«Epílogos»
Conto Poético de Gregório de Matos
468- «EPÍLOGOS
(Juízo anatómico dos achaques que padecia o
corpo da república)
Que
falta nesta cidade?... Verdade.
Que
mais por sua desonra?... Honra.
Falta
mais que se lhe ponha?... Vergonha.
O
demo a viver se exponha,
Por
mais que a fama a exalta,
Numa
cidade onde falta
Verdade,
honra, vergonha.
Quem
a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem
causa tal perdição?... Ambição.
E
no meio desta loucura?... Usura.
Notável
desaventura
De
um povo néscio e sandeu,
Que
não sabe que perdeu
Negócio,
ambição, usura.
Quais
são seus doces objectos?... Pretos.
Tem
outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais
destes lhe são mais gratos?... Mulatos.
Dou
ao Demo os insensatos,
Dou
ao Demo o povo asnal,
Que
estima por cabedal,
Pretos,
mestiços, mulatos.
Quem
faz os círios mesquinhos?... Meirinhos.
Quem
faz as farinhas tardas?... Guardas.
Quem
as tem nos aposentos?... Sargentos.
Os
círios lá vem aos centos,
E
a terra fica esfaimando,
Porque
os vão atravessando
Meirinhos,
guardas, sargentos.
E
que justiça a resguarda?... Bastarda.
É
grátis distribuída?... Vendida.
Que
tem, que a todos assusta?... Injusta.
Valha-nos
Deus, o que custa
O
que El-Rei nos dá de graça.
Que
anda a Justiça na praça
Bastarda,
vendida, injusta.
Que
vai pela clerezia?... Simonia.
E
pelos membros da Igreja?... Inveja.
Cuidei
que mais se lhe punha?... Unha
Sazonada
caramunha,
Enfim,
que na Santa Sé
O
que mais se pratica é
Simonia,
inveja e unha.
E
nos frades há manqueiras?... Freiras.
Em
que ocupam os serões?... Sermões.
Não
se ocupam em disputas?... Putas.
Com
palavras dissolutas
Me
concluo na verdade,
Que
as lidas todas de um frade
São
freiras, sermões e putas.
O
açúcar já acabou?... Baixou.
E
o dinheiro se extinguiu?... Subiu.
Logo
já convalesceu?... Morreu.
À
Bahia aconteceu
O
que a um doente acontece:
Cai
na cama, e o mal cresce,
Baixou,
subiu, morreu.
A
Câmara não acode?... Não pode.
Pois
não tem todo o poder?... Não quer.
É
que o Governo a convence?... Não vence.
Quem
haverá que tal pense,
Que
uma câmara tão nobre,
Por
ver-se mísera e pobre,
Não
pode, não quer, não vence.
Gregório de Matos
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