O poeta, escritor e ficcionista português José Gomes Ferreira, nasceu no Porto a 9 de Junho de 1900, e a sua obra é considerada pelos críticos de grande proximidade com o neo-realismo. O seu livro «Poesia III», de 1961, recebeu o «Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Autores» e, em 1965, com o livro «A Memória das Palavras», recebeu o «Prémio da Casa de Imprensa». José Gomes Ferreira faleceu em Lisboa, a 8 de Fevereiro de 1985.
Poet’anarquista
SOBRE O POETA…
Escritor, poeta e ficcionista português, natural do Porto.
Formou-se em Direito em 1924, tendo sido cônsul na Noruega entre 1925 e 1929.
Após o seu regresso a Portugal, enveredou pela carreira jornalística. Foi
colaborador de vários jornais e revistas, tais como a Presença, a Seara Nova e
Gazeta Musical e de Todas as Artes. Esteve ligado ao grupo do Novo Cancioneiro,
sendo geral o reconhecimento das afinidades entre a sua obra e o neo-realismo.
José Gomes Ferreira foi um representante do artista social e
politicamente empenhado, nas suas reacções e revoltas face aos problemas e
injustiças do mundo. Mas a sua poética acusa influências tão variadas quanto a
do empenhamento neo-realista, o visionarismo surrealista ou o saudosismo, numa
dialética constante entre a irrealidade e a realidade, entre as suas tendências
individualistas e a necessidade de partilhar o sofrimento dos outros.
Da sua obra poética destacam-se, para além do volume de estreia,« Lírios do
Monte» (1918), «Poesia», «Poesia II» e «Poesia III» (1948, 1950 e 1961, respetivamente),
recebendo este último o Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de
Escritores. A sua obra poética foi reunida em 1977-1978, em «Poeta Militante».
O seu pendor jornalístico reflete-se nos volumes de crónicas
«O Mundo dos Outros» (1950) e «O Irreal Quotidiano» (1971). No campo da ficção
escreveu O Mundo Desabitado (1960), Aventuras de João Sem Medo (1963), Imitação
dos Dias (1966), Tempo Escandinavo (1969) e O Enigma da Árvore Enamorada
(1980).
O seu livro de reflexões e memórias, «A Memória das Palavras»
(1965), recebeu o Prémio da Casa da Imprensa. É ainda autor de ensaios sobre
literatura, tendo organizado, com Carlos de Oliveira, a antologia «Contos
Tradicionais Portugueses» (1958).
Em Junho de 2000, foi lançada no porto a coletânea «Recomeço
Límpido», que inclui versos e prosas de dezenas de autores em homenagem a José
Gomes Ferreira.
Fonte: Astormentas
DÁ-ME A TUA MÃO
Dá-me a tua mão.
Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
— para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.
Dá-me a tua mão, companheira,
até o Abismo da Ternura Derradeira.
Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
— para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.
Dá-me a tua mão, companheira,
até o Abismo da Ternura Derradeira.
José Gomes Ferreira
O NOSSO MUNDO É ESTE
O nosso mundo é este
Vil suado
Dos dedos dos homens
Sujos de morte.
Um mundo forrado
De pele de mãos
Com pedras roídas
das nossas sombras.
Um mundo lodoso
Do suor dos outros
E sangue nos ecos
Colado aos passos…
Um mundo tocado
Dos nossos olhos
A chorarem musgo
De lágrimas podres…
Um mundo de cárceres
Com grades de súplica
E o vento a soprar
Nos muros de gritos.
Um mundo de látegos
E vielas negras
Com braços de fome
A saírem das pedras…
O nosso mundo é este
Suado de morte
E não o das árvores
Floridas de música
A ignorarem
Que vão morrer.
E se soubessem, dariam flor?
Pois os homens sabem
E cantam e cantam
Com morte e suor.
O nosso mundo é este….
( Mas há-de ser outro.)
Vil suado
Dos dedos dos homens
Sujos de morte.
Um mundo forrado
De pele de mãos
Com pedras roídas
das nossas sombras.
Um mundo lodoso
Do suor dos outros
E sangue nos ecos
Colado aos passos…
Um mundo tocado
Dos nossos olhos
A chorarem musgo
De lágrimas podres…
Um mundo de cárceres
Com grades de súplica
E o vento a soprar
Nos muros de gritos.
Um mundo de látegos
E vielas negras
Com braços de fome
A saírem das pedras…
O nosso mundo é este
Suado de morte
E não o das árvores
Floridas de música
A ignorarem
Que vão morrer.
E se soubessem, dariam flor?
Pois os homens sabem
E cantam e cantam
Com morte e suor.
O nosso mundo é este….
( Mas há-de ser outro.)
José Gomes Ferreira
O GENERAL
("Depois de fortemente bombardeada,
a cidade X foi ocupada pelas nossas tropas.")
O general entrou na cidade
ao som de cornetas e tambores ...
Mas por que não há "vivas"
nem flores?
Onde está a multidão
para o aplaudir, em filas na rua?
E este silêncio
Caiu de alguma cidade da Lua?
Só mortos por toda a parte.
Mortos nas árvores e nas telhas,
nas pedras e nas grades,
nos muros e nos canos ...
Mortos a enfeitarem as varandas
de colchas sangrentas
com franjas de mãos ...
Mortos nas goteiras.
Mortos nas nuvens.
Mortos no Sol.
E prédios cobertos de mortos.
E o céu forrado de pele de mortos.
E o universo todo a desabar cadáveres.
Mortos, mortos, mortos, mortos ...
Eh! levantai-vos das sarjetas
e vinde aplaudir o general
que entrou agora mesmo na cidade,
ao som de tambores e de cornetas!
Levantai-vos!
É preciso continuar a fingir vida,
E, para multidão, para dar palmas,
até os mortos servem,
sem o peso das almas.
a cidade X foi ocupada pelas nossas tropas.")
O general entrou na cidade
ao som de cornetas e tambores ...
Mas por que não há "vivas"
nem flores?
Onde está a multidão
para o aplaudir, em filas na rua?
E este silêncio
Caiu de alguma cidade da Lua?
Só mortos por toda a parte.
Mortos nas árvores e nas telhas,
nas pedras e nas grades,
nos muros e nos canos ...
Mortos a enfeitarem as varandas
de colchas sangrentas
com franjas de mãos ...
Mortos nas goteiras.
Mortos nas nuvens.
Mortos no Sol.
E prédios cobertos de mortos.
E o céu forrado de pele de mortos.
E o universo todo a desabar cadáveres.
Mortos, mortos, mortos, mortos ...
Eh! levantai-vos das sarjetas
e vinde aplaudir o general
que entrou agora mesmo na cidade,
ao som de tambores e de cornetas!
Levantai-vos!
É preciso continuar a fingir vida,
E, para multidão, para dar palmas,
até os mortos servem,
sem o peso das almas.
José Gomes Ferreira
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