«A Lua»
O Luar na Anta/ JPGalhardas
427- «A LUA»
Em tempos que já lá vão havia uma terra onde a noite
era sempre escura e o céu estendia-se sobre ela como um lenço negro, pois ali a
Lua nunca subia e nenhuma estrela piscava na escuridão. Na altura da criação do
mundo, a luz da noite era suficiente. Uma vez, saíram desta terra em
peregrinação quatro rapazes e chegaram a um outro reino onde, quando à noite o
Sol desaparecia atrás dos montes, havia uma esfera brilhante pendurada num
carvalho, que deitava uma luz suave em todas as direções. Devido a ela, era
possível ver e distinguir tudo muito bem, embora não fosse uma luz tão forte
como a do Sol. Os rapazes pararam e perguntaram a um lavrador, que passava por
ali com o seu carro, que luz era aquela. “Aquilo é a Lua”, respondeu ele, “o
nosso prefeito comprou-a por três moedas e pendurou-a no carvalho. Tem de lhe
deitar óleo todos os dias e mantê-la limpa, para que ela não deixe de brilhar.
Por isso, pagamos-lhe uma moeda por semana.”
Assim que o lavrador partiu, disse um deles: “Esta lanterna
fazia-nos jeito, também lá temos um carvalho, tão alto como este, onde a
podemos pendurar. Que grande alegria deixar de tropeçar na escuridão!” “Sabem
que mais?”, disse o segundo, “precisamos de arranjar um carro e um cavalo e
levar a Lua embora. As pessoas daqui bem podem comprar uma outra.” “Eu trepo
com muita facilidade”, disse o terceiro, “trago-a já para baixo!” O quarto
trouxe um carro e um cavalo e o terceiro trepou pela árvore acima, fez um
buraco na Lua, passou-lhe um fio e fê-la descer. Assim que a Lua brilhante
ficou dentro do carro, deitaram-lhe um lenço por cima, para que ninguém se
apercebesse do roubo. Levaram-na sem problemas para a sua terra e penduraram-na
num carvalho. Velhos e novos alegraram-se, quando a nova lanterna começou a
estender a sua luz sobre os campos e os quartos e salas se encheram dela. Os
anões saíram dos seus buracos nas rochas e os pequenos elfos, com os seus
casacos vermelhos, faziam rodas nos prados.
Os quatro rapazes tratavam da Lua com óleo, limpavam a mecha
e recebiam a sua moeda semanal. No entanto, envelheceram e quando um deles
adoeceu e se apercebeu de que a morte estava próxima, ordenou que o quarto de
lua que lhe pertencia fosse levado com ele para a sepultura. Quando morreu, o
prefeito trepou à árvore e, com a tesoura da poda, cortou um quarto da Lua que
meteu no caixão. A luz da Lua diminuiu, mas não muito. Quando morreu o segundo,
foi-lhe dado o segundo quarto e a luz minguou. Mais fraca ficou ainda quando
morreu o terceiro, que também levou o seu quarto e, quando o quarto homem foi
sepultado, instalou-se de novo a velha escuridão. Sempre que as pessoas saíam à
noite sem lanterna, batiam com as cabeças umas nas outras.
Porém,
assim que os quartos da Lua se juntaram no inferno, os mortos, habituados à
escuridão, agitaram-se e acordaram do seu sono. Ficaram espantados por poderem
ver de novo: a luz da Lua chegava-lhes bem, pois os seus olhos estavam tão
fracos que não teriam podido suportar a luz dos Sol. Ergueram-se, alegraram-se
e retomaram os seus hábitos de vida. Alguns deles dedicaram-se ao jogo e à
dança, outros foram para as tabernas onde pediram vinho, embriagaram-se,
vociferaram e lutaram e, por fim, pegaram em cacetes e bateram uns nos outros.
O barulho era cada vez maior até que, por fim, chegou ao céu.
São
Pedro, que guarda as portas do céu, calculou que o inferno se tinha revoltado e
chamou as hostes celestes, que lutavam contra o maligno, porque este e os seus
associados pretendiam assolar a morada dos abençoados. Como, porém, elas não
vinham, São Pedro montou no seu cavalo, atravessou as portas do céu e foi ao
inferno. Aí sossegou os mortos, fê-los voltar de novo à sepultura e levou com
ele a Lua, pendurando-a no céu.
Jacob e Wilhelm Grimm
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