«Carmen Pazadiñas»
Francisca Galhardas
«Carmen Pazadiñas»
Quando em 1936, poucos meses depois do início da guerra
civil espanhola, a Carmen chegou ao Monte dos Safoeiros, nos arredores de S.
Romão, em companhia do pai, poucos pensaram que escaparia com vida, tal era o
seu estado de saúde. Vinham fugidos da violência que a guerra tinha gerado em
Villanueva del Fresno, o seu pueblo de origem, junto à fronteira portuguesa.
Com apenas seis anos de idade, muito debilitada, com febres altíssimas, teria
certamente morrido, se a lavradora, dona do monte, não se tivesse empenhado em
lutar com todos os cuidados possíveis para a salvar. E o milagre deu-se. Os
esforços da lavradora tiveram êxito. Dessa época ficou uma adoração sem limites
por parte da Carmen por aquela mulher, a quem sempre chamou mãe. O pai, abegão
de sua arte, um excelente artista, trabalhou sempre no monte, sempre
clandestino, sem documentos portugueses ou espanhóis, morrendo alguns anos
depois, altura em que a Carmen foi perfilhada pelos donos da herdade,
adquirindo assim a nacionalidade portuguesa. É assim que a encontramos no
colégio da Vila, fazendo parte do “Quarteto dos Agostinhos”. De corpo delgado,
rosto moreno, bonita, com uns olhos negros, muito vivos, e cabelos castanhos
que lhe desciam até à cintura. Muito namoradeira, chegou a ter famas que não
merecia. Famas para as quais, aliás, ela se estava nas tintas, mas que afligiam
muito os pais adoptivos. Estes, que não tinham outros filhos, dedicaram-se de
corpo e alma a esta filha que lhes tinha aparecido numa noite de tempestade,
embrulhada num cobertor e quase sem vida. Rivalizava com a Chibía nas ideias
mais disparatadas. Foi dela, por exemplo, a ideia do quarteto formar um grupo
de danças espanholas.
«Quarteto das Sevilhanas»
Danças Espanholas
Esse grupo animou algumas festas de finalistas do
colégio, dançando sevilhanas e outras danças do país vizinho. Mais tarde,
depois de concluído o ensino secundário, ingressou no Conservatório Superior de
Música de Lisboa. Depois de passar, como solista de viola clássica, por várias
orquestras portuguesas e espanholas, acabou a carreira como professora de
música na sua terra natal. Morreu em Villanueva del Fresno, em meados da década
de noventa. Já ia no terceiro casamento e deixou três filhos, todos de pais
diferentes. Um deles, ainda hoje vive na Vila. Foi a terceira do quarteto a
desaparecer.
Houve uma precipitação nesta narrativa no que diz respeito à
vida da Carmen.
Embora interesse a forma como viveram e morreram as
integrantes do Quarteto dos Agostinhos, a intenção principal é dar a conhecer
como decorreram os tempos em que o quarteto existiu de facto.
E esses foram os anos de quarenta e cinquenta.
Voltando atrás na vida da Carmen, o seu grande drama ocorreu
em 1953. Os pais adoptivos morreram com apenas alguns meses de intervalo. Já
ela estava casada. E com o casamento a correr mal. Foi quando voltou a viver na
Vila. Juntamente com o filho, mas já sem o marido.
«Eveline Sambraz»
A Espera, por JPGalhardas
Do quarteto, por essa altura, a viver na Vila com caracter
permanente, apenas restava a narradora, Eveline Sambraz. Que a apoiou durante
esse duplo drama familiar: A morte dos pais e a separação.. Foram tempos muito
maus. A Eva, estava a meio da sua primeira prisão e a Chibía tinha regressado a
Angola, a título experimental, como dizia numa carta entretanto recebida. Foi
por essa época que o Rufino Casablanca entrou na vida da Carmen. Como já foi
referido nesta narrativa, o Rufino tinha sido objecto de uma paixoneta de todo
o quarteto. Todas estiveram apaixonadas por ele. Paixonetas de adolescência, é
verdade, mas o suficiente para introduzir alguns grãos de areia na amizade que
mantinham.
O Rufino, que já estava razoavelmente integrado no meio
musical lisboeta, depressa convenceu a Carmen para o acompanhar numa dessas
aventuras musicais em que sempre foi insistindo ao longo da vida.
E a Carmen, que também era de grandes entusiasmos, sobretudo
tratando-se de música, lá o seguiu, deixando o filho, com apenas dois anos de
idade, na companhia de uma das amigas do quarteto, a Eveline Sambraz. Mais
tarde, quando o projecto musical do Rufino e da Carmen deu em nada, quando se
separaram, desavindos, e ela partiu para Espanha, na companhia dum maestro com
quem entretanto tinha casado, foi a Eveline quem continuou a criar o filho que
a Carmen tinha deixado para trás. Difíceis de acompanhar, difíceis e dolorosos
estes acontecimentos, mas foram exactamente assim que se passaram.
Depois do
casamento com o maestro se ter desmoronado, ainda houve lugar para mais outro
enlace, ainda com um músico. Estas foram as relações oficiais, ficando de fora
os relacionamentos que não implicaram troca de alianças, sempre com gente
ligada à música. E para mais dois filhos. Estes, de nacionalidade espanhola. O
primeiro, de nacionalidade portuguesa, o que foi criado na Vila, e que ainda
hoje lá vive, sempre considerou a professora Eveline Sambraz como sua mãe.
E foram eles as duas únicas pessoas de nacionalidade
portuguesa a assistir aos funerais de Carmen Pazadiñas, em Villanueva del
Fresno, já a década de noventa ia adiantada.
«Quarteto dos Agostinhos»
Eva * Chíbia * Carmen * Eveline
«É esta a história do quarteto dos Agostinhos, relatada pela
única sobrevivente, Eveline Sambraz. Aqui fica este testemunho antes que a
“Bruma dos Caminhos” varra da lembrança todas estas memórias.»
EVELINE SAMBRAZ
Vila Viçosa
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