sábado, 24 de novembro de 2012

SETE POEMAS DE CRUZ E SOUSA

O enorme poeta brasileiro João da Cruz e Sousa, também conhecido como Dante Negro ou Cisne Negro, foi um dos mais importantes percursores do simbolismo no Brasil. Nasceu em Nossa Senhora do Desterro, estado de Florianópolis, a 24 de Novembro de 1861 e já aqui- «POESIA BRASILEIRA» se publicou vida e obra em análise deste autor brasileiro do séc. XIX. Hoje para leitura poética, sete poemas pela mão do poeta Cruz e Sousa... Viva a Poesia!
Poet'anarquista
Cruz e Sousa
Poeta Brasileiro

«DESPERTAR DA ALMA»

Nada há que me domine e que me vença 
Quando a minha alma mudamente acorda... 
Ela rebenta em flor, ela transborda 
Nos alvoroços da emoção imensa.

Cruz e Sousa

ACROBATA DA DOR 

Gargalha, ri, num riso de tormenta, 
como um palhaço, que desengonçado, 
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado 
de uma ironia e de uma dor violenta. 

Da gargalhada atroz, sanguinolenta, 
agita os guizos, e convulsionado 
salta, gavroche, salta clone, varado 
pelo estertor dessa agonia lenta ... 

Pedem-se bis e um bis não se despreza! 
Vamos! retesa os músculos, retesa 
nessas macabras piruetas d'aço... 

E embora caias sobre o chão, fremente, 
afogado em teu sangue estuoso e quente, 
ri! Coração, tristíssimo palhaço.

Cruz e Sousa

O HORROR DOS VIVOS

Ao menos junto dos mortos pode a gente 
Crer e esperar n'alguma suavidade: 
Crer no doce consolo da saudade 
E esperar do descanso eternamente. 

Junto aos mortos, por certo, a fé ardente 
Não perde a sua viva claridade; 
Cantam as aves do céu na intimidade 
Do coração o mais indiferente. 

Os mortos dão-nos paz imensa à vida, 
Não a lembrança vaga, indefinida 
Dos seus feitos gentis, nobres, altivos. 

Nas lutas vãs do tenebroso mundo 
Os mortos são ainda o bem profundo 
Que nos faz esquecer o horror dos vivos.

Cruz e Sousa

«TODA A ALMA»

Ah! Toda a Alma num cárcere anda presa, 
soluçando nas trevas, entre as grades 
do calabouço olhando imensidades, 
mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza 
quando a alma entre grilhões as liberdades
sonha e sonhando, as imortalidades 
rasga no etéreo Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas 
nas prisões colossais e abandonadas, 
da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves 
para abrir-vos as portas do Mistério?!

Cruz e Sousa

DILACERAÇÕES

Ó carnes que eu amei sangrentamente, 
ó volúpias letais e dolorosas, 
essências de heliotropos e de rosas 
de essência morna, tropical, dolente... 

Carnes, virgens e tépidas do Oriente 
do Sonho e das Estrelas fabulosas, 
carnes acerbas e maravilhosas, 
tentadoras do sol intensamente... 

Passai, dilaceradas pelos zelos, 
através dos profundos pesadelos 
que me apunhalam de mortais horrores... 

Passai, passai, desfeitas em tormentos, 
em lágrimas, em prantos, em lamentos 
em ais, em luto, em convulsões, em dores...

Cruz e Sousa

CABELOS 

Cabelos! Quantas sensações ao vê-los! 
Cabelos negros, do esplendor sombrio, 
por onde corre o fluido vago e frio 
dos brumosos e longos pesadelos... 

Sonhos, mistérios, ansiedades, zelos, 
tudo que lembra as convulsões de um rio 
passa na noite cálida, no estio 
da noite tropical dos teus cabelos. 

Passa através dos teus cabelos quentes, 
pela chama dos beijos inclementes, 
das dolências fatais, da nostalgia... 

Auréola negra, majestosa, ondeada, 
alma de treva, densa e perfumada, 
lânguida noite da melancolia!

Cruz e Sousa

O ASSINALADO

Tu és o louco da imortal loucura;
O louco da loucura mais suprema.
A terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma desventura extrema;
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o poeta, o grande assinalado;
Que povoas o mundo despovoado
De belezas eternas, pouco a pouco.

Na natureza prodigiosa e rica,
Toda a audácia dos nervos justifica,
Os teus espasmos imortais de louco.

Cruz e Sousa

2 comentários:

  1. Ele sabe fazer miséria com versos, Cruz e Souza tem em mim um fanzaço! E, mesmo, somos conterrâneos em termos de região, ambos nascidos em Santa Catarina. [Minha cidade, porém, está situada aprox. 200 km mais ao sul da bela capital de nosso estado]


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  2. Isto é de arrepiar de belo que é:

    Mas essa mesma algema de amargura,
    Mas essa mesma desventura extrema;
    Faz que tu'alma suplicando gema
    E rebente em estrelas de ternura.

    De O Assinalado, postado por você, caro Camões.

    PS: De fato, o oxímoro ali existente (...suplicando gema, rebente em estrelas de ternura) é altamente edificante.

    O poema é mesmo uma referência ao autor, em seus últimos anos de vida, sobrevivendo quase na linha da miséria, no Rio, com filhos, e a mulher volta e meia internada com problema mental, e, por fim, a tuberculose, que o levou.

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