«O Homem que Viajou Sozinho»
Conto de Virgil Gheorghiu
184- «O HOMEM QUE VIAJOU SOZINHO»
«Quando Grigore avistou o comboio na estação deixou que os
cavalos descessem mais depressa. Sabia que o único comboio que chegava de manhã
não partia senão ao, meio-dia, e que tinham ainda tempo»
«(…) Mas era o feitio de Traian, deixar-se ficar quieto na
varanda, com os livros. Até à idade de vinte anos, até agora, fora essa a
sua maior felicidade. O seu sonho secreto era vir a ser um padre de aldeia,
como era o pai e como tinham sido todos os seus antepassados, naquela região da
Moldávia do Norte, junto aos Cárpatos. Mas a vida tornara-se difícil. Naquela
região toda a terra era estéril. Os homens eram pobres, o clima duro. Traian
tivera de escolher outra carreira. Decidira então matricular-se na Faculdade,
em Bucareste, para ser professor. Tinha de ganhar a vida enquanto estudasse. O
pai era muito pobre para o ajudar; tinha que pagar os estudos aos quatro filhos
mais novos com o pouco que tinha. No entanto, Traian partiu para a Universidade
cheio de grandes esperanças. Ainda no liceu, publicara dois volumes de poesia: A
Vida Quotidiana do Poeta e Esboços. Colaborara em todas as revistas
literárias da capital. Graças a ser já conhecido como um dos escritores novos,
esperava arranjar um lugar de redactor num jornal de Bucareste e ganhar"
dinheiro suficiente para viver durante o curso e pagar as matrículas. Tinha já
mesmo algumas promessas. Deixava Isvor cheio de confiança. De repente
lembrou-se das lágrimas da mãe. Voltou-se para Grigore, que guiava os -cavalos,
e quis-lhe perguntar: …porque é que a mãe chorava como se eu fosse para o fim
do mundo? Mas Grigore, que estava ao serviço do padre há mais de vinte
anos, mergulhara nos seus pensamentos. Fitava, absorto, a estrada que se
estendia diante deles. Traian não quis perturbar-lhe a meditação. Não lhe
perguntou nada. Fitou também a estrada, como Grigore. A carruagem avançava ao
trote dos cavalos na estrada que atravessava a aldeia. A estrada e os pátios
estravam desertos. Nem vivalma. Como a terra era pobre, os habitantes de
Isvor iam ganhar o dia a centenas de quilómetros dali. Agora tinham ido
vindimar para a Moldávia do Sul com as mulheres, os filhos e as carroças.
Ninguém ficava em Isvor, a não ser os velhos e os doentes. O carro do padre
avançava na estrada deserta. Diante deles, à direita, ficava a última casa de
Isvor. Era a casa do professor. Igualzinha à do padre: paredes brancas, telhado
de varedo, varanda de madeira, flores à janela e, diante da porta, um poço com
uma roda.
Diante do poço estava a filha única do professor, com uma
saia azul como as flores que se chamam não-me-deixes. Traian despedira-se
na véspera; Maria, no entanto, queria tornar a vê-lo ainda antes da partida.
Por isso veio ao encontro dele, para junto do poço, quando ouviu ao longe o
ruído do carro. Maria andava no liceu de Kichinev, que Traian frequentara
durante oito anos. Também ela, dali a um ano, sairia do liceu. Às vezes, ao
domingo, encontravam-se em Kichinev. Traian dedicara-lhe alguns versos, e Maria
sentira-se toda orgulhosa por ser a musa de um poeta. Hei-de te mandar a
direcção do Lar para onde vou ficar em Bucareste, logo que lá chegue, disse
Traian no momento em que o carro chegava à porta do professor. Os cavalos iam
agora a passo. Traian disse: Saúda por mim Kichinev e toda a Bessarábia,
Maria! Parto amanhã de manhã às sete horas, disse ela. A rapariga estava
encostada ao poço. A saia, azul como as flores das miosótis, desfraldava-se ao
vento. Adeus, até às férias do Natal!, disse Traian acenando. Os cavalos
meteram de novo a trote. Traian olhou para trás. Alguns minutos depois, a
estrada virava para a direita e grandes árvores esconderam a casa do professor,
o poço de roda de madeira e a rapariga de saia azul. O Natal era dali a quatro
meses. Traian esperava voltar coberto de glória e pensava no que iria acontecer
quando voltasse. Enfrentava o futuro com confiança. Alguns instantes depois, a
estrada começava a descer. A estação ficava a quatro quilómetros, no vale.
Traian avistava agora a minúscula estação, com as paredes brancas e o telhado
de telhas vermelhas. Era uma estação-términus, a que só chegava um comboio por
dia. Esse comboio, composto de três pequenas carruagens e de uma locomotiva,
estava agora diante do edifício de paredes brancas e de telhado vermelho.
Quando Grigore avistou o comboio na estação deixou que os cavalos descessem
mais depressa. Sabia que o único comboio que chegava de manhã não partia senão
ao, meio-dia, e que tinham ainda tempo. Mas, instintivamente, deixou ir os
cavalos mais depressa. Quando o menino voltar, no Natal, vai nevar, disse
Grigore. Hei-de vir busca-lo de trenó».
Virgil Gheorghiu
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