«O Caminho para a Verdade»
Conto de Eva Rechlin
151- «O CAMINHO PARA A VERDADE»
A chuva que caía há dias, parou finalmente nessa tarde. Um
suspiro de alívio percorreu a turma toda. Os rapazes sabiam agora que o jogo de
futebol, há tanto ansiosamente esperado, poderia ter lugar e já não seria
cancelado por causa do mau tempo.
— Bom, às três horas no campo de jogos, mas em ponto! — diz Matias para
Ricardo, ao irem juntos para casa no fim das aulas.
Ricardo abana a cabeça e murmura alguma coisa incompreensível de cada vez que
Matias dá pontapés nas pedras do caminho para ensaiar golos. Tenta acertar num
tronco, noutra pedra, ou até numa determinada folha de um ramo. Ricardo já não
suporta esta mania. É que Matias tem tudo menos boa pontaria.
As suas brincadeiras com as pedras já tinham causado aborrecimentos que
chegassem. Matias achava que era precisamente por isso que devia treinar mais.
Como se dar pontapés a pedras fosse de uma importância vital!
Ainda Ricardo não tinha acabado de pensar e já se ouvia o barulho de vidros
partidos: a última pedra de Matias tinha voado direitinho à janela da entrada
do Sr. Gilberto. Ricardo ficou a olhá-la petrificado.
— O melhor agora é fugir! — ouviu Matias sibilar. E, com um grande salto, o
autor da asneira desapareceu a correr pela rua abaixo.
Ricardo ainda estava a olhá-lo, confuso, quando sentiu que alguém o agarrava
pela gola e o puxava com força. À sua frente, furioso e ofegante, estava o
senhor Gilberto.
— Até que enfim que te apanhei, rapazinho! Espera lá, que te vou entregar já ao
teu pai, e vais ver o que te vai acontecer!
Às três horas em ponto, Matias apareceu no campo de jogos mas, por mais que
procurasse Ricardo, não o encontrou.
“Afinal sempre o apanharam”, pensou Matias “e, ou assumiu ele a culpa, ou não o
deixaram falar. Já é costume. O pai dele, às vezes, é muito severo.”
Matias ficou de pé, na tribuna, a olhar para o campo vazio, em baixo.
Combinavam quase sempre encontrar-se uma hora antes, para arranjarem um bom
lugar. Mas, de um momento para o outro, Matias perdeu o entusiasmo pelo jogo.
Pensava no vidro da janela, em Ricardo, e a má consciência atormentava-o.
Devagar e de cabeça baixa, abandonou o campo e encaminhou-se, hesitante, para a
casa dos pais de Ricardo.
Foi o pai em pessoa que lhe abriu a porta. Irado como estava, nem sequer deixou
Matias falar, dizendo-lhe asperamente:
— É inútil, rapaz! O Ricardo está fechado no quarto, de castigo a fazer os
trabalhos de casa… Ele que te conte tudo na segunda-feira, na escola. Já só
faltam dois dias e meio — e voltou para
dentro, fechando a porta com força.
Matias voltou a tocar à campainha insistentemente e, desesperado, acabou por
bater à porta com os punhos. Não podia aceitar uma injustiça daquelas. Mas nada
se mexeu dentro de casa.
Os pensamentos atropelavam-se-lhe na cabeça.
“Muito bem”, pensava ele, “então vou contar-lhe a verdade pelo telefone. E se
ele também não me deixa falar pelo telefone?”
De repente, Matias tem uma ideia e volta a correr para casa. A mãe ainda não
tinha regressado do trabalho. Procurou papel de carta e um envelope, escreveu a
toda a pressa umas linhas no papel e levou a carta à estação dos correios mais
próxima. Mostrou ao empregado o dinheiro que lhe sobrava da semanada e
perguntou:
— Chega para mandar uma carta por correio-expresso para a cidade?
— Chega e sobra, rapaz.
— E a carta é entregue agora mesmo?
O empregado olhou-o sorrindo e respondeu:
— Há fogo? Não tenhas medo, que estás com sorte. A carta pode chegar ao destino
em meia-hora. Ex-cepcio-nal-mente!
Matias entregou a carta, feliz.
Uma meia hora mais tarde, o pai de Ricardo abria uma carta, entregue por um
estafeta motorizado. E, admirado, leu:
Caro Sr. Pinto,
Venho, por este meio, provar-lhe que a verdade afinal consegue entrar em sua
casa. Fui eu que parti o vidro da janela e vou pagá-lo com a minha próxima
semanada.
Espero pela resposta em frente à sua casa.
Com os meus cumprimentos
Matias
A resposta que o pai de Ricardo mandou a Matias pesava quase 40 kg e vinha a
rir-se. O pai tinha mandado o Ricardo. Assim que viu o amigo sentado à espera
na soleira da porta, disse:
— Matias, tu és o maior maluco do mundo! O que tu fizeste… bem, nunca hei-de
esquecer.
— Ora — resmungou Matias — não fales tanto, se não ainda perdemos também a
segunda parte do jogo.
Eva Rechlin
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