«A Condição Humana»
André Malraux
317- «A CONDIÇÃO HUMANA»
[Excerto]
(O grande mistério não é termos sido lançados aqui ao acaso,
entre a profusão da matéria e das estrelas: é que, da nossa própria prisão, de
dentro de nós mesmos, conseguimos extrair imagens suficientemente poderosas
para negar a nossa insignificância.)
«Tchen recordou-se de Gisors: "À beira da morte, uma tal paixão aspira
transmitir-se...". De súbito, compreendeu. Suan também compreendia:
- Tu queres fazer do terrorismo uma espécie de religião?
A exaltação de Tchen tornava-se maior. Todas as palavras
eram vazias, absurdas, impotentes, para exprimir o que queria deles.
- Não uma religião. O sentido da vida. A... posse completa
de si próprio. Total. Absoluta. A única. Saber. Não procurar, constantemente,
ideias e deveres. Há uma hora que já não sinto coisa alguma de que pesava sobre
mim. Estão a ouvir? Nada.
Agitava-o uma tal exaltação que já não procurava
convencê-los, senão falando-lhes de si:
- Estou de posse de mim próprio. Mas nem uma ameaça, nem uma
angústia, como sempre. Dominado, apertado, como esta mão aperta a outra
(apertava-a com toda a força). Ainda não basta, como...
Apanhou do chão um dos bocados de vidro da lanterna
quebrada. (...) Com um gesto, enterrou-o na coxa. A sua voz entrecortada estava
penetrada de uma certeza selvagem, mas parecia muito mais dominar a sua
exaltação do que ser dominado por ela. Nada louco. Os outros dois mal o viam já
e, contudo, ele enchia o compartimento. (...)
- Pelos nossos, nada podes fazer de melhor que decidir-te a
morrer. Nenhum homem pode ser tão eficaz como aquele que assim escolheu.»
«-... Não acha que é de uma estupidez característica da espécie humana que um
homem que só tem uma vida possa perdê-la por uma ideia?
- É muito raro que um homem possa suportar, como hei-de
dizer, a sua condição de homem.
Pensou numa das ideias de Kyo: tudo aquilo porque os homens aceitam deixar-se
matar, para além do interesse, tende mais ou menos confusamente a justificar
essa condição, fundamentando-a na dignidade: cristianismo para o escravo, nação
para o cidadão, comunismo para o operário. (...)
- É sempre preciso intoxicarmo-nos: este país com o ópio, o
Islão com o haxixe, o Ocidente com a mulher... Talvez o amor seja sobretudo o
meio que o ocidental emprega para se libertar da sua condição de homem...»
André Malraux
Sem comentários:
Enviar um comentário