Razões de ordem política levam o rei D. Afonso IV a mandar
executar Inês de Castro, amante do seu filho D. Pedro. Esta cruel tarefa é
levada a cabo, a 7 de Janeiro de 1355, por três elementos da nobreza: Álvaro
Gonçalves, Diogo Lopes Pacheco e Pero Coelho. Aproveitando a ausência de D.
Pedro numa caçada, dirigem-se ao Paço de Santa Clara, em Coimbra, onde a bela
Inês se encontra «posta em sossego» e matam-na. Camões imortaliza, n'Os
Lusíadas, os amores de Inês e D. Pedro,no canto III, estâncias 118 a 135.
Poet’anarquista
EPISÓDIO HISTÓRICO
Inês de Castro é um episódio lírico-amoroso que
simboliza a força e a veemência do amor em Portugal. O episódio ocupa as
estâncias 118 a 135 do Canto III de Os Lusíadas e relata o
assassinato de Inês de Castro, em 1355, pelos ministros do rei D. Afonso IV de
Borgonha, pai de D. Pedro, seu amante. É narrado, em sua maior parte, por Vasco
da Gama, que conta a história de Portugal ao rei de Melinde. Considerado um dos
mais belos momentos do poema, é a um só tempo um episódio histórico e lírico:
por trás da voz do narrador, e da própria Inês, percebe-se a voz e a expressão
pessoal do poeta. Camões, através da fala de Vasco da Gama, destaca do episódio
sua carga romântica e dramática, deixando em segundo plano as questões
políticas que o marcam.
Fernão Lopes, Garcia de Resende e Antônio Ferreira já haviam explorado, em
prosa, em verso e no teatro, respectivamente, a figura histórica de Inês Pires
de Castro:
Dom Pedro, Príncipe de Portugal, filho do Rei Afonso IV, era casado com D.
Constança, mas se apaixonara por Inês de Castro, dama de companhia de D.
Constança e filha ilegítima de um nobre português.
Com a morte de D. Constança, Inês foi morar em Coimbra às margens do Rio Mondego
e D. Pedro, futuro Rei de Portugal, viúvo, queria selar seu amor com Inês
fazendo dela sua rainha.
O Rei Afonso IV temendo pela sucessão do trono que seria seu neto, filho de
Constança e pela influência dos nobres que temiam uma influência castelhana,
tenta resgatar o filho e conduzi-lo a um casamento que obedecesse não aos
caprichos de cupido, mas às conveniências políticas de Portugal. Para isso,
vendo como única saída, o Rei manda vir Inês para que seja executada.
Os terríveis verdugos trouxeram Inês e seus filhos perante o Rei. Depois de
ouvir a sentença, Inês ergueu os olhos aos céus e disse:
«Até mesmo as feras, cruéis de nascença, e as aves de rapina já
demonstraram piedade com as crianças pequenas. O senhor, que tem o rosto e o
coração humanos, deveria ao menos compadecer-se destas criancinhas, seus netos,
já que não se comove com a morte de uma mulher fraca e sem força, condenada
somente por ter entregue o coração a quem soube conquistá-lo. E se o senhor
sabe espalhar a morte com fogo e ferro, vencendo a resistência dos mouros, deve
saber também dar a vida, com clemência, a quem nenhum crime cometeu para
perdê-la. Mas se devo ser punida, mesmo inocente, mande-me para o exílio
perpétuo e mísero na gelada Cítia ou na ardente Líbia onde eu viva eternamente
em lágrimas. Ponha--me entre os leões e tigres, onde só exista crueldade. E
verei se neles posso achar a piedade que não achei entre corações humanos. E
lá, com o amor e o pensamento naquele por quem fui condenada a morrer, criarei
os seus filhos, que o senhor acaba de ver, e que serão o consolo de sua triste
mãe.»
Comovido com essas palavras, o Rei já pensava em absolver Inês, quando os
verdugos, que defendiam a execução, sacaram de suas espadas e degolaram Inês.
Isso aconteceu em 1355 e diz a lenda que D. Pedro, inconformado, mandou vestir
a noiva com roupas nupciais, sentou o cadáver no trono e fez os nobres lhe
beijarem a mão, daí falar-se que «a infeliz foi rainha depois de
morta».
