«A Morte de Virgílio»
Escritor Austríaco Hermann Broch
351- «A MORTE DE VIRGÍLIO»
[Excerto]
“Mais adiante, na proa, cantava um músico escravo.
Provavelmente, a roda ali reunida, cujos clamores se tinham diluído na calma do
entardecer, chamara a si o rapaz, ela mesma a prelibar o retorno, e após uma
breve pausa destinada ao afinamento da lira, seguida por um momento de espera,
como o requeria a arte, a anônima canção do anônimo rapaz começara a ressoar,
vinha soprada pela brisa, canção suavemente fulgurante, cujo hálito pairava no
céu noturno como as cores de um arco-íris, suavemente fulgurante também o som
das cordas, delicado qual marfim, produto humano a canção, produto humano o som
das cordas, mas elevados acima da origem humana, distanciados dos homens,
desligados dos homens, ar das esperas, que canta para si mesmo.
Escurecia ainda mais; os rostos tornavam-se menos nítidos,
as beiras desbotavam, restava a apenas a voz, que ficava mais clara, mais
predominante, como se quisesse dirigir o navio e o ritmo de seus remos;
esquecia-se a origem da voz e todavia fazia-se dirigente a voz de um garoto escravo;
a canção indicava o caminho, repousando em si mesma e justamente por isso
indicadora da rota, justamente por isso aberta à eternidade; pois somente o que
repousa é capaz de servir de norte, somente o que é único, o que foi retirado,
ou melhor, redimido do fluxo das coisas, somente o que se segurou com firmeza –
ai dele, será que ele em algum momento realizara tal ato de segurar, suscetível
de indicar um caminho?
– Sim, somente o que se segurou com absoluta firmeza, nem
que fosse apenas por um único instante no mar de milhões de anos, torna-se
canto orientador, torna-se liderança; oh, um só momento de vida, ampliado rumo
à totalidade, ampliado até formar o círculo do conhecimento total, aberto em
direção ao infinito; alto acima da fulgurante canção, alto acima do fulgurante
crepúsculo respirava o céu, cuja doçura outonal, clara, acre repetira-se
inalterável, milênios a fio, única apesar disso no seu aqui e agora, e o
luminoso, sedoso esplendor de sua cúpula estava embaciado pelo silêncio da
insipiente noite.”
Hermann Broch
.... "e o velho com todo o conhecimento que acumulara ao longo de mil anos, não só de estudo, mas também de experiência feito, pois já dera várias voltas ao mundo, em abastança e míngua...." -
ResponderEliminar(e tendo a mania de sempre ensinar coisas novas à pirralha, ouviu da neta as seguintes palavras): "Oh avô, desta vez fui eu quem te ensinou!"
E aqui vai o comentário que ela me ensinou a enviar - mesmo anónimo sendo -
De um avô completamente inepto nestas coisas das novas tecnologias.
Quanto ao Hermann Broch, que o Cabé nos mande uns excertos da trilogia de "Os Sonâmbulos", obra maior, na opinião deste velho maniento.
Com um abraço
Um amigo
Pois era pra ter sido precisamente um excerto de «Os Sonâmbulos, mas não encontrei nas buscas que fiz. Assim que houver oportunidade farei publicação de um excerto da trilogia.
ResponderEliminarConcordo com a opinião do «velho maniento» - a grande obra de Hermann Broch a que o nosso «old friend» faz referência, foi sem dúvida a sua obra maior.
O outro nosso amigo, o Hermann Broch perseguido pela Gestapo de Hitler, um enorme escritor austríaco merecedor de uma leitura atenta.
Abraço ao avô e beijinho à neta (já agora... à restante família cumprimentos)
PS- A neta que vá ajudando o «velho maniento» com as novas tecnologias, que sobre as velhas tem muito que aprender.