segunda-feira, 3 de novembro de 2014

OUTROS CONTOS

«A Condição Humana», por André Malraux.

«A Condição Humana»
André Malraux

317- «A CONDIÇÃO HUMANA»

[Excerto]

(O grande mistério não é termos sido lançados aqui ao acaso, entre a profusão da matéria e das estrelas: é que, da nossa própria prisão, de dentro de nós mesmos, conseguimos extrair imagens suficientemente poderosas para negar a nossa insignificância.) 

«Tchen recordou-se de Gisors: "À beira da morte, uma tal paixão aspira transmitir-se...". De súbito, compreendeu. Suan também compreendia:

- Tu queres fazer do terrorismo uma espécie de religião?

A exaltação de Tchen tornava-se maior. Todas as palavras eram vazias, absurdas, impotentes, para exprimir o que queria deles.

- Não uma religião. O sentido da vida. A... posse completa de si próprio. Total. Absoluta. A única. Saber. Não procurar, constantemente, ideias e deveres. Há uma hora que já não sinto coisa alguma de que pesava sobre mim. Estão a ouvir? Nada.

Agitava-o uma tal exaltação que já não procurava convencê-los, senão falando-lhes de si:

- Estou de posse de mim próprio. Mas nem uma ameaça, nem uma angústia, como sempre. Dominado, apertado, como esta mão aperta a outra (apertava-a com toda a força). Ainda não basta, como...

Apanhou do chão um dos bocados de vidro da lanterna quebrada. (...) Com um gesto, enterrou-o na coxa. A sua voz entrecortada estava penetrada de uma certeza selvagem, mas parecia muito mais dominar a sua exaltação do que ser dominado por ela. Nada louco. Os outros dois mal o viam já e, contudo, ele enchia o compartimento. (...)

- Pelos nossos, nada podes fazer de melhor que decidir-te a morrer. Nenhum homem pode ser tão eficaz como aquele que assim escolheu.»

«-... Não acha que é de uma estupidez característica da espécie humana que um homem que só tem uma vida possa perdê-la por uma ideia?

- É muito raro que um homem possa suportar, como hei-de dizer, a sua condição de homem.  

Pensou numa das ideias de Kyo: tudo aquilo porque os homens aceitam deixar-se matar, para além do interesse, tende mais ou menos confusamente a justificar essa condição, fundamentando-a na dignidade: cristianismo para o escravo, nação para o cidadão, comunismo para o operário. (...)

- É sempre preciso intoxicarmo-nos: este país com o ópio, o Islão com o haxixe, o Ocidente com a mulher... Talvez o amor seja sobretudo o meio que o ocidental emprega para se libertar da sua condição de homem...»

André Malraux 

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