segunda-feira, 18 de agosto de 2014

OUTROS CONTOS

«A Rela», pequeno conto por Matias José.

«A Rela»
Pequeno Conto de Matias José

239- «A RELA»

Quase todos os dias pela tardinha repete-se o ritual. Corda nos sapatos e aí vou eu a caminho da Horta da Vinha (fui eu que a baptizei assim por se encontrar na extrema da extinta vinha da Pipeira, outrora «Campo de Experiências»). Com seu poço d’água e tanque lateral que noutro tempo serviu de apoio para rega do hortejo, encontra-se delimitado por colunas de granito no espaço que o circunda. Fez-se agora estrutura em madeira e cobertura em canas para embarrar as videiras que partem de cada uma das colunas, e desse modo se usufruir de sombra nos dias quentes de verão. Também se construiu mesa debaixo do mesmo espaço (pedra grande em xisto que se apoia em cinco paus de cerca), e a que dei o nome de «Anta». A rega utilizada é 'gota a gota', com um depósito de 1000 litros que serve de apoio a todo o hortejo. Uma bomba é o sistema utilizado para tirar água do poço, trabalhando com o auxílio de um gerador a gasolina. Muito simples. 

Mas não é sobre isso que vos quero falar. O que hoje me motivou a escrever chama-se rela (ou pequena rã), uma história de amizade ou talvez muito mais que isso.

O depósito d’água, não havendo qualquer percalço, leva cerca de 20 minutos até ficar repleto. Certo dia ao verificar se ainda faltava muito para estar cheio, comecei por observar à tona d’água relas mortas que surgiam à superfície. Fui retirando todas as que pude para dentro de uma garrafa de litro e meio de água. Contei 25 relas mortas. Quando me preparava para as jogar em terra, reparei que dentro da garrafa algo se tinha mexido... e tinha razão! Uma rela, de cor castanha, agitava sofregamente as suas patinhas. Retirei-a, e a coloquei ao sol. As restantes estavam efectivamente mortas, mas a rela de cor castanha havia resistido ao calor no fundo do depósito d’água. Eu a tinha salvo, e ela podia seguir o seu caminho. Assim aconteceu nesse certo dia que vos falo.

Mais tarde (ou melhor, em outro certo dia), o mesmo ritual de encher o depósito; e quando este se encontrava quase cheio, saltou do seu interior uma rela ficando segura na borda ou boca do depósito, virada na minha direcção. Pensei de imediato em apanhá-la, mas logo desisti da ideia. Disse para com os meus botões: «talvez ela me deixe fazer uma festa… quem sabe? Não querias mais nada, fazer festas a uma rã… só em sonhos!». 

Então avancei com o dedo mindinho e acariciei o seu saco vocal ou membrana de pele. E a rela de cor castanha assim permaneceu imóvel o tempo todo, talvez na procura de uma antiga amizade.

A cena já se repetiu… 
eu e a rela de cor castanha estamos definitivamente ligados! 

E só nós dois é que sabemos…

Matias José

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