«O Amador de Poemas»
Paul Valéry, por Mme de Wrede
210- «O AMADOR DE POEMAS»
SE olho de repente para o meu verdadeiro pensamento, não me
consolo com o ter que sofrer esta palavra interior sem pessoa e sem
origem; estas figuras efémeras; esta infinidade de empresas interrompidas por
sua própria facilidade, que se transformam uma na outra, sem que nada mude com
elas. Incoerente sem o parecer, nulo instantaneamente em ser espontâneo, o
pensamento, de sua própria natureza, é falho de estilo.
MAS nem todos os dias possuo a força de propor à minha
atenção alguns seres necessários, nem de fingir os obstáculos espirituais que
formariam uma aparência de começo, de plenitude e de fim, em lugar da minha
insuportável fuga.
UM poema é uma duração, durante a qual, leitor, respiro uma
lei que foi preparada; dou o meu sopro e as máquinas da minha voz; ou somente o
seu poder, que se concilia com o silêncio.
EU abandono-me ao adorável andamento: ler, viver aonde levam
as palavras. A sua aparição está escrita. Suas sonoridades concertadas. O seu
agitar compõe-se, segundo uma meditação anterior, e elas precipitam-se em
grupos magníficos ou puros, na ressonância. Mesmo os meus espantos estão
assegurados: foram previamente escondidos, e fazem parte do número.
MOVIDO pela escrita fatal, e se a métrica encadeia sem
regresso a minha memória, sinto cada palavra em toda a sua força, por tê-la
esperado indefinidamente. Esta medida que me transporta e que eu coloro,
guarda-me do verdadeiro e do falso. Nem a dúvida me divide, nem a razão me
lavra. Nenhum acaso, mas uma sorte extraordinária se fortifica; encontro sem
esforço a linguagem desta felicidade; e penso por artifício, um pensamento todo
certo, maravilhosamente previdente,--com as lacunas calculadas, sem trevas
involuntárias, cujo movimento me comanda e cuja quantidade me preenche: um
pensamento singularmente acabado.
Paul Valéry
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