«A Árvore»
Árvore Japonesa
133- «A ÁRVORE»
Era uma vez – em tempos muito antigos, no arquipélago do
Japão – uma árvore enorme que crescia numa ilha muito pequenina.
Os japoneses têm um grande amor e um grande respeito pela Natureza e tratam
todas as árvores, flores, arbustos e musgos com o maior cuidado e com um
constante carinho.
Assim, o povo dessa ilha sentia-se feliz e orgulhoso por possuir uma árvore tão
grande e tão bela: é que em nenhuma outra ilha do Japão, nem nas maiores,
existia outra árvore igual. Até os viajantes que por ali passavam diziam que
mesmo na Coreia e na China nunca tinham visto uma árvore tão alta, com a copa
tão frondosa e bem formada.
E, nas tardes de Verão, as pessoas vinham sentar-se debaixo da larga sombra e
admiravam a grossura rugosa e bela do tronco, maravilhavam-se com a leve
frescura da sombra, o suspirar da brisa entre as folhagens perfumadas.
Assim foi durante várias gerações.
Mas, com o passar do tempo, surgiu um problema terrível, e por mais que todos
meditassem e discutissem, ninguém era capaz de arranjar uma boa solução.
Porque, ao longo dos anos, a árvore tinha crescido tanto, os seus ramos
tinham-se tornado tão compridos, a sua folhagem tão espessa e a sua copa tão
larga que, durante o dia, metade da ilha ficava sempre à sombra.
De maneira que metade das casas, das ruas, das hortas e dos jardins nunca
apanhava sol.
E, na metade ensombrada, as casas estavam a ficar húmidas, as ruas tinham-se
tornado tristes, as hortas já não davam legumes, os jardins já não davam flor.
E a gente que ali morava andava sempre pálida e constipada.
E, à medida que a sombra da árvore crescia, crescia também a perturbação.
As pessoas gemiam:
— Que havemos de fazer? Que havemos de fazer?
* * *
Até que foi decidido a população reunir-se toda em conselho para examinar bem o
problema e decidir o remédio que devia dar-lhe.
Discutiram durante muitos dias e, depois de todos terem falado, chegou-se à
triste conclusão de que era preciso cortar a árvore.
Houve choros, lamentações, gemidos.
A árvore era bela, antiga e venerável. Fazê-la desaparecer era um acto que não
só entristecia os habitantes da ilha mas que também os assustava.
Mas não havia outro remédio e quase todos acabaram por concordar com o corte.
No lugar onde antes ela se erguia, plantaram um pequeno bosque de cerejeiras,
pois as cerejeiras nunca crescem muito.
* * *
Abater a árvore foi difícil e toda a gente teve de ajudar.
Mas, depois de cortada, ela ocupava tanto espaço que a ilha
ficou quase sem lugar para mais nada. Por isso começaram a desfazê-la: primeiro
cortaram os ramos e as pernadas e a sua madeira foi distribuída entre todos,
para que cada um pudesse fabricar alguma coisa que lhe lembrasse a árvore tão
amada.
Alguns fabricaram pequenas mesas, outros, varandas para as
suas casas, outros, caixilhos para os biombos, outros, caixas, tabuleiros,
tigelas, colheres, pentes e ganchos para as mulheres espetarem no cabelo. No
fim ficou só o enorme e grosso tronco nu, deitado através da ilha.
Então começaram a chegar viajantes e armadores que queriam
aquela óptima madeira para fabricar barcos.
Mas a população não quis. Reuniram todos outra vez em
conselho e decretaram:— Os habitantes desta ilha não querem separar-se da sua
árvore que, antes de crescer demais, lhes deu tanta alegria. Vamos nós próprios
construir o nosso barco. E assim foi. Depois da chuva do Outono, deixaram o
tronco secar durante longos meses e, logo que viram que a madeira já estava bem
seca, meteram mãos à obra. E, como são um povo muito inteligente, os japoneses,
que trabalham muito bem, muito depressa, com muito esmero e são óptimos
carpinteiros, construíram rapidamente uma grande e linda barca toda esculpida e
pintada de muitas cores. Então houve uma grande festa e a barca foi lançada ao
mar. À noite houve fogo de vista e em todas as ruas e praças se acenderam
balões de papel, azuis, amarelos e vermelhos.
* * *
Assim, durante muitos anos, a vida naquela ilha correu com
muita alegria e animação.
Mas apesar dessa alegria, apesar dos bons negócios e dos
grandes passeios, todos se lembravam com saudade da velha árvore.— Como era
alta e bela! — diziam.— Como a sua sombra era perfumada!— Como era doce e leve
o sussurrar da brisa nas suas folhas!— Como a sua copa era redonda e bem
formada!— Como as suas folhas eram verdes e bem desenhadas!— Como era tão suave
a frescura debaixo dos seus ramos, nas manhãs de Verão!E, assim, entre palavras
e pensamentos, a árvore nunca era esquecida.
* * *
* * *
E os anos foram passando. Até que os marinheiros e os calafates descobriram que
estava a acontecer uma grande desgraça: A madeira da quilha da grande barca
tinha começado a apodrecer.— Ai de nós! — choravam os habitantes. — Não vamos
dar mais passeios pelo mar. Nas noites de lua cheia, não vamos visitar mais as
outras ilhas, não vamos fazer mais negócios. Mas os comerciantes
sossegaram-nos.— Durante estes anos — disseram eles — graças à nossa grande
barca, andámos a navegar de ilha em ilha, de porto em porto, a comprar e a
vender, e fizemos negócios tão bons que juntamos muito dinheiro. Por isso, como
aqui não há outra árvore enorme, e as árvores que agora temos fazem muita falta
se forem cortadas, estamos dispostos a ir às outras ilhas comprar boa madeira.
E todos juntos podemos construir outra grande barca. A população aplaudiu o
discurso e concordou com o projecto e daí a poucos meses a barca nova ficou
pronta e logo a puseram a flutuar. Então, a barca velha foi arrastada para a
praia. O povo cercou-a em silêncio com grande tristeza, e os carpinteiros e os
calafates examinaram-na tábua por tábua. A madeira do casco, do convés e dos
bancos estava quase toda semi-apodrecida e só servia para queimar. Mas o mastro
grande, que tinha sido tirado do cerne da velha árvore, continuava são e bem
conservado.— Temos que fazer com este mastro alguma coisa que nos lembre a
nossa árvore antiga e a nossa barca — disse o chefe da ilha. Depois de muito
pensar resolveram fazer uma biwa, que é uma espécie de guitarra japonesa. Quando
a obra ficou pronta, a população reuniu-se na praça principal e sentaram-se em
silêncio em redor do melhor músico da ilha para ouvirem o som da biwa. Mas,
mal os dedos do músico fizeram soar as cordas, de dentro da biwa ergueu-se
uma voz que cantou:
A árvore antiga
Que cantou na brisa
Tornou-se cantiga
Então, todos compreenderam que a memória da árvore
nunca mais se perderia, nunca mais deixaria de os proteger,
porque os poemas passam de geração em geração e são fiéis ao seu povo.
nunca mais se perderia, nunca mais deixaria de os proteger,
porque os poemas passam de geração em geração e são fiéis ao seu povo.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Sem comentários:
Enviar um comentário