«Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que
o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa
tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências
mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da
escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem
para reconhecer isso.»
José Saramago, Nobel da Literatura/ 1998
«Ensaio Sobre a Lucidez»
José Saramago
ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ
[Fragmentos]
“...os humanos são universalmente conhecidos como os únicos
animais capazes de mentir, sendo certo que se às vezes o fazem por medo, e às
vezes por interesse, também às vezes o fazem porque perceberam a tempo que essa
era a única maneira ao seu alcance de defenderem a verdade.”
“...talvez, antes de ti, o teu corpo saiba já que vão te matar.”
“...a isto pode ser reduzida a tão badalada suprema dignidade da pessoa humana,
afinal tanto como um papel molhado.”
“...em toda a verdade humana há sempre algo de angustioso, de aflito, nós
somos, e não estou a referir-me simplesmente à fragilidade da vida, somos uma
pequena e trémula chama que a cada instante ameaça apagar-se, e temos medo,
acima de tudo temos medo.”
“Sempre chega a hora em que descobrimos que sabíamos muito mais do que antes
julgávamos...”
“Sentiu a nostalgia da capital, do tempo feliz em que os votos eram obedientes
ao mando, do monótono passar das horas e dos dias entre a pequeno-burguesa
residência oficial dos chefes de governo e o parlamento da nação, das agitadas
e não raras vezes joviais crises políticas que eram como fogachos de duração
prevista e intensidade vigiada, quase sempre a fazer de conta, e com as quais
se aprendia, não só a não dizer a verdade como fazê-la coincidir, ponto por ponto,
quando fosse útil, com a mentira, da mesma maneira que o avesso, com toda a
naturalidade é o outro lado do direito.”
“...o incompreensível pode ser desprezado, mas nunca o será se houver maneira
de o usarem como pretexto.”
“Que monstruosas coisas é capaz de gerar o cérebro...”
“...as verdades há que repeti-las muitas vezes para que não venham, pobres
delas, a cair no esquecimento.”
“O cão tinha se aproximado quase a tocar com o focinho os joelhos do
comissário. Olhava para ele e os seus olhos diziam, Não te faço mal, não tenhas
medo, ela também não o teve naquele dia. Então o comissário estendeu a mão
devagar e tocou-lhe na cabeça. Apetecia-lhe chorar, deixar que as lágrimas lhe
escorregassem pela cara abaixo, talvez o prodígio se repetisse. A mulher do
médico guardou o livro na bolsa e disse, Vamos, Aonde, perguntou o comissário,
Almoçará connosco se não tem nada mais importante que fazer, Tem a certeza, De
quê, De querer sentar-me à sua mesa, Sim, tenho a certeza, E não tem medo de
que eu esteja a
enganá-la, Com essas lágrimas nos olhos, não.”
enganá-la, Com essas lágrimas nos olhos, não.”
“Aprendi neste ofício que os que mandam não só não se detêm diante do que nós
chamamos absurdos, como se servem deles para entorpecer as consciências e
aniquilar a razão.”
“Nascemos, e nesse momento é como se tivéssemos firmado um pacto para toda a
vida, mas o dia pode chegar em que nos perguntemos Quem assinou isto por mim.”
“...há que ter o máximo de cuidado com aquilo que se julga saber, porque por
detrás se encontra escondida uma cadeia interminável de incógnitas, a última
das quais, provavelmente, não terá solução.”
José Saramago
José Saramago
Poet'anarquista
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