«O Pequeno Príncipe e a Rosa»
Conto de Antoine de Saint-Exupéry
190- «O PEQUENO PRÍNCIPE E A ROSA»
Pude bem cedo conhecer melhor aquela flor. Sempre houvera,
no planeta do pequeno príncipe, flores muito simples, ornadas de uma só fileira
de pétalas, e que não ocupavam lugar nem incomodavam ninguém. Apareciam certa
manhã na relva, e já à tarde se extinguiam. Mas aquela brotara um dia de um
grão trazido não se sabe de onde, e o principezinho vigiara de perto o pequeno
broto, tão diferente dos outros. Podia ser uma nova espécie de baobá. Mas o
arbusto logo parou de crescer, e começou então a preparar uma flor. O
principezinho, que assistia à instalação de um enorme botão, bem sentiu que
sairia dali uma aparição miraculosa; mas a flor não acabava mais de
preparar-se, de preparar sua beleza, no seu verde quarto. Escolhia as cores com
cuidado. Vestia-se lentamente, ajustava uma a uma sua pétalas. Não queria sair,
como os cravos, amarrotada. No radioso esplendor da sua beleza é que ela queria
aparecer. Ah! Sim. Era vaidosa. Sua misteriosa toalete, portanto, durara dias e
dias. E eis que uma bela manhã, justamente à hora do sol nascer, havia-se,
afinal, mostrado.
E ela, que se preparava com tanto esmero, disse, bocejando:
- Ah! Eu acabo de despertar… Desculpa… Estou ainda toda
despenteada…
O principezinho, então, não pôde conter o seu espanto:
- Como és bonita!
- Não é? Respondeu a flor docemente. Nasci ao mesmo tempo
que o sol…
O principezinho percebeu logo que a flor não era modesta.
Mas era tão comovente!
- Creio que é hora do almoço, acrescentou ela. Tu poderias cuidar de mim…
E o principezinho, embaraçado, fora buscar um regador com
água fresca, e servira à flor.
Assim, ela o afligira logo com sua mórbida vaidade. Um dia por exemplo, falando dos seus quatro espinhos, dissera ao pequeno príncipe:
- É que eles podem vir, os tigres, com suas garras!
- Não há tigres no meu planeta, objectara o príncipezinho. E
depois, os tigres não comem erva.
- Não sou uma erva, respondera a flor suavemente.
- Perdoa-me…
- Não tenho receio dos tigres, mas tenho horror das
correntes de ar. Não terias acaso um pára-vento?
“Horror das correntes de ar… Não é muito bom para uma
planta, notara o principezinho. É bem complicada essa flor…”
- À noite me colocarás sob a redoma. Faz muito frio no teu
planeta. Está mal instalado. De onde eu venho…
Mas interrompeu-se de súbito. Viera em forma de semente. Não
pudera conhecer nada dos outros mundos. Humilhada por se ter deixado apanhar
numa mentira tão tola, tossiu duas ou três vezes, para pôr a culpa no príncipe:
- E o pára-vento?
- Ia buscá-lo. Mas tu me falavas…
Então ela redobrara a tosse para infligir-lhe remorso.
Assim o principezinho, apesar da boa vontade do seu amor, logo duvidara dela. Tomara a sério palavras sem importância, e se tornara infeliz.
“Não a devia ter escutado – confessou-me um dia – não se deve nunca escutar as
flores. Basta olhá-las, aspirar o perfume. A minha embalsamava o planeta, mas
eu não me contentava com isso. A tal história das garras, que tanto me
agastara, me devia ter enternecido…”
Confessou-me ainda:
“Não soube compreender coisa alguma! Devia tê-la julgado
pelos atos, não pelas palavras. Ela me perfumava, me iluminava… Não devia
jamais ter fugido. Devia ter-lhe adivinhado a ternura sob os seus pobres ardis.
São tão contraditórias as flores! Mas eu era jovem demais para saber amar.”
Antoine de Saint-Exupéry
ternura de conto!!!
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