«O Brinquedo do Pobre»
Conto de Charles Baudelaire
67- «O BRINQUEDO DO POBRE»
Quero dar a ideia de uma distração inocente.
Há poucas diversões que o sejam!
Há poucas diversões que o sejam!
Quando sair de manhã com a intenção de vagar pelas estradas,
enche o bolso de pequeninas invenções baratas – como o polichinelo simples de
uma corda só, os ferreiros que malham a bigorna, o cavaleiro e o cavalo de
cauda em forma de apito – e pelos cabarés em baixo das árvores presta com elas
homenagem às crianças pobres e desconhecidas que encontrar. Verás aumentarem
desmesuradamente os seus olhos.
Primeiro, elas não ousarão tocar em nada, não acreditarão na
sua felicidade. Depois, suas mãos agarrarão com vivacidade o presente e elas
fugirão como os gatos que, tendo aprendido a desconfiar do homem, vão comer
longe o bocado que ganharam.
Numa estrada, por trás das grades de um enorme jardim, no
fundo do qual aparecia a brancura de um lindo castelo batido pelo sol, havia
uma criança terna e bela, vestida com essas roupas do campo tão cheias de
coqueteria.
O luxo, a indolência e o espetáculo habitual da riqueza
tornam essas crianças tão bonitas que parecem feitas de outra massa que não a
dos filhos da mediocridade ou da pobreza.
Ao lado dela, sobre a grama, um brinquedo esplêndido, tão viçoso quanto o dono,
envernizado, dourado, vestido de púrpura, recoberto de plumas e vidrinhos. Mas
a criança não ligava para seu brinquedo predileto, antes olhava isto:
Do outro lado da grade, na estrada, entre os cardos e
urtigas, estava uma outra criança, suja, mirrada, fuliginosa, um desses párias
de fedelhos em que o olho imparcial, se o desbastasse da repugnante pátina da
miséria, como o olho do conhecedor adivinha uma pintura ideal por debaixo do
verniz de sejeiro, descobriria a beleza.
Através dessas grades simbólicas entre dois mundos, a
estrada e o castelo, a criança pobre mostrava à rica o seu brinquedo, que a
segundo examinava avidamente, como um objeto raro e desconhecido. Ora, esse
brinquedo agastado pelo sujinho, que o sacudia e balançava numa caixa gradeada
era um rato vivo! Os pais, certamente por economia, haviam extraído o brinquedo
da própria vida.
E as duas crianças riam fraternalmente uma para a outra,
com dentes de brancura igual.
com dentes de brancura igual.
Charles Baudelaire
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