Episódio Segundo – «Ilha de Luanda», por Orson W. Calabrese.
«Ilha de Luanda»
Anos Sessenta
26- «ILHA DE LUANDA»
Corriam os anos sessenta. O “Barracuda” era o último
restaurante da Ilha de Luanda. Ficava mesmo no fim da longa tira de asfalto que
percorria a ilha desde o “Náutico” até ao farol. Era o restaurante da moda.
Muito caro e reservado para uma clientela selecta, de brancos, de brancos
ricos. Assim, a entrada na sala de jantar daquele negro alto e jovem, de boa
aparência e vestido com requinte, deu nas vistas. Todos os clientes se voltaram
para ele. Era inusual a presença de um negro naqueles jantares prolongados, e
com música ao vivo, das gentes abastadas de Luanda.
«Restaurante Barracuda»
Ilha de Luanda
O apartheid não fazia
parte da vida oficial da Província, mas a sociedade do início dos anos sessenta
era muito discriminatória e o à vontade do homem até pareceu ofensivo a algumas
boas almas, a quem os acepipes da excelente cozinha do restaurante já não
caíram como era habitual.
O jovem, procurou entre os comensais que enchiam a sala, e
encontrando quem pretendia, caminhou ao seu encontro. Era uma mulher branca que
rondaria os trinta anos e que, ao vê-lo, se levantou e veio ao seu encontro.
«Jovem Negro e Mulher Branca»
JPGalhardas
E
foi ela o novo alvo dos olhares e atenções. Olhares e atenções a que ela,
visivelmente, não dava importância. Aliás, estava habituada a ser seguida por
olhares gulosos, olhares maliciosos, olhares que já a deixavam indiferente. Era
assim há muitos anos! Aceitava-os já com muita displicência, já com muita
descontracção. No entanto, e apesar do à vontade com que atravessou o espaço
que a separava do jovem negro, havia motivos mais que bastantes para ser olhada
com atenção: Vestia uma saia branca, rodada, acima dos joelhos, e calçava umas
ténis, também brancas, que imprimiam um andar felino às suas pernas nuas, muito
morenas e ginasticadas. Ao andar, com o balanço da saia, ficavam à vista parte
das longas coxas. Acima da cintura usava um top, estilo tomara que caia, branco
também, realçando o moreno da pele, e que apenas lhe cobria os seios que levava
soltos, sem soutien. No meio da barriga, lisa e musculosa, brilhava um umbigo
recheado com uma pequena esmeralda que, no entanto e apesar de falsa, faiscava
raios verdes em todas as direcções. Mas havia mais: Levava o olho direito
escondido por uma pala tapa-olho, que ela tinha presa por um elástico que se
perdia debaixo dos cabelos, muito negros, que usava soltos.
«Entregando os Passaportes Falsos»
JPGalhardas
Mas esta era apenas a parte visível. Que diriam os restantes
frequentadores do restaurante, se soubessem que ela, durante o jantar, passara
ao jovem negro, vestido a preceito, meia dúzia de passaportes falsos que iriam
possibilitar a fuga de outros tantos companheiros que estavam a ser vigiados
pela polícia política? Quem iria desconfiar daquela beleza morena e de aspecto
snob? Quem era aquela mulher?
Orson W. Calabrese
Nota: Segundo de três episódios africanos passados em ilhas
onde se falava a língua portuguesa.
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