segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

OUTROS CONTOS

«Ponto de Vista», por Isaac Asimov.

«Ponto de Vista»
Escritor Russo Isaac Asimov

63- «PONTO DE VISTA»

Roger veio procurar o pai, em parte porque era domingo, e pelo direito seu pai não devia estar trabalhando. Roger queria ter certeza de que tudo estava bem.
Não era difícil encontrar o pai de Roger, porque todas as pessoas que trabalhavam com Multivac, o computador gigante, viviam com suas famílias numa mesma área. Tinham construído uma pequena cidade, uma cidade de pessoas que resolviam todos os problemas do mundo.
A recepcionista de domingo conhecia Roger.
- Se vem atrás do seu pai – disse ela -, procure no Corredor L, mas talvez ele esteja ocupado demais para falar com você.
De qualquer modo, Roger ia tentar, enfiando a cabeça por uma das portas, onde ouvia um rumor de homens e mulheres. Os corredores estavam muito mais vazios que nos dias úteis, por isso foi fácil descobrir onde havia gente trabalhando.
Viu seu pai de imediato, e seu pai também o viu. O pai não parecia contente e Roger concluiu prontamente que nem tudo ia bem.
- Bem, Roger – disse o pai. – Estou ocupado, sinto muito.
O chefe do pai de Roger estava ali também.
- Vá lá, Atkins, respire um pouco. Você está nessa coisa há nove horas e não está mais nos ajudando em nada. Leve o garoto para um lanche na cantina. Tire uma soneca e depois volte.
O pai de Roger não parecia querer sair dali. Trazia um instrumento nas mãos, que Roger conhecia como analisador de padrão de corrente, embora não soubesse como funcionava. Roger podia ouvir o Multivac matraqueando e zumbindo por toda a parte.
Mas o pai de Roger acabou largando o analisador.
- OK. Vamos lá, Roger. Vou levá-lo a uma lanchonete e deixaremos estes sujeitos espertos descobrirem sozinhos o que anda errado.
Parou um pouco para se lavar e, pouco depois, os dois estavam na cantina diante de grandes hambúrgueres, batatas fritas e soda-limonada.
- O Multivac ainda está fora de ordem, papai? – Roger perguntou.
O pai falou de mau-humor:
- Não estamos conseguindo nada, é o que posso lhe dizer.
- Parece estar funcionando. Pelo menos, eu o estava ouvindo.
- Oh, em dúvida, está funcionando. Simplesmente, nem sempre dá as respostas corretas.
Roger tinha treze anos e estudava programação de computadores desde o quarto ano da escola de 1? grau. Às vezes, odiava a matéria e queria ter vivido no século XX, quando os garotos não costumavam estudar isso. Mas o que aprendia, às vezes o ajudava nas conversas com o pai.
- Como o senhor pode dizer que ele nem sempre dá as respostas certas, se somente o Multivac conhece as respostas? – perguntou Roger.
O pai sacudiu os ombros e, por um minuto, Roger receou que ele se limitasse a dizer que era difícil demais para explicar, e que mudasse de assunto. Mas ele quase nunca fazia isso.
- Filho – disse o pai -, o Multivac pode ter um cérebro do tamanho de uma grande fábrica, mas ainda não tão complicado quanto o cérebro que temos aqui – e deu uns tapinhas na cabeça do garoto. – Às vezes, o Multivac nos dá uma resposta que nem em mil anos conseguiríamos calcular sozinhos, mas diante de alguns resultados alguma coisa estala em nossos cérebros e dizemos “Opa! Aqui tem alguma coisa errada!”. Então, perguntamos outra vez ao Multivac e obtemos uma resposta diferente. Se o Multivac estivesse certo, obteríamos sempre a mesma resposta para a mesma pergunta. Quando recebemos respostas diferentes, uma delas está errada.
- E o problema, filho – continuou o pai -, é saber quando o Multivac erra! Como podemos ter certeza de que não deixamos passar algumas respostas erradas? Podemos confiar numa determinada resposta e fazer alguma coisa que se mostre desastrosa daqui a cinco anos. Há algo errado dentro do Multivac e não conseguimos descobrir o que é. E seja lá o que for que esteja errado, está ficando pior.