Na verdade, D. Pedro manda transladar o corpo de Inês do mosteiro com pompas de
rainha para o mosteiro de Alcobaça em 1361, quando já era rei. Portanto, seis
anos após o assassinato.
Ao subir ao trono D. Pedro conseguiu que outro Pedro, o Cruel, rei de Castela,
lhe entregasse os homicidas, que para lá fugiram, pois os dois monarcas tinham
um pacto de devolver um ao outro os respectivos inimigos.
Para imortalizar seu amor por Inês, D. Pedro jurou em presença de sua corte que
se havia casado clandestinamente com ela, transformando-a, dessa maneira, em
rainha após a morte.
Fonte: www.passeiweb.com/
Coroação de D. Inês de Castro
Rainha depois de Morta
Episódio de Dona Inês de Castro
(Os Lusíadas, Canto III, 118 a 135)
Passada esta tão próspera vitória,
Tornado Afonso à Lusitana Terra,
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste e dino da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que despois de ser morta foi Rainha.
Tu, só tu, puro amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.
Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
Aos montes insinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.
Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus fernosos se apartavam;
De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam;
E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria.
De outras belas senhoras e Princesas
Os desejados tálamos enjeita,
Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,
Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas,
O velho pai sesudo, que respeita
O murmurar do povo e a fantasia
Do filho, que casar-se não queria,
Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso,
Crendo co sangue só da morte ladina
Matar do firme amor o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor Mauro, fosse alevantada
Contra hûa fraca dama delicada?
Traziam-na os horríficos algozes
Ante o Rei, já movido a piedade;
Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua o persuade.
Ela, com tristes e piedosas vozes,
Saídas só da mágoa e saudade
Do seu Príncipe e filhos, que deixava,
Que mais que a própria morte a magoava,
Pera o céu cristalino alevantando,
Com lágrimas, os olhos piedosos
(Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos);
E despois, nos mininos atentando,
Que tão queridos tinha e tão mimosos,
Cuja orfindade como mãe temia,
Pera o avô cruel assi dizia:
(Se já nas brutas feras, cuja mente
Natura fez cruel de nascimento,
E nas aves agrestes, que somente
Nas rapinas aéreas tem o intento,
Com pequenas crianças viu a gente
Terem tão piedoso sentimento
Como co a mãe de Nino já mostraram,
E cos irmãos que Roma edificaram:
Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
(Se de humano é matar hûa donzela,
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la),
A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela;
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha.
E se, vencendo a Maura resistência,
A morte sabes dar com fogo e ferro,
Sabe também dar vida, com clemência,
A quem peja perdê-la não fez erro.
Mas, se to assi merece esta inocência,
Põe-me em perpétuo e mísero desterro,
Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente,
Onde em lágrimas viva eternamente.
Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se neles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei.
Ali, co amor intrínseco e vontade
Naquele por quem mouro, criarei
Estas relíquias suas que aqui viste,
Que refrigério sejam da mãe triste.)
Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
Mas o pertinaz povo e seu destino
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
Contra hûa dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais e cavaleiros?
Qual contra a linda moça Polycena,
Consolação extrema da mãe velha,
Porque a sombra de Aquiles a condena,
Co ferro o duro Pirro se aparelha;
Mas ela, os olhos, com que o ar serena
(Bem como paciente e mansa ovelha),
Na mísera mãe postos, que endoudece,
Ao duro sacrifício se oferece:
Tais contra Inês os brutos matadores,
No colo de alabastro, que sustinha
As obras com que Amor matou de amores
Aquele que despois a fez Rainha,
As espadas banhando e as brancas flores,
Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, fervidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos.
Bem puderas, ó Sol, da vista destes,
Teus raios apartar aquele dia,
Como da seva mesa de Tiestes,
Quando os filhos por mão de Atreu comia !
Vós, ó côncavos vales, que pudestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Por muito grande espaço repetistes.
Assi como a bonina, que cortada
Antes do tempo foi, cândida e bela,
Sendo das mãos lacivas maltratada
Da minina que a trouxe na capela,
O cheiro traz perdido e a cor murchada:
Tal está, morta, a pálida donzela,
Secas do rosto as rosas e perdida
A branca e viva cor, co a doce vida.
As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água e o nome Amores.
Luís Vaz de Camões
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