sexta-feira, 22 de novembro de 2013

OUTROS CONTOS

Episódio Segundo – «Ilha de Luanda», por Orson W. Calabrese.

«Ilha de Luanda»
Anos Sessenta

26- «ILHA DE LUANDA»

Corriam os anos sessenta. O “Barracuda” era o último restaurante da Ilha de Luanda. Ficava mesmo no fim da longa tira de asfalto que percorria a ilha desde o “Náutico” até ao farol. Era o restaurante da moda. Muito caro e reservado para uma clientela selecta, de brancos, de brancos ricos. Assim, a entrada na sala de jantar daquele negro alto e jovem, de boa aparência e vestido com requinte, deu nas vistas. Todos os clientes se voltaram para ele. Era inusual a presença de um negro naqueles jantares prolongados, e com música ao vivo, das gentes abastadas de Luanda.

«Restaurante Barracuda»
Ilha de Luanda

O apartheid não fazia parte da vida oficial da Província, mas a sociedade do início dos anos sessenta era muito discriminatória e o à vontade do homem até pareceu ofensivo a algumas boas almas, a quem os acepipes da excelente cozinha do restaurante já não caíram como era habitual.

O jovem, procurou entre os comensais que enchiam a sala, e encontrando quem pretendia, caminhou ao seu encontro. Era uma mulher branca que rondaria os trinta anos e que, ao vê-lo, se levantou e veio ao seu encontro. 

«Jovem Negro e Mulher Branca»
JPGalhardas

E foi ela o novo alvo dos olhares e atenções. Olhares e atenções a que ela, visivelmente, não dava importância. Aliás, estava habituada a ser seguida por olhares gulosos, olhares maliciosos, olhares que já a deixavam indiferente. Era assim há muitos anos! Aceitava-os já com muita displicência, já com muita descontracção. No entanto, e apesar do à vontade com que atravessou o espaço que a separava do jovem negro, havia motivos mais que bastantes para ser olhada com atenção: Vestia uma saia branca, rodada, acima dos joelhos, e calçava umas ténis, também brancas, que imprimiam um andar felino às suas pernas nuas, muito morenas e ginasticadas. Ao andar, com o balanço da saia, ficavam à vista parte das longas coxas. Acima da cintura usava um top, estilo tomara que caia, branco também, realçando o moreno da pele, e que apenas lhe cobria os seios que levava soltos, sem soutien. No meio da barriga, lisa e musculosa, brilhava um umbigo recheado com uma pequena esmeralda que, no entanto e apesar de falsa, faiscava raios verdes em todas as direcções. Mas havia mais: Levava o olho direito escondido por uma pala tapa-olho, que ela tinha presa por um elástico que se perdia debaixo dos cabelos, muito negros, que usava soltos.

«Entregando os Passaportes Falsos»
JPGalhardas

Mas esta era apenas a parte visível. Que diriam os restantes frequentadores do restaurante, se soubessem que ela, durante o jantar, passara ao jovem negro, vestido a preceito, meia dúzia de passaportes falsos que iriam possibilitar a fuga de outros tantos companheiros que estavam a ser vigiados pela polícia política? Quem iria desconfiar daquela beleza morena e de aspecto snob? Quem era aquela mulher?

Orson W. Calabrese

Nota: Segundo de três episódios africanos passados em ilhas onde se falava a língua portuguesa.

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