«Juventude»
Conto de J. M. Coetