainda um dos fundadores de Última Hora, precursor do Diário de Lisboa. Em 1922, ano em que publicou Nave Etérea e o seu primeiro livro de contos, Paço do Milhafre, inscreveu-se no curso de Direito, passando depois à Faculdade de Letras (1924), primeiro na secção de História e Geografia e, finalmente, em Filologia Românica, concluindo a sua licenciatura em 1931. Durante os anos de permanência em Coimbra foi presidente do Centro Republicano Académico e da Associação Cristã de Estudantes de Letras, director dos jornais Humanidades e Gente Nova e da revista literária Tríptico, precursora da Presença. Em 1933 foi contratado como professor auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa, aí se doutorando, em 1934, com a tese A Mocidade de Herculano Até à Volta do Exílio. Foi professor universitário em Montpellier (1935-1937), em Bruxelas (1939), na Universidade da Baía (1958), na Universidade Federal do Ceará (1965) e na Faculdade de Letras de Lisboa, desde 1941, ano em que se tornou professor catedrático, até 1971, ano em que atingiu o limite de idade, o que deu lugar à publicação, em 1972, do seu Limite de Idade. De 1957 a 1959 foi director da Faculdade de Letras de Lisboa, pelo que fez parte da Comissão de Reforma das Faculdades de Letras. Em 1960, participou nas comissões nacionais dos centenários da morte do infante D. Henrique e da publicação de Os Lusíadas. 

Colaborou na Presença e lançou a Revista de Portugal, que proporcionou um amplo reconhecimento do movimento modernista e de outras correntes de vanguarda, dando origem à divulgação das tendências das literaturas portuguesa e brasileira da época. Foi autor e apresentador do programa televisivo «Se bem me lembro...», que o popularizou, e dirigiu o jornal O Dia entre 1975 e 1976. 

Nemésio foi ficcionista, poeta, cronista, ensaísta, biógrafo e ainda historiador. Levou a cabo, na sua obra, uma transformação das tendências da Presença (que de certa forma precedeu), garantindo a perenidade dos seus textos. Fortemente marcado pelas suas raízes insulares, a vida açoriana e as recordações da sua infância percorrem a obra do escritor, numa espécie de apelo, revelado pela ternura da sua inspiração popular, pela presença das coisas simples e das gentes, e por uma profunda compreensão, em relação à existência e ao sofrimento implícito na vida humana. Por outro lado, a sua obra poética e ensaística revela também o conhecimento e a assimilação de pensadores e poetas da vanguarda internacional, como Heidegger, Rilke ou Valéry, com reflexos na exploração da linguagem nas suas capacidades metafóricas e imagéticas, procurando renovar as formas de criação poética. Aliando uma vasta erudição à capacidade de intuir imagens de grande intensidade poética, foi um dos grandes escritores portugueses do século XX, recebendo, em 1966, o Prémio Nacional de Literatura e, em 1973, o Prémio Montaigne. 

«Mau Tempo no Canal»

Romance de Vitorino Nemésio

Entre os seus romances, destaca-se Mau Tempo no Canal, publicado em 1944 e desde logo considerado pela crítica como o primeiro romance português contemporâneo. Em torno de uma história de amores contrariados desencadeiam-se, num processo próximo da tradição do romance inglês, motivos e eventos representativos da sociedade açoriana do primeiro quartel do século XX. Segundo David Mourão-Ferreira, este «romance de situações e de ambientes, de costumes e de estados de alma, realista e simbólico», define-se, sobretudo, pela «dimensão poética, através da qual tudo o mais se avoluma e eterniza». 

Escreveu as obras poéticas Canto Matinal (1916), Nave Etérea (1922), O Bicho Harmonioso (1938), Eu, Comovido a Oeste (1940), Festa Redonda (1950), Nem Toda a Noite a Vida (1953), O Pão e a Culpa (1955), O Verbo e a Morte (1959), O Cavalo Encantado (1963), Andamento Holandês e Poemas Graves (1964), Ode ao Rio, ABC do Rio de Janeiro (1965), Canto de Véspera (1966), Violão de Morro (1968), Limite de Idade (1972), Poemas Brasileiros (1972), Sapateia Açoriana, Andamento Holandês e Outros Poemas (1976). É ainda autor de romances, novelas, contos, viagens e crónicas como Paço do Milhafre (1924), Varanda de Pilatos (1926), A Casa Fechada (1937), Mau Tempo no Canal (1944, Prémio Ricardo Malheiros), O Mistério do Paço do Milhafre (1949), O Segredo de Ouro Preto e Outros Caminhos (1954), Corsário das Ilhas (1956, crónicas), O Retrato do Semeador (1958, crónicas), Viagens ao Pé da Porta (1965), Caatinga e Terra Caída (1968), Quatro Prisões Debaixo de Armas (1972) e Jornal do Observador (1974, crónicas).

De entre os variados ensaios e volumes de crítica que escreveu, destacam-se Sob os Signos de Agora (1932), A Mocidade de Herculano (1934), Ondas Médias (1945) e Conhecimento de Poesia (1958). Dedicou-se também à investigação histórica, criando as obras Isabel de Aragão (1936), O Campo de S. Paulo, A Companhia de Jesus e o Plano Português do Brasil (1954) e Vida e Obra do Infante D. Henrique (1959).
Fonte: Astormentas


A CONCHA

A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.

A minha casa. . . Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.

Vitorino Nemésio

REQUIESCAT

Direi, pela noite, não ódio que tivesse
Nem detestar vida corpórea e ninhos de manha,
Mas meu alto cansaço, a tristeza de lá
Onde se sente o aqui traído, a falsa entranha.

Direi --- não "fora!" ao mundo que me cinge
(Outro onde o sei e como chegaria?),
Mas dos anos de ver, pensar durando
Retiro uma moeda de nada,
Fruto do meu suor, e pago o pão que se me deve,
Compro o silêncio que se me deve
Por ter cumprido a palavra,
Trabalhado nas palavras,
E por elas merecido a terra leve.


Vitorino Nemésio
Retrato de Vitorino Nemésio
Pintura de Antonieta Janeiro

RETRATO

Cruel como os Assírios,
Lânguido como os Persas,
Entre estrelas e círios
Cristão só nas conversas.

Árabe no sossego,
Africano no ardor;
No corpo, Grego, Grego!
Homem, seja onde for.

Romano na ambição,
Oriental no ardil,
Latino na paixão,
Europeu por subtil:

Homem sou, homem só
(Pascal: "nem anjo nem bruto"):
Cristãmente, do pó
Me levanto impoluto.

Vitorino Nemésio

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