«Por não estarem Distraídos»
A Árvore Que Dava Olhos/ Maria Keil
404- «POR NÃO ESTAREM DISTRAÍDOS»
Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria
como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se
estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à
frente, e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para
dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles.
Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e
ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao
toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de
admiração.
Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em
não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos
erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não
via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que
estava ali.
Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.
Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.
Clarice Lispector
Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.
Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.
Clarice Lispector
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