«A Barata»
Conto de Dino Buzzati
371- «A BARATA
Tendo voltado tarde para casa, esmaguei uma barata que, no
corredor, me escapava entre os pés (ficou lá, preta, no ladrilho) depois entrei
no quarto. Ela dormia. Deitei-me ao seu lado, apaguei a luz, da janela aberta
via um pedaço de parede e o céu. Fazia calor, não conseguia dormir, velhas
histórias renasciam dentro de mim, dúvidas também, uma genérica desconfiança no
amanhã. Ela soltou um pequeno lamento. «Que houve?», perguntei. Ela abriu um
olho, grande, sem me ver e murmurou: «Tenho medo.» «Medo de quê?», perguntei.
«Tenho medo de morrer.» «Medo de morrer? Por quê?» Respondeu: «Tive um
sonho...» Aproximou-se um pouco. «Mas que é que você sonhou?» «Sonhei que
estava no campo, estava sentada na margem de um rio e ouvi gritos ao longe... E
eu devia morrer.» «Na beira de um rio?» «Sim.», respondeu «Ouvia as rãs...
faziam crá, crá.» «E que horas eram?» «Era noite e ouvi gritar.» «Bem, durma,
agora são quase duas horas.» «Duas horas?», mas não conseguia compreender, já
tornara a pegar no sono.
Apaguei a luz e ouvi alguém remexendo no pátio. Depois,
subiu a voz de um cão, aguda e longa; parecia lamentar-se. Subiu, passando
diante da janela, perdeu-se na noite quente. Depois abriu-se uma persiana (ou
se fechou?). Longe, muito longe, mas talvez eu me enganasse, uma criança se pôs
a chorar. Depois, novamente o ulular do cão, longo como antes. Eu não conseguia
dormir.
Vozes de homens vieram de alguma outra janela. Eram baixas,
como murmuradas entre o sono. De uma sacada abaixo, ouvi um cip, cip, zitevitt,
e algumas batidas de asas. «Flório!», ouviu-se chamar de repente, devia ser duas
ou três casas mais adiante. «Flório!», parecia uma mulher, mulher angustiada,
que tivesse perdido o filho.
Mas por que o canarinho do andar de baixo acordara? Que
havia? Com um rangido lamentoso, como se fosse empurrada devagarinho por alguém
que não queria fazer-se ouvir, uma porta se abriu em algum lugar da casa.
Quanta gente acordada a essa hora, pensei. Estranho, a essa hora.
«Tenho medo, tenho medo», queixou-se ela procurando-me com o
braço. «Oh, Maria», perguntei, «Que tem você?» Respondeu com voz ténue: «Tenho
medo de morrer.» «Você sonhou de novo?» Fez que sim, devagarinho, com a cabeça.
«De novo aqueles gritos?» Fez sinal que sim. «E você ia morrer?» Sim, sim, indicava,
procurando olhar-me, com as pálpebras grudadas pelo sono.
Há alguma coisa, pensei: ela sonha, o cão uiva, o canarinho
acordou, as pessoas se levantam e falam, ela sonha com a morte, como se todos
tivessem sentido uma coisa, uma presença. Oh, o sono não vinha e as estrelas
passavam. Ouvi distintamente no pátio o ruído de um fósforo aceso. Por que
alguém se punha a fumar às três horas da manhã? Então senti sede, levantei-me e
saí do quarto para beber água. A triste lâmpada do corredor estava acesa, percebi
vagamente a mancha preta no ladrilho e parei, assustado. Olhei: a mancha preta
se movia. Ou melhor, movia-se um pedacinho (ela sonha que vai morrer, o cão
uiva, o canarinho acorda, pessoas se levantaram, uma mãe chama o filho, as
portas rangem, alguém fuma, e há talvez um choro de criança).
Vi, no chão, o bichinho preto que movia uma patinha. Era a
do meio, à direita. O resto estava imóvel, uma mancha de tinta que caíra da
morte. Mas a perninha remava fracamente como se quisesse subir de novo alguma
coisa, o rio das trevas, talvez. Teria ainda esperança?
Durante duas horas e meia, dentro da noite — senti um
calafrio —, o imundo insecto grudado no ladrilho pelas suas próprias mucilagens
viscerais, durante duas horas e meia continuara a morrer e ainda não acabara.
Maravilhosamente continuava a morrer, transmitindo, com a última patinha, a sua
mensagem. Mas quem a podia colher às três da manhã, na escuridão do corredor de
uma pensão desconhecida? Duas horas e meia, pensei, continuamente para cima e
para baixo, a última porção de vida na perninha sobrevivente, para invocar
justiça. O pranto de uma criança — lera um dia — basta para envenenar o mundo.
Em seu coração, Deus omnipotente quisera que certas coisas não acontecessem, mas
não pôde impedi-lo porque por ele mesmo foi decidido. Mas uma sombra jaz ainda
sobre nós. Esmaguei o inseto com o chinelo e, esfregando no chão, esmigalhei-o
num longo rasto cinza.
Então, finalmente, o cão calou-se, ela, no sono, se acalmou
e parecia quase sorrir, as vozes se apagaram, calou a mãe, não se percebeu mais
nenhum sintoma de inquietude do canarinho, a noite recomeçava a passar sobre a
casa cansada, a morte fora inchar sua inquietude em outras partes do mundo.
Dino Buzzati
Dino Buzzati
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