sábado, 17 de novembro de 2012

POESIA - MÁRIO DIONÍSIO

O poeta, pintor e escritor português Mário Dionísio nasceu em Lisboa, a 16 de Julho de 1916. Foi igualmente professor de prestígio, assim como crítico de arte em jornais periódicos da época, entre os quais o «Seara Nova», «Vértice» e «Diário de Lisboa». Prefaciou autores como Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, José Cardoso Pires e Alves Redol. Mário Dionísio faleceu em Lisboa, a 17 de Novembro de 1993.
Poet’anarquista
Mário Dionísio
Escritor, Pintor e Crítico Português
SOBRE O ARTISTA...

Escritor, professor e crítico de arte português. Frequentou, em Lisboa, os liceus Luís de Camões e Gil Vicente e, em Évora, o liceu André Gouveia, tendo depois estudado Filologia Românica na Faculdade de Letras. Foi, durante vinte anos, professor do ensino secundário no Liceu Camões, ingressando depois, até 1986, na Faculdade de Letras de Lisboa, como professor associado. Colaborou em diversos jornais e revistas, como a Presença, Altitude, Revista de Portugal, Seara Nova e Vértice. 

Foi poeta, ficcionista, ensaísta (sendo um dos mais importantes teorizadores do neo-realismo, sem deixar de valorizar aspectos específicos da criação literária, exerceu a sua actividade crítica, quer no domínio da criação literária, quer no das artes plásticas) e pintor. Participou em inúmeras exposições colectivas, tendo realizado a sua primeira exposição individual, em Lisboa e no Porto, em 1989. 

Poeta ligado ao Novo Cancioneiro, destacou-se pelo carácter combativo da sua lírica e pelo seu optimismo quanto à evolução da sociedade e do homem, considerando que «a poesia está na vida/a poesia está em tudo quanto vive/a poesia está na luta dos homens». No domínio da ficção manteve-se fiel ao neo-realismo, procurando todavia encontrar caminhos inovadores dentro dessa corrente. 

Publicou as obras poéticas Lamento na Hora Incerta, Poemas (1941), As Solicitações e Emboscadas (1950), Riso Dissonante (1950), Memória de um Pintor Desconhecido (1965), Le Feu Qui Dort (1967, obra a partir da qual a sua poética apresenta por vezes traços do surrealismo) e Terceira Idade (1982, Prémio do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários, ex-aequo com uma obra de Alexandre O'Neill). 

Publicou ainda o volume de contos Dia Cinzento (1944) e os romances Não Há Morte nem Princípio (1969), Monólogo a Duas Vozes (1986) e A Morte é Para os Outros (1988). No domínio do ensaio e da polémica escreveu Ficha 14 (1944), Vincent Van Gogh (1947), XVI Desenhos de Júlio Pomar (1948), «Guilherme de Azevedo», in Perspectiva da Literatura Portuguesa do Século XIX (1949), Encontros em Paris (1951, entrevistas com personalidades várias), Conflito e Unidade da Arte Contemporânea (1958), A Paleta e o Mundo (2 volumes, 1956-1960) e Autobiografia (1987). 

Há ainda vários estudos e prefácios críticos de sua autoria, como os de Poemas Completos, de Manuel da Fonseca (1963), Casa na Duna, de Carlos de Oliveira (1963), Barranco de Cegos, de Alves Redol (1970), Poeta Militante I, de José Gomes Ferreira (1977), O Mundo dos Outros, de José Gomes Ferreira (1978), O Anjo Ancorado, de José Cardoso Pires (1985), Mensagem, de Fernando Pessoa (1985), e Júlio Pomar (1990)
Fonte: Astormentas

ARTE POÉTICA

A poesia não está nas olheiras imorais de Ofélia 
nem no jardim dos lilases. 
A poesia está na vida, 
nas artérias imensas cheias de gente em todos os sentidos, 
nos ascensores constantes, 
na bicha de automóveis rápidos de todos os feitios e de todas as cores, 
nas máquinas da fábrica e nos operários da fábrica 
e no fumo da fábrica. 
A poesia está no grito do rapaz apregoando jornais, 
no vaivém de milhões de pessoas conversando ou prague­jando ou rindo. 
Está no riso da loira da tabacaria, 
vendendo um maço de tabaco e uma caixa de fósforos. 
Está nos pulmões de aço cortando o espaço e o mar. 
A poesia está na doca, 
nos braços negros dos carregadores de carvão, 
no beijo que se trocou no minuto entre o trabalho e o jantar 
— e só durou esse minuto. 
A poesia está em tudo quanto vive, em todo o movimento, 
nas rodas do comboio a caminho, a caminho, a caminho 
de terras sempre mais longe, 
nas mãos sem luvas que se estendem para seios sem véus, 
na angústia da vida. 

A poesia está na luta dos homens, 
está nos olhos abertos para amanhã. 

Mário Dionísio

MEMÓRIA DUM PINTOR DESCONHECIDO

Os presos contam os dias 
eu as horas 
nesta prisão maior onde um olhar ficou boiando 
e uma voz um som de passos perseguidos 
na sombra perseguindo a segurança 
fugidia 

Na cidade que amo e a sós comigo 
é talvez só futuro ou já saudade 
com alma bem nascida entre o fragor de máquinas, cimento e energia 
atómica indefeso entre irmãos de cárcere demando 
a voz que foge os irmãos que não vejo 
o brando olhar que guarda o meu desejo 
e só consigo 
ver o gomoso arrastar das horas e das horas 
tantas horas 
à baioneta marcadas por uma sentinela 
aos quatro cantos da janela 
gradeada 
do dia- 
a-dia onde não há 
mais nada 

Que nada são os dias e os anos 
para um tão grande amor que vou pintando 
com o próprio sangue os meus e teus enganos 
que há de nascer que há de florir que há de 
e há de e há de 
quando? 

Mário Dionísio

ELEGIA AO COMPANHEIRO MORTO

Meu companheiro morreu às cinco da manhã 
Foi de noite ao fim da noite às cinco em ponto da manhã 

Ah antes fosse noite noite apenas noite 
sem a promessa da manhã 

Ah antes fosse noite noite noite apenas noite 
e não houvesse em tudo a promessa da manhã 

Deitado para sempre às cinco da manhã 

Agora que sabia olhar os homens com força 
e ver nas sombras que até aí não via a promessa risonha da manhã 

Mas quem se vai interessar amigos quem 
por quem só tem o sonho da manhã? 

E uma vez de noite ao fim da noite mesmo ao cabo da noite 
meu companheiro ficou deitado para sempre 
e com a boca cerrada para sempre 
e com os olhos fechados para sempre 
e com as mãos cruzadas para sempre 
imóvel e calado para sempre 

E era quase manhã 
E era quase amanhã

Mário Dionísio

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