«O SÍTIO ARQUEOLÓGICO DA ROCHA DA MINA»
O sítio arqueológico da Rocha da Mina foi identificado em
1993, no âmbito da primeira Carta Arqueológica do Alandroal e classificado
desde então como santuário, integrado cronologicamente na Idade do Ferro.
Encontra-se actualmente em escavação, tendo já sido objecto
de três curtas campanhas, de escavação arqueológica.
A Rocha da Mina implanta-se na margem direita, sobre um
meandro da Ribeira do Lucefecit, que estrutura a paisagem entre este e a Serra
d’Ossa, atravessando, no sentido noroeste-sudeste, o que é hoje o território do
concelho do Alandroal. Todo o terço médio desta Ribeira percorre um trajecto
sinuoso encaixado entre margens rochosas, surgindo-nos o sítio totalmente
dissimulado no fundo do vale, sendo quase imperceptível à vista até muito
próximo onde, depois, se impõe pela grandeza dos destacados afloramentos
rochosos que a delimitam, e que a dotam de grande monumentalidade que, no
entanto, não é rara neste troço da Ribeira do Lucefécit. Seja como for, a
rudeza do xisto marca a paisagem, traçando uma marcada linha de afloramentos
declivosos que fecham totalmente o círculo descrito pelo meandro da ribeira,
tendo esta separação entre o dentro e o fora sido aparentemente reforçada
artificialmente, com a possível abertura de um fosso na área do acesso actual.
Classificado como
santuário e integrado cronologicamente na Idade do Ferro, o local distinguia-se
pela presença de um conjunto rupestre, de que destacava uma escadaria,
constituída por quatro degraus, vários pavimentos talhados na rocha, uma
suposta “mesa de altar” e um “poço” ou cavidade, adjacente a estes.
«Poço» ou Cavidade
Sector 1
«Poço» ou Cavidade
Sector 1
Segundo Manuel
Calado, que o identificou, a sua implantação, no topo de um rochedo, os
elementos talhados na rocha, como os degraus, o “poço” e os vários pavimentos e
entalhes, permitiram fazer algumas analogias com os santuários pré-romanos do
Noroeste da Península, caso dos conhecidos em Panóias ou em Ulaca.
Neste sentido, e partindo da sua leitura enquanto santuário,
o contexto arqueológico e geográfico em que a Rocha da Mina se inscreve torna
incontornável a sua relação com o culto a Endovélico que, apesar de divindade
claramente indígena, unicamente se conhecem vestígios de época romana no local
do seu suposto santuário romano. Por outro lado, o mesmo autor realça ainda que
a prática de “incubatio”, documentada epigraficamente no contexto cultual de
Endovélico, efectuada numa cavidade eventualmente existente junto do santuário,
reforçaria uma provável ligação à Rocha da Mina, dada a existência do designado
“poço”, adjacente ao conjunto rupestre do hipotético santuário. Sendo
Endovélico, à partida, uma divindade de carácter tópico, a trasladação do local
de culto da Rocha da Mina, no vale do Lucefecit, para o cabeço de São Miguel da
Mota, a cerca de 4 Km de distância em linha recta, foi justificada, segundo o
mesmo investigador, Manuel Calado, “…presumivelmente por razões de carácter
logístico e/ou ideológico”.
A presente equipa de estudo não assume que a Rocha da Mina
terá sido o primitivo santuário de Endovélico, porque, até ao momento, não
temos qualquer dado nesse sentido; contudo, muito certamente sabemos que os
habitantes da Rocha da Mina poderão ter sido os cultuantes de Endovélico.
A ocupação do local distribui-se por duas áreas distintas.
Uma, a mais elevada ( que denominamos de Sector 1), que poderíamos apelidar de
plataforma rupestre, por resultar do desmonte e adaptação das cristas xistosas
para utilização diversa, divide-se em duas menores, separadas por uma forte
clivagem do xisto; na área mais a Poente implanta-se a escadaria e o conjunto
talhado que dá origem à interpretação de santuário, e que estariam rodeados por
outras construções, perceptíveis pela presença de múltiplos entalhes. Na
segunda parte da plataforma superior apenas podemos verificar a presença de
diversos entalhes resultantes, aparentemente, da edificação de estruturas
diversas.
Povoado de Meados do séc. I aC
Sector 2
A segunda plataforma, mais baixa (Sector 2), enquadra-se numa estreita faixa aplanada na base desta última e limitada por uma pequena crista rochosa existente no meandro.
A segunda plataforma, mais baixa (Sector 2), enquadra-se numa estreita faixa aplanada na base desta última e limitada por uma pequena crista rochosa existente no meandro.
Em geral, a área ocupada deverá rondar o meio hectare que
deveria estar intensamente edificado, dada a multiplicidade de construções
ainda visíveis, por vezes em áreas bastante declivosas, junto de veementes
escarpas xistosas. Este facto resulta da vontade expressa de manter a ocupação
numa área restrita em torno das escarpas, atendendo que não existem
constrangimentos de espaço no meandro, particularmente para Nascente, onde este
nos surge bastante mais amplo e aplanado.
Os trabalhos levados a efeito até ao momento abrangeram
parcialmente ambas as plataformas, aparentemente contemporâneas.
A intervenção no Sector 1 desenvolveu-se, simultaneamente,
em duas frentes principais: no interior do “poço” e sobre a pequena plataforma
de acesso à escadaria. No interior da cavidade registaram-se diversas unidades
estratigráficas muito semelhantes entre si, resultantes principalmente da
escorrência da estratigrafia existente na plataforma superior, mas associadas a
raros materiais contemporâneos, nomeadamente uma garrafa de “Sagres” dos anos
oitenta, e uma moeda de 200 pesetas de 1992, datando, assim, uma provável
extensa violação que esvaziou o interior da estrutura negativa. Sob estas,
imediatamente sobre a rocha, registou-se uma magra estratigrafia aparentemente
antiga, atendendo ao escasso conjunto artefactual.
Sobre a plataforma talhada na rocha, para Sul da escadaria,
documentou-se a presença de uma lareira, em barro cozido, sobre leito de pedras
de quartzo. É, ainda, de presumir a existência de outras estruturas, suposição
alicerçada nos diversos entalhes na rocha ainda visíveis e na ocorrência de
lajes de xisto de pequena e média dimensão, para além de nódulos de barro e
adobe.
No Sector 2 e na área até agora escavada, documentou-se um
conjunto arquitectónico composto por 5 compartimentos e um corredor de
interligação, para além de um amplo espaço não edificado, parcialmente coberto
por um alpendre em materiais perecíveis, adossado à muralha, na metade Sul da
área intervencionada. Este conjunto arquitectónico deveria confinar com um
espaço público de circulação, contudo, o facto de ainda não havermos
intervencionado a área impede outros considerandos.
Este conjunto surge-nos delimitado a Nascente por uma
pequena crista de afloramentos e pelo muro/muralha [270], que se desenvolve em
sentido N-S, ganhando espessura à medida que desce na encosta. Actualmente esta
estrutura apresenta cerca de 18m de extensão com um metro e meio de espessura
máxima, constituindo o limite Nascente da área em escavação, tornando-se o
elemento estruturante da arquitectura deste espaço.
A arquitectura na Rocha da Mina apresenta-se, então, pouco
complexa, apesar do intricado dos espaços delimitados. A construção faz uso da
pedra local, de xisto, lajiforme e disposta na horizontal, de calibre diverso,
pouco triada, sem que se note particular cuidado na construção ou disposição
das pedras, sendo os cantos raramente imbricados. Sobre os embasamentos de
pedra, que poderiam ter até cerca de meio metro, desenvolvia-se uma parede em
terra, erguida com técnica semelhante à taipa.
Em 2013 ampliámos a área de intervenção no Sector 2, o que
nos permitiu documentar um grande espaço construído sobranceiro à ribeira,
alcandorado nos afloramentos sobre a mesma. Este espaço parece constituir parte
da estrutura de fortificação que delimita o sítio pelo lado Nascente.
A ocupação na Rocha da Mina resulta, segundo cremos, de uma
instalação de fundo indígena gerada em meados do séc. I aC, decorrente, por um
lado, do processo de desmantelamento das grandes ocupações indígenas, que se
parece desenvolver durante a primeira metade do séc. I aC., como parece ser o
caso do Castelo Velho do Lucefecit; por outro, das próprias vicissitudes
geradas pela instabilidade do poder de Roma durante esta fase, com os diversos
episódios das Guerras Civis, que tiveram no Ocidente peninsular um importante
palco de acção.
Efectivamente, todos os dados disponíveis situam a Rocha da
Mina num contexto cronológico claramente tardo-republicano, sem qualquer
ocupação anterior à conquista romana.
Apenas um contexto de grande instabilidade, tal como Varrão
nos transmite para esta região em meados deste século I aC, justificaria a
instalação de uma pequena comunidade, dissimulada na paisagem, mas protegida
por potente muro de evidente cariz defensivo, algo pouco aceitável pela
potência ocupante, então mais preocupada com as suas lutas internas que em
manter a estabilidade.
Por esta mesma razão, terminado o longo processo das Guerras
Civis, em particular nos episódios ocorridos em contexto peninsular, a Rocha da
Mina é abandonada, eventualmente antes mesmo do último quartel do séc. I aC.,
para não mais voltar a ser ocupada.
A instalação e abandono de um sítio com características
peculiares na região deverão ter decorrido em resposta a um contexto
específico, podendo o possível santuário ter funcionado como elemento agregador
de populações dispersas no território, após o desmantelamento das redes de
povoamento pré-existentes durante a primeira metade do séc. I aC.
Contudo, se a possibilidade de se tratar de um santuário nos
surge como plausível, certo é que a escassez de trabalhos no local deixa em
falta provas convincentes sobre o efectivo uso do espaço da Rocha da Mina como
área cultual neste momento precoce da romanização.
É pois absolutamente imprescindível para o conhecimento
efectivo da Natureza da ocupação na Rocha da Mina continuar os trabalhos de
escavação arqueológica, tentando obter dados que provem o seu uso cultual, tal
como foi possível documentar em outros locais do Sudoeste peninsular, alguns
deles com marcadas semelhanças com a Rocha da Mina.
De facto, o caso do Santuário da Cueva del Valle, em Zalamea
de La Serena é o que apresenta maiores similitudes com a Rocha da Mina, sendo
dos poucos em que foi possível confirmar a sua natureza de Santuário Rupestre.
Este local instala-se sobre um grande afloramento rochoso, com ampla
visibilidade envolvente, no que difere da Rocha da Mina, apresentando uma
pequena cavidade, parcialmente artificial no topo, à qual se acede através de
uma rampa com uma escadaria talhada na rocha. Todavia, aqui, a escadaria
talhada tem um sentido eminentemente prático, estando situado a meia encosta do
acesso, e não directamente ligado com a plataforma cultual. No entanto, o mais
importante foi o achado de um numeroso conjunto de ex-votos cerâmicos, pés,
estatuetas completas, pequenos vasos, etc., que confirmam a sua natureza votiva.
Estes ex-votos apresentam grande parecença com outros
documentados na região de Castro Verde, no sítio de São Pedro das Cabeças, uma
destacada elevação na planura alentejana, justamente onde ainda hoje se celebra
o milagre da Batalha de Ourique, onde D. Afonso Henriques se bateu e venceu os
ditos “infiéis”. No local, sem qualquer grande elemento rochoso em destaque,
documentou-se um enorme conjunto de ex-votos em cerâmica, nomeadamente cabeças,
que poderão ter dado o nome ao local, mas também mandíbulas, olhos e imensos
pequenos vasos votivos.
Assim, enquanto não obtivermos dados como estes, através de
escavações arqueológicas, o santuário da Rocha da Mina deve permanecer como uma
hipótese plausível.
No entanto, se quanto ao passado não temos certezas da
sacralidade da Rocha da Mina, já no que diz respeito aos dias de hoje a
situação afigura-se algo distinta.
Obviamente que o contexto paisagístico e imanência telúrica
do local em muito contribuem na multiplicação do factor sagrado e na expansão
de novas crenças, que vão integrando o espaço em novos discursos identitários,
já profundamente enraizados na Rocha da Mina.
É com frequência que se registam no local vestígios diversos
de claras participações e experiências de fundo cultual, para as quais nada
existe de historicamente enraizado, ao menos no sítio, mas que foram sendo
introduzidas, no que constitui um fenómeno sociológico de enormíssimo
interesse, da criação de uma Tradição, baseada apenas numa possibilidade
arqueológica.
Por fim, mas não no fim, cremos ser essencial assinalar como
os três anos de campanha de Verão na Rocha da Mina constituíram um ponto de
formação e interacção entre o público local e os grupos de estudantes que por
aqui passaram e que certamente ficaram marcados pela experiência de trabalho
num sítio tão extraordinário como a Rocha da Mina, como bem o sabem os nossos
“vizinhos” e visitantes assíduos, moradores na curva do Lucefecit junto da
Fonte Santa, nomeadamente o célebre e recentemente desaparecido Mike Biberstein.
Texto: Conceição Roque e Rui Mataloto
Excelente texto de dois excelentes arqueólogos que investigam no concelho do Alandroal à décadas. O mestre foi bom, e o resultado está aí para quem quiser ver e ler. Seriedade, trabalho e competência!
ResponderEliminarMuitos parabéns!!!
Assino por baixo do 15 de Julho de 2014 às 13:46.
ResponderEliminarBoa continuação nas escavações deste ano. Conto mais uma vez aparecer a visitar toda a equipa de trabalho.