«A Matança»
Conto, por AC
125- «A MATANÇA»
«Vamos a eles patrão Manuel…, vamos a eles que já estão a
adivinhar para que é a banca».
António acabara de afiar as facas e o facalhão com que
traçaria o destino dos porcos, em direcção ao seu mundo peculiar na salgadeira
ou no fumeiro da casa.
Os condenados estavam mal encarados e de mau humor, pois
tinham pressentido, de véspera, o arrumar da banca e das cordas, da balança e dos
ganchos de pendura, dos utensílios de corte e de desmancho, dos alguidares,
enfim…, até do horrível tijolo vermelho que lhes seria metido nos interiores do
focinho, anulando uma mais que certa defesa do bácoro e abafando os seus
últimos grunhidos de desespero.
«Primeiro este que já se pôs a jeito da banca», sentenciou o
patrão.
O porco assustado por ver tanta gente à sua volta, com cara
de poucos amigos, tinha-se posto em guarda junto à mesa do sacrifício.
“Pensou o pobre porco: –o primeiro que se adiantar
leva com as burras numa perna…, que lha furo de lado a lado”.
Como é sabido, a luta entre homens e porcos sempre foi
desigual, com vantagem para os primeiros: uma questão de cérebro, de membros
superiores e de patas. Se bem que, nos interiores homens e porcos são tão
semelhantes que daí nasceu o aforismo popular «se queres ver o teu corpo abre
um porco».
E da curiosidade humana pelos porcos aconteceu o inevitável
gosto por comê-los, tudo o “malvado” ser humano degustou nos porcos…, até os
ossos!
Mais célere que o “pensamento” do porco, o António já lhe
tinha laçado o pescoço, depois as patas dianteiras, o que o fez tombar, e de
seguida as traseiras…, tudo tão rápido que o desgraçado porco foi içado para
cima da banca, fria como uma tumba, quase sem dar por isso.
Vendo-se manietado naquele cadafalso tenebroso, deu umas
grunhidelas valentes e uns safanões corajosos, na tentativa de se libertar. O
tijolo vermelho, com sabor ácido e amargo, foi-lhe metido pela boca adentro,
até às goelas, e depois bem atado e apertado o focinho, sua última arma
defensiva, prontamente posta fora de combate.
Um dos homens aproximou-se do porco com um enorme facalhão,
em direcção da barbela. É o carrasco, disso tem a certeza o infeliz suíno. E
sabe que, num tudo de nada, o céu deixará de ser azul para se pintar de escuro
negro como o breu.
O outro porco, vendo a tragédia à sua frente, quis pôr-se a
milhas, mas seguiu o mesmo caminho: chouriços, linguiças, toucinho, presuntos…,
mesmo as orelhas se comem como grande petisco.
É o destino dos porcos, de há milénios… por estas bandas.
AC
«A Morte do Porco...»
Em cima, da esquerda para a direita: Comadre Edviges, Tita,
Antónia Cardoso, Gai
Em baixo, da esquerda para a direita: Jico, António Tátá,
Cabé
Soneto, por Matias José
A MORTE DO PORCO...
Nas vésperas da matança do porco...
Sempre ansioso com a chegada desse dia,
Minha alma inquieta, eu feito um louco,
Pois não gostava quando o porco morria.
Aquele barulho forte que então ouvia
E que aos poucos se tornava mais rouco...
Deitado na cama, fingindo que dormia,
Desejava nesses instantes puder ser mouco.
Quando ouvia os sons familiares pelo jardim
Na azáfama habitual de qualquer matança,
Saía do meu quarto com toda a confiança...
A vida do porco tinha chegado ao seu fim.
Ainda hoje ouço esses guinchos aflitivos
Em sonhos, de quando eu era criança...
O grunhir dos porcos já sem esperança,
E no jardim, os sons familiares afectivos!
Matias José
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