O poeta português António Pereira
Nobre, ou simplesmente António Nobre, nasceu no Porto a 16 de Agosto de
1867. A sua obra insere-se nas correntes ultra-romântica, simbolista,
decadentista e saudosista da geração de finais do séc. XX. O livro de poesia
«Só» é talvez a sua principal referência na literatura portuguesa, marcando um
período de lamentação e nostalgia e, ao mesmo tempo, uma auto-ironia poética
marcando a rotura com o género poético. António Nobre faleceu na Foz do Douro,
a 18 de Março de 1900.
Poet’anarquista
António Nobre
Poeta Português
SOBRE O POETA…
Poeta português, natural do Porto. Após uma passagem pela
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, entre 1888 e 1890, seguiu para
Paris, onde concluiu os estudos de Ciências Políticas em 1895. Aí, contactou
com Eça de Queirós, que era, na altura, cônsul de Portugal e escreveu a maior
parte dos poemas que viriam a constituir o «Só». Publicado em Paris, em 1892,
num período em que o simbolismo era a corrente dominante, o «Só» pouco tem a
ver com esta corrente, o que poderá explicar as críticas geralmente negativas
com que a obra foi recebida em Portugal. O ingresso na carreira diplomática,
que pretendia, não lhe foi possível, por, na altura, já sofrer de tuberculose.
Efectuou viagens à Suíça, Madeira e Nova Iorque, procurando a cura para a
doença que viria a vitimá-lo. O exílio de Nobre em Paris e as circunstâncias
críticas do seu estado de saúde contribuíram em muito para as características
da sua obra, que não deixa de reflectir algumas influências simbolistas e
decadentistas.
Marcado por uma infância feliz no norte provinciano,
entretanto perdida, desenraizado da sua pátria (ou, dentro dela, sentindo com
amargura a sua estagnação – como se percebe em Carta a Manuel), procurou
recuperar um pitoresco português ligado à vida dos simples, ao seu vigor e à sua
tragédia. Por eles, sentia uma ternura ingénua, pueril, numa atitude romântica
e saudosista que marcou profundamente a posterior literatura portuguesa e o
aproximou de figuras literárias como Guerra Junqueiro e, sobretudo, Garrett,
por quem o autor confessou a sua admiração no poema sintomaticamente intitulado
Viagens na minha terra («Ora, às ocultas, eu trazia / No seio, um livro e lia,
lia / Garrett da minha paixão») e a quem se refere igualmente no poema Saudade
(«Saudade, saudade! Palavra tão triste, / E ouvi-la faz bem: / Meu caro
Garrett, tu bem na sentiste, / Melhor que ninguém!»). O regresso a um passado
feliz, que transfigura a realidade, poetizando-a e aproximando-a da intimidade
do poeta, foi acompanhado de alguma ironia amarga perante o que achava ser a
agonia de Portugal e a sua própria, num sentimentalismo aparentemente simples
que reflecte uma dimensão mítica, por vezes um certo visionarismo, da sua
vivência da saudade, do exílio, da pátria e da poesia, temas recorrentes da sua
obra.
Marcantes, ainda, na sua obra são o seu pessimismo e a
obsessão da morte (como em Balada do Caixão, Ca(ro) Da(ta) Ver(mibus), Males de
Anto ou Meses depois, num cemitério), o fatalismo com a sua predestinação para
a infelicidade (como em Memória, Lusitânia No Bairro Latino ou D. Enguiço) e o
apreço pela paisagem e pelos tipos pitorescos portugueses (como na segunda e
terceira partes de António, Viagens na Minha Terra ou no soneto Poveirinhos!
Meus velhos pescadores).
António Nobre, recusando a elaboração convencional, oratória
e elevada da linguagem, libertou-a, procurando um tom de coloquialidade,
sensível mais que reflexivo, cheio de ritmos livres e musicais, afectivo, oral,
precursor de muitos aspectos da modernidade e acompanhado de uma imagística
rica e original. O seu único livro publicado em vida, «Só» (1892), «que é o
livro mais triste que há em Portugal», segundo palavras do próprio autor, foi
um dos grandes marcos da poesia do século XIX. Na reedição de 1898, Nobre
dividiu o livro em secções, construindo o percurso de vida de uma personagem.
«Memória» abre a obra, marcando, desde o início, a ascendência mítica dessa
personagem que, fadada para ser um «Príncipe» e um poeta, simbolicamente fica
órfão e erra em busca da sua identidade – individual, de «Anto», e colectiva,
já que o eu simboliza Portugal e os portugueses na crise do fim do século.
António Nobre colaborou em revistas como A Mocidade de Hoje (1883) e Boémia
Nova (1889). Na sua obra póstuma, constam Despedidas 1895-1899 (1902, que
inclui um fragmento de um poema sebastianista de intenção épica, O Desejado),
Primeiros Versos 1882-1889 (1921) e alguns volumes de correspondência.
Fonte: Astormentas
NÃO REPARAM NUNCA?
Não repararam nunca? Pela aldeia,
Nos fios telegráficos da estrada,
Cantam as aves, desde que o Sol nada,
E, à noite, se faz sol a Lua cheia.
No entanto, pelo arame que as tenteia,
Quanta tortura vai, numa ânsia aiada!
O Ministro que joga uma cartada,
Alma que, às vêzes, dAlém-Mar anseia:
- Revolução! - Inútil. - Cem feridos,
Setenta mortos. - Beijo-te! - Perdidos!
- Enfim, feliz! - ? - ! - Desesperado. - Vem.
E as boas aves, bem se importam elas!
Continuam cantando, tagarelas:
Assim, Antônio! deves ser também.
Nos fios telegráficos da estrada,
Cantam as aves, desde que o Sol nada,
E, à noite, se faz sol a Lua cheia.
No entanto, pelo arame que as tenteia,
Quanta tortura vai, numa ânsia aiada!
O Ministro que joga uma cartada,
Alma que, às vêzes, dAlém-Mar anseia:
- Revolução! - Inútil. - Cem feridos,
Setenta mortos. - Beijo-te! - Perdidos!
- Enfim, feliz! - ? - ! - Desesperado. - Vem.
E as boas aves, bem se importam elas!
Continuam cantando, tagarelas:
Assim, Antônio! deves ser também.
António Nobre
VOU SOBRE O OCEANO (O LUAR, DE DOCE, ENLEVA!)
Vou sobre o Oceano (o luar, de doce, enleva!)
Por este mar de Glória, em plena paz.
Terra da Pátria somem-se na treva,
Águas de Portugal ficam, atrás.
Onde vou eu? Meu fado onde me leva?
António, onde vais tu, doido rapaz?
Não sei. Mas o Vapor, quando se eleva,
Lembra o meu coração, na ânsia em que jaz.
Ó Lusitânia que te vais à vela!
Adeus! que eu parto (rezarei por ela)
Na minha Nau Catrineta, adeus!
Paquete, meu Paquete, anda ligeiro,
Sobe depressa à gávea, Marinheiro,
E grita, França! pelo amor de Deus!
Por este mar de Glória, em plena paz.
Terra da Pátria somem-se na treva,
Águas de Portugal ficam, atrás.
Onde vou eu? Meu fado onde me leva?
António, onde vais tu, doido rapaz?
Não sei. Mas o Vapor, quando se eleva,
Lembra o meu coração, na ânsia em que jaz.
Ó Lusitânia que te vais à vela!
Adeus! que eu parto (rezarei por ela)
Na minha Nau Catrineta, adeus!
Paquete, meu Paquete, anda ligeiro,
Sobe depressa à gávea, Marinheiro,
E grita, França! pelo amor de Deus!
António Nobre
BALADA DO CAIXÃO
O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte,
Ponteia e cose, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mognos, debruados de veludo,
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vai a aborrecer,
Fui-me lá, ontem: (Era Entrudo,
Havia imenso que fazer...)
- Olá, bom homem! quero um fato,
Tem que me sirva? - Vamos ver...
Olhou, mexeu na casa toda.
- Eis aqui um e bem barato.
- Está na moda? - Está na moda.
(Gostei e nem quis apreçá-lo:
Muito justinho, pouca roda...)
- Quando posso mandar buscá-lo?
- Ao pôr-do-Sol. Vou dá-lo a ferro:
(Pôs-se o bom homem a aplainá-lo...)
Ó meus Amigos! salvo erro,
Juro-o pela alma, pelo Céu:
Nenhum de vós, ao meu enterro,
Irá mais dândi, olhai! do que eu!
Algibebe de Dona Morte,
Ponteia e cose, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mognos, debruados de veludo,
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vai a aborrecer,
Fui-me lá, ontem: (Era Entrudo,
Havia imenso que fazer...)
- Olá, bom homem! quero um fato,
Tem que me sirva? - Vamos ver...
Olhou, mexeu na casa toda.
- Eis aqui um e bem barato.
- Está na moda? - Está na moda.
(Gostei e nem quis apreçá-lo:
Muito justinho, pouca roda...)
- Quando posso mandar buscá-lo?
- Ao pôr-do-Sol. Vou dá-lo a ferro:
(Pôs-se o bom homem a aplainá-lo...)
Ó meus Amigos! salvo erro,
Juro-o pela alma, pelo Céu:
Nenhum de vós, ao meu enterro,
Irá mais dândi, olhai! do que eu!
António Nobre
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