- Por que estaria ficando pior? – Roger perguntou.
O pai tinha acabado o hambúrguer e comia as batatas fritas, uma a uma.
- Minha impressão, filho – disse pensativamente -, é que demos ao Multivac a inteligência errada.
- Ahn?
- Veja você, Roger. Se o Multivac fosse tão inteligente quanto um homem, poderíamos conversar com ele e descobrir o que há de errado, não importa o quanto a coisa fosse complicada. E se fosse tão burro quanto uma máquina, funcionaria mal de uma maneira simples, que poderíamos facilmente perceber. O problema é que o Multivac é semi-inteligente, assim como um idiota. É suficientemente inteligente para funcionar mal de uma maneira muito complicada, mas não é suficientemente inteligente para ajudar-nos a descobrir o que funciona mal. E isso é uma inteligência errada.
O pai parecia muito aborrecido.
- Mas o que podemos fazer? – continuou. – Não sabemos como torná-lo mais inteligente… ainda não. E não nos arriscaríamos a construí-lo como uma máquina de funcionamento simples, porque os problemas do mundo se tornaram tão sérios e as perguntas que fazemos são tão complicadas que precisamos de toda a inteligência do Multivac para respondê-las. Seria um desastre se o tivéssemos feito ainda mais idiota.
- Se vocês calassem o Multivac – disse Roger – e o examinassem minuciosamente?…
- Não podemos fazer isso, filho – disse o pai. – Acho que o Multivac tem de ser mantido em operação a cada minuto do dia ou da noite. Temos um grande número de problemas.
- Mas se o Multivac continuar cometendo erros, papai? Vocês não serão obrigados a calá-lo? Se não podem confiar no que ele diz…
O pai de Roger alisou os cabelos do filho.
- Bem, nós vamos conseguir descobrir o que anda errado, meu guri, não se preocupe – disse, mas seus olhos pareciam preocupados do mesmo jeito.
- Vamos lá! Vamos acabar de comer e sair daqui – disse ele.
- Mas, papai – disse Roger -, escute!… Se o Multivac é semi-inteligente, isso significa que ele é um idiota?
- Se você soubesse o trabalho que temos para dar-lhe orientações, filho, não me perguntaria isso.
- Mesmo assim, papai, talvez não seja essa a maneira correta de ver as coisas. Eu não sou tão inteligente quanto você. Mas eu não sou um idiota. Talvez o Multivac não seja como um idiota, talvez ele seja como um garoto.
O pai de Roger deu uma risada.
- Esse é um ponto de vista interessante, mas que diferença faz?
- Pode fazer muita diferença – disse Roger. – Você não é um idiota, por isso não sabe como a mente de um idiota funciona, mas eu sou um garoto, e talvez saiba como a mente de um garoto funciona.
- É!? E como a mente de um garoto funciona?
- Bom, o senhor diz que tem de manter o Multivac ocupado dia e noite. Uma máquina pode aguentar isso. Mas se o senhor mandasse um guri ficar horas e horas fazendo um dever de casa, ele ficaria tão cansado e se sentindo tão mal que começaria a errar, talvez até de propósito. Então, por que não deixar o Multivac passar uma ou duas horas por dia sem ter de resolver nenhum problema? Deixá-lo matraquear e zumbir sozinho, do modo que quiser.
O pai de Roger parecia estar pensando muito. Tirou o mini-computador do bolso e testou algumas combinações. Depois falou:
- Sabe de uma coisa, Roger, se eu pegar o que você está dizendo e transformar em integrais de Platt, acho que faz um certo sentido. E podemos ter certeza que é preferível trinta e duas horas do que trinta e quatro saindo tudo errado.
O pai sacudiu a cabeça, desviou os olhos do minicomputador e, como se Roger fosse o perito, perguntou:
- Você tem certeza, filho?
Roger tinha certeza.
- Papai – disse ele -, um guri também precisa brincar.

Isaac Asimov

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