«Fracasso do Rotativismo»
Retrato de Ramalho Ortigão
(Columbano Bordalo Pinheiro)
295- «FRACASSO DO ROTATIVISMO»
(Últimas Farpas - 1911)
«O acordo de dois partidos, revezando-se sucessivamente no
poder, dizendo-se um liberal e outro conservador, segundo o regime inglês,
falhara inteiramente na sua reiterada aplicação prática. O jogo permanente
dessa rotatividade representativa, com vinte anos de funcionamento automático,
desgastara todas as engrenagens, boleara todos os ângulos, puíra todas as
arestas, safara todos os cunhos que caracterizavam o sistema.
Quem eram os liberais que pela contribuição de novas ideias
se propunham acelerar a energia propulsora do parlamentarismo no sentido do
mais rápido progresso?
Quem eram os conservadores incumbidos de coordenar a marcha
e de manobrar os travões do maquinismo?...
Ninguém o saberia dizer, porque nenhum dos dois partidos a
si mesmo se distinguia do outro, a não ser pelo nome do respectivo chefe,
politicamente diferenciado, quando muito, pela ênfase pessoal de mandar para a
mesa o orçamento ou de pedir o copo de água aos contínuos.
Um facto sumamente grave preocupava, no entanto, a atenção
dos que isoladamente contemplavam a integral concatenação dos acontecimentos.
Esse facto era a decomposição da sociedade, lentamente,
surdamente, progressivamente contaminada pela mansa e sinuosa corrupção
política.
Quantos sintomas inquietantes!
A indisciplina geral,
O progressivo rebaixamento dos caracteres,
A desqualificação do mérito,
O descomedimento das ambições,
O espírito de insubordinação,
A decadência mental da Imprensa,
A pusilanimidade da opinião,
O rareamento dos homens modelares,
O abastardamento das letras,
A anarquia da arte,
O desgosto do trabalho,
A irreligião,
E, finalmente,
A pavorosa inconsciência do povo.»
Ramalho Ortigão
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