«O Menino dos Pés Frios»
O Jovem Mendigo, por Murillo
157- «O MENINO DOS PÉS FRIOS»
E a mulher entendeu que não adiantava chorar ao canto da
casa. E o seu vestido era uma bandeira. E o seu coração uma flor. Com o menino
a seu lado.
Era uma vez uma casa. Muito grande. Com um tecto altíssimo,
nem sempre azul. Uma casa enorme onde habitava uma grande família: uma família
tão grande que, por vezes, não julgavam os seus membros que se conheciam. E se
deviam amar.
Houve um menino que entrou nesta casa estava ela toda
branca. No chão tapetes de neve, cristais de água de uma brancura que
estremecia. E as próprias árvores escorriam essa brancura. E frio. Iluminava-a
uma estrela tão brilhante que, sobre o tecto, parecia que poisava sobre as nossas
mãos.
Ora um dia, em que fazia anos em que esse menino entrara
nessa casa, outro menino por ela andava com frio. Pelo chão, pelos milhões de
cristais, caminhavam os seus pezitos enregelados. Tanto frio que nem podia
olhar a estrela brilhante. Nem os milhões de cristais que pisava.
Uma mulher chorava a um canto dessa casa. E era triste essa
mulher. Estava triste e cansada. Na casa nem tudo era belo. Ali estava aquele
menino cheio de frio. E, como ele, tantos meninos.
E, já há quase dois mil anos, um menino entrara na asa, que
ficou mais clara com a luz brilhante do tecto. O menino entrou só para dizer
uma palavra pequenina: AMOR.
Então essa mulher perguntou ao menino dos pés frios:
– Tu não tens a tua casa?
O menino olhou a mulher triste e ficou triste. Ambos estavam
tristes. E disse quase envergonhado que não.
– Tu não tens roupa? Sapatos? Um lume? Pão?
A cabeça (tão linda!) do menino ia abanando sempre a dizer
não. A mulher triste começou a ter vergonha. Então ela consentia que na sua
casa, na casa de todos, de tecto nem sempre azul, houvesse um menino sem roupa,
sem lume, sem pão? Ela consentia uma coisa assim? E os outros também?
Escorregaram-lhe pela face já enrugada duas lágrimas
transparentes. De água. Água como a que tombava do tecto, como a que se estendia
nos mares.
E perguntou mais ao menino:
– E para onde vais? Eu dou-te qualquer coisa para o caminho…
O menino olhou para ela admirado. Não lhe disse para onde
ia. Observou-lhe apenas:
– Tens duas gotas de água nos teus olhos que reflectem o céu
azul e a lâmpada do tecto. Não sentes?
A mulher deixou cair pelo rosto enrugado as duas lágrimas. A
pele, então, ficou-lhe mais lisa. E ela tornou-se menos curva. Ergueu-se.
Estendeu, sorrindo, os dois braços ao menino. E disse:
– Fica. Perdoa.
E o menino ficou. Nos seus braços. Encostado ao seu peito.
Com os pés aquecidos sobre o campo de neve.
Matilde Rosa Araújo
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