571- «O ANGELUS NOS MARES DA SECÍLIA»
O dia se tinha escoado em meio a exaustivos cuidados para
evitar o naufrágio, e a noite começava a descer. Aproximávamo-nos de Messina, e
eu me lembrava da profecia do piloto, que nos havia anunciado que duas horas
após a Ave-Maria teríamos chegado ao nosso destino. Isso me recordou que desde
nossa partida eu não havia visto nenhum dos nossos marinheiros cumprir
ostensivamente os deveres da Religião, que no entanto os filhos do mar
consideram sagrados.
Havia mais: uma pequena cruz de oliveira incrustada de
nácar, semelhante àquelas que os monges do Santo Sepulcro fazem e os peregrinos
trazem de Jerusalém, havia desaparecido de nossa cabine, e eu a havia
reencontrado na proa da embarcação, acima de uma imagem da Madonna di Pie’ di
Grotta, sob a invocação da qual nossa pequena embarcação estava colocada.
Depois de me ter informado se havia um motivo particular para mudar a cruz de
lugar, e ter sabido que não, eu a retomei de onde estava e a levei à cabine, na
qual ficou desde então. Estava claro que a Madonna, agradecida sem dúvida, nos
protegera na hora do perigo.
Nesse momento eu me virara, e percebi o capitão próximo a
nós.
— Capitão — disse-lhe — parece-me que em todos os navios
napolitanos, genoveses ou sicilianos, quando vem a hora da Ave-Maria, se faz
uma prece em comum. Não é esse o seu hábito a bordo do Speronare?
— De fato, Excelência, de fato! — respondeu vivamente o
capitão — E devo esclarecer que estamos embaraçados por não o podermos fazer.
— Mas o que o impede?
— Desculpe-me, Excelência, mas como nós conduzimos com frequência
ingleses que são protestantes, gregos que são cismáticos e franceses que não
são nada, temos sempre receio de ferir a crença ou de excitar a incredulidade
de nossos passageiros pela vista de práticas religiosas que não serão as deles.
Mas quando os passageiros nos autorizam a agir cristãmente, somos muito
agradecidos a eles por isso. De sorte que, se o permite…
— Como não, capitão! Eu lhes peço, e se quiserem podem
começar em seguida; parece-me que já está próximo das dezoito horas…
O capitão tirou seu relógio, e vendo que não havia tempo a
perder, anunciou em voz alta:
— A Ave-Maria!
A estas palavras, cada um saiu das escotilhas e lançou-se no
convés. Mais de um, sem dúvida, já havia começado mentalmente a Saudação
Angélica, mas a interrompeu para vir tomar parte na prece geral.
De um extremo ao outro da Itália, essa oração, que cai em
uma hora solene, encerra o dia e abre a noite. Esse momento do crepúsculo, em
toda parte cheio de poesia, no mar se acresce de uma santidade infinita. Essa
misteriosa imensidade do ar e das ondas, esse sentimento profundo da fraqueza
humana comparada ao poder onipotente de Deus, essa escuridão que avança, e
durante a qual o perigo sempre presente vai ainda crescer, tudo isso predispõe
o coração a uma melancolia religiosa, a uma confiança santa que soergue a alma
nas asas da fé. Essa tarde sobretudo, o perigo do qual acabáramos de escapar, e
que nos era lembrado de tempos em tempos por uma onda encapelada ou rugidos
longínquos, tudo inspirava à tripulação e a nós um recolhimento profundo.
No momento em que nos juntávamos no convés, a noite começava
a tornar-se mais espessa no oriente. As montanhas da Calábria e a ponta do cabo
de Pelora perdiam sua bela cor azul para se confundir em uma tintura
acinzentada que parecia descer do céu, como se estivesse caindo uma fina chuva
de cinzas. A ocidente, um pouco à direita do arquipélago de Lipari, cujas ilhas
de formas extravagantes destacavam-se com vigor sobre um horizonte de fogo, o
sol alargado e listrado de longas faixas violetas começava a embeber a orla de
seu disco no Mar Tirreno, que, cintilante e movimentado, parecia rolar ondas de
ouro fundido.
Nesse momento o piloto levantou-se atrás da cabine e tomou
em seus braços o filho do capitão, que pôs de joelhos sobre o estrado.
Abandonando o leme, como se a embarcação estivesse suficientemente guiada pela
oração, sustentou o menino para que o balanço não lhe fizesse perder o
equilíbrio. Esse grupo singular destacou-se logo sobre um fundo dourado,
semelhante a uma pintura de Giovanni Fiesole ou de Benozzo Gozzoli. Com uma voz
tão fraca que apenas chegava até nós, e que entretanto subia até Deus, começou
a recitar a prece virginal, que os marinheiros escutavam de joelhos, e nós
inclinados.
Eis uma dessas lembranças para as quais o pincel é inábil e
a pena insuficiente; eis uma dessas cenas que nenhuma narração pode descrever,
nenhum quadro pode reproduzir, porque a sua grandiosidade está inteira no
sentimento íntimo dos atores que a realizam. Para um leitor de viagens ou um
amador das coisas do mar, será apenas uma criança que ora, homens que respondem
e um navio que flutua.
Mas para qualquer um que tiver assistido a uma cena
assim, será um dos mais magníficos espectáculos que ele tenha visto, uma das
mais magníficas lembranças que ele tenha guardado. Será a fraqueza que reza, a
imensidade que olha, e Deus que escuta.
Alexandre Dumas, Pai
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