O poeta, contista e ficcionista português Mário de Sá
Carneiro, nasceu em Lisboa a 19 de Maio de 1890. Foi um dos grandes expoentes
do modernismo em Portugal e um dos mais importantes membros da Geração d’Orpheu.
Mário de Sá Carneiro suicidou-se em Paris, a 26 de Abril de 1916.
Poet’anarquista
Mário de Sá Carneiro
Poeta Português
SOBRE O POETA...
Escritor português, natural de Lisboa. A mãe morreu quando
Sá-Carneiro tinha apenas dois anos e, em 1894, o pai iniciou uma vida de
viagens, deixando o filho com os avós e uma ama na Quinta da Victória, em
Camarate. Em 1900, entrou no liceu do Carmo, começando, então, a escrever
poesia. Entretanto, o pai, de regresso dos Estados Unidos, levou-o a visitar
Paris, a Suíça e a Itália. Em 1905 redigiu e imprimiu O Chinó, jornal satírico
da vida escolar, que o pai o impediu de continuar, por considerar a publicação
demasiado satírica. Em 1907 participou, como actor, numa récita a favor das
vítimas do incêndio da Madalena, e no ano seguinte colaborou, com pequenos
contos, na revista Azulejos. Transferido, em 1909, para o Liceu Camões,
escreveu, em colaboração com Thomaz Cabreira Júnior (que viria a suicidar-se no
ano seguinte), a peça Amizade. Impressionado com a morte do amigo, dedicou-lhe
o poema A Um Suicida, 1911.
Matriculou-se na Faculdade de Direito de Coimbra em 1911,
mas não chegou sequer a concluir o ano. Iniciou, entretanto, a sua amizade com
Fernando Pessoa e seguiu para Paris, com o objectivo de estudar Direito na
Sorbonne. Na capital francesa dedicou-se sobretudo à vida de boémia dos cafés e
salas de espectáculo, onde conviveu com Santa-Rita Pintor e escreveu, de
parceria com António Ponce de Leão, em 1913, a peça Alma. Em 1914, publicou A
Confissão de Lúcio (novela) e Dispersão (poesia). No ano seguinte, durante uma
passagem por Lisboa, começou, conjuntamente com os seus amigos, em especial
Fernando Pessoa, a projectar a revista literária que se viria a publicar com o
nome de Orpheu. Nesse mesmo ano, o pai partiu para a então cidade de Lourenço
Marques e Sá-Carneiro voltou para Paris, regressando novamente a Portugal, com
passagem por Barcelona, após a declaração da guerra.
Depois de algum tempo passado na Quinta da Victória, voltou
a Lisboa, onde conviveu com outros literatos nos cafés, alguns dos quais membros
do grupo ligado à revista Orpheu, cujo primeiro número, saído em Abril de 1915
e imediatamente esgotado, provocou enorme escândalo no meio cultural português.
No final do mesmo mês, publicou Céu em Fogo. Em Julho desse ano saiu o Orpheu 2
e, pouco depois, Sá-Carneiro regressou a Paris, de onde escreveu a Fernando
Pessoa comunicando a decisão do pai de não subsidiar o número 3 da revista.
Agravaram-se, por esta altura, as crises sentimentais e financeiras do poeta
(já por várias vezes tinha escrito a Fernando Pessoa comunicando o seu
suicídio). Sá-Carneiro suicidou-se, com vários frascos de estricnina, a 26 de
Abril de 1916, num Hotel de Nice, suicídio esse descrito por José Araújo, que
Mário Sá-Carneiro chamara para testemunhar a sua morte. Deixou a Fernando
Pessoa a indicação de publicar a obra que dele houvesse, onde, quando e como
melhor lhe parecesse.
Como escritor, Mário de Sá-Carneiro demonstra, na fase
inicial da sua obra, influências do decadentismo e até do saudosismo, numa
estética do vago, do complexo e do metafísico. Aderiu posteriormente às
correntes de vanguarda do paúlismo, do sensacionismo e do interseccionismo,
apresentadas por Fernando Pessoa. O delírio e a confusão dos sentidos, marcas
da sua personalidade, sensível ao ponto da alucinação, com reflexos numa
imagística exuberante, definem a sua egolatria, uma procura de exprimir o
inconsciente e a dispersão do eu no mundo. Este narcisismo, frustrada a
satisfação das suas carências, levou-o a um sentimento de abandono e a uma
poesia auto-sarcástica, expressa em poemas como Serradura, Aqueloutro ou Fim,
revendo-se o poeta na imagem de um menino inútil e desajeitado, como em
Caranguejola. A sua crise de personalidade, que se traduziu no frenesim da
experiência sensorial e no desejo do extravagante, foi a da inadequação e da
solidão, da incapacidade de viver e de sentir o que desejava (veja-se o poema
Quase), que o levou a uma tentativa de dissolução do ser, consumada na morte.
Para além das obras já referidas, foi autor da colectânea de contos Princípio
(1912), de que se destaca O Incesto, e do volume póstumo Indícios de Ouro
(1937). As suas Cartas a Fernando Pessoa foram reunidas em dois volumes, em
1958 e 1959.
Fonte: www.astormentas.com/
QUASE
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minhalma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Listas de som avançam para mim a fustigar-me
Em luz.
Todo a vibrar, quero fugir... Onde acoitar-me?...
Os braços duma cruz
Anseiam-se-me, e eu fujo também ao luar...
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minhalma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Listas de som avançam para mim a fustigar-me
Em luz.
Todo a vibrar, quero fugir... Onde acoitar-me?...
Os braços duma cruz
Anseiam-se-me, e eu fujo também ao luar...
Mário de Sá Carneiro
ÚLTIMO SONETO
Que rosas fugitivas foste ali:
Requeriam-te os tapetes – e vieste...
– Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.
Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste –
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi...
Pensei que fosse o meu o teu cansaço –
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava...
E fugiste... Que importa ? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste
Onde a minha saudade a Cor se trava?...
Requeriam-te os tapetes – e vieste...
– Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.
Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste –
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi...
Pensei que fosse o meu o teu cansaço –
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava...
E fugiste... Que importa ? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste
Onde a minha saudade a Cor se trava?...
Mário de Sá Carneiro
FIM
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.
Mário de Sá Carneiro
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