Breve nota: a rubrica «Outros Contos» com publicação neste espaço de literatura, abrange um vasto leque de escritores conhecidos do grande público, mas igualmente escritores quase anónimos no que se refere a obra publicada. Em «Outros Contos» não se pretende fazer comparações, ou juízos de valor literário. Desde que se enquadre nos conteúdos desta página da internet, a escrita por aqui será sempre um espaço de liberdade aberto a todos. Um abraço!
Poet'anarquista
«Ilha do Sal»
Dois dos três morros existentes na ilha
25- «ILHA DO SAL»
Corriam os anos sessenta. Estava de regresso a Angola após a
conclusão do curso de direito tirado na Universidade de Lisboa. Os pais
esperavam-na na fazenda que possuíam na região de Malange e teria três meses
para decidir o que fazer da vida. Voltaria à Metrópole para continuar com o
namorado, um chato, que lhe fizera companhia nos últimos dois anos de
faculdade? Ou ficaria em Angola? Depois se veria. Agora queria era retomar a
vida na fazenda. Procurar os companheiros de infância e refazer as antigas
amizades. Já voava há cerca de três horas, quando a penumbra da cabina do avião foi interrompida
pelo acender das luzes e pela voz do comandante, anunciando que tinha sido
detectada uma pequena anomalia técnica e já que estavam na vertical da Ilha do
Sal, iriam descer e verificar a verdadeira dimensão dessa anomalia. O
comandante esperava que a demora fosse de pouca duração e depois seguiriam para
Luanda, onde chegariam com algum atraso.
Aterragem perfeita, para alívio de
todos, e de seguida a informação de que haveria nova comunicação dentro de uma
hora. De passagem pelo bar do aeroporto, colheu uma cerveja morna e foi bebê-la
para a varanda que se debruçava para a pista de estacionamento. Foi quando
ouviu uma voz que dizia: “ Não vamos sair daqui hoje. Estas avarias costumam
demorar quatro ou cinco dias a resolver. O normal é mandarem outro avião
recolher os passageiros e levá-los para o seu destino”. Olhou em volta para
confirmar se era a destinatária da voz, e como não viu mais ninguém, reparou no
homem que tinha falado. De estatura mediana, vestido com fato e gravata,
parecendo indiferente ao calor que se fazia sentir, reparou no rosto moreno em
que sobressaiam uns dentes muito brancos e perguntou: “Como sabe que vai ser
assim?” – E ele de novo: “Viajo nesta linha com muita frequência e já aconteceu
várias vezes” – “Ah, pois!” – disse ela sem saber o que devia dizer mais.
“Permita que me apresente. Jorge de Almeida Araújo” – tornou o homem,
perfilando-se cerimoniosamente na sua frente. Depois do aperto de mãos,
encaminharam-se juntos para a zona mais iluminada. Nessa altura estavam a ser
dadas mais informações e confirmava-se o que o homem dissera: No dia seguinte
viria outra aeronave de Lisboa que levaria os passageiros ao seu destino.
Entretanto, como não havia na ilha alojamento para todos, iriam ser alojadas,
primeiro, as famílias com crianças, e depois os mais idosos. Os restantes iriam
permanecer no aeroporto e aí aguardariam a chegada do novo avião. Foi nessa
altura que o homem que metera conversa com ela, voltou a falar: “Se quiser pode
ficar em casa de pessoas minhas amigas. Já lhes telefonei e devem estar a
chegar para me vir buscar.” – Ela, que estava muito cansada, pois os últimos
dias em Lisboa tinham sido de grande azáfama, aceitou sem pensar em mais nada.
Não lhe agradava passar, sabe-se lá quantas horas mais, sentada naquelas
cadeiras incómodas do aeroporto a beber cerveja morna.
«Em Direcção à Cidade de Santa Maria»
Por JPGalhardas
Assim, quando chegou o
enorme automóvel preto, com motorista fardado, entrou juntamente com o seu
amável companheiro de conversa, e seguiram em direcção à cidade de Santa Maria.
O motorista informou que os patrões estavam ausentes, estavam na cidade da
Praia, e que apenas regressariam num dos dias seguintes. Entretanto, ele já
providenciara um quarto para o menino Jorge, mas poderia aprontar outro, pois
não sabia que o menino vinha acompanhado. Ou não era necessário e um quarto
bastaria? Ela pensou não ter ouvido bem o que o motorista negro perguntava, e
ainda pensou ter ouvido pior quando ouviu a resposta do companheiro, que veio
depois de alguma hesitação: “Não te preocupes, havemos de nos desembaraçar.”
Ficou atónita. Nem teve forças para responder.
«Casarão Colonial»
Pintura Africana
Ao chegarem àquele enorme
casarão colonial, o motorista rapidamente desapareceu na escuridão da noite,
desejando um bom descanso. Sem bagagem, apenas com a mala de mão, não sabia o
que fazer, enquanto o companheiro lhe pegava pelo braço e a encaminhava para a
porta da casa, que se encontrava entreaberta. “Não tenha receio. O pior que
pode acontecer é não gostar da cama. Embora estes meus amigos sejam muito
hospitaleiros, também são muito conservadores. Ainda não aderiram aos novos
colchões de molas e mantêm as camas da casa com antigos colchões de penas. Que
não são maus, verá.”. Subiu a escadaria, deixando-se conduzir pela mão do
homem, não oferecendo a mínima resistência, até que ele a meteu num quarto cuja
porta dava para o corredor.
«Volúpia»
Milo Manara
Com ela sentada na cama, começou a despi-la muito
lentamente, peça por peça. Primeiro os sapatos, depois o vestido que comprara
propositadamente para a viagem. Estranhamente não se sentia incomodada, era
como se aquele homem sempre a tivesse despido. Sentia uma lassidão que lhe
tomava todos os membros do corpo, uma lassidão que lhe tolhia os movimentos,
deixando-se manobrar. O quarto estava numa semi-obscuridade pois a única luz
provinha do luar que entrava por duas enormes janelas abertas. O homem
despiu-se rapidamente, enquanto ela se deixava cair de costas sobre os lençóis
de seda, muito brancos e macios. Desapertando o cinto das ligas, foi a vez dele
lhe tirar as meias, uma a uma, verificando que ela não usava calcinhas. Os
pêlos púbicos, muito densos, cobriam a parte inferior do ventre e a parte
interior das coxas. E ali estava ela numa cama estranha, com um homem estranho
e, contra todas as formas de razão, estranhamente, sentindo-se à vontade.
«Encontros Amorosos»
Milo Manara
Foi
nesse momento que o seu corpo reagiu aos impulsos que o cérebro lhe enviava e
quis fugir. Tentou erguer-se e fugir, mas os sentidos já estavam de tal forma
despertos que não se moveu. Sentia o corpo do homem colado ao seu, um corpo que
sentia forte, que a prendia entre os braços, uma boca que a beijava, que a
sufocava. Foi quando começou a bater-lhe, e ele respondeu também com violência.
Abriu-lhe as coxas e meteu-se dentro dela com tal ímpeto que a deixou
paralisada. E só passados largos momentos começou a corresponder aos movimentos
do corpo dele, primeiro com lentidão e como que retraída , e depois já com
prazer, com luxúria. Foi uma loucura. Depois dessa primeira união, violenta,
que os fez transpirar, que os deixou exaustos, repetiram várias vezes a
batalha, agora num clima de maior calma, já procurando o jeito um do outro, e
sentindo que se entendiam na cama como talvez não se entendessem em mais coisa
nenhuma. Adormeceram abraçados, sem praticamente trocarem palavra, e acordaram
já o sol tinha nascido. Horas depois, sem terem trocado endereços ou telefones,
ele entrou na 1.ª classe do avião e ela entrou na classe turística.
Anos mais tarde, ambos fizeram parte de um dos primeiros governos de Angola.
Orson W. Calabrese
Finalmente, rumo a Angola
Boeing 747 da South African Airways (ou “Suid-Afrikaanse Lugdiens” em africâner, na pintura do lado direito da fuselagem) na Ilha do Sal, em algum momento da década de 1970.
Ao fundo, dois dos três únicos morros dessa ilha.
Nota: Primeiro de três episódios africanos passados em ilhas onde se falava a
língua portuguesa.
O conto a «Ilha do Sal», de Orson W. Calabrese, é o conto nº 25 desta primeira edição de «Outros Contos».
Poet'anarquista
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