Publicam-se «Três Sonetos» do poeta alentejano António Sardinha. Pode por aqui- «POESIA
- ANTÓNIO SARDINHA», ficar a saber um pouco mais sobre vida e obra do autor nascido em Monforte, distrito de Portalegre, a 9 de Setembro de 1887. António Sardinha faleceu em Elvas, a 10 de Janeiro de 1925.
Poet'anarquista
«Deus»
JPGalhardas
DEUS NA PLANÍCIE
O espírito de Deus flutua e erra
por todo este côncavo profundo.
Assim errava Ele sobre a terra
quando pensou na criação do Mundo.
É noite. Aqui não há mar nem serra.
Há o infinito, o vago. E cá no fundo
minh'alma que se excede e que se aterra,
ó Hálito-Supremo em que eu me inundo!
Ó Hálito-Supremo!... É noite escura.
E o Criador no enlevo em que eu me alago
domina e empolga a Sua criatura.
Sucumbe em mim o bicho vil da terra
E como no Princípio sobre o vago
O Espírito de Deus flutua e erra.
António Sardinha
«A Persistência da Memória»
Salvador Dalí
MEMÓRIA
Meu coração de lusitano antigo
bateu às portas de Toledo, a estranha.
Mais roto e ensanguentado que um mendigo,
só a saudade a passos lhe acompanha.
Pois a saudade ali me deu abrigo.
ao pé do Tejo que a Toledo banha.
Levava os dias a falar comigo,
como um pastor com outro na montanha.
Em todo o mundo há terra portuguesa,
desde que a alma a tenha na lembrança
e a sirva sempre com fervor igual.
Talvez por isso, em horas de tristeza,
eu pude à sua amada semelhança
criar p'ra mim um novo Portugal!
António Sardinha
«Lareira»
PM2010
À PEDRA DA LAREIRA
O espírito da Casa se encarna,
em ti ganhou feições, tomou feitio.
Quem hoje, desprezada, o lume ampara,
por ela o lume ardeu, temente e pio.
A gente dalgum dia em ti criara
um deus familiar, sem atavio.
Eu me persino, ó minha Pedra-de-Ara,
e sobre ti o invoco e propicio!
De pais a filhos, num cortejo imenso,
altar doméstico, tu és a fala
dessa ascensão carnal d'aonde eu vim!
E assim à tua face, quando penso
que a vida que me deram hei-de dá-la,
sinto a Imortalidade dentro de mim!
António Sardinha
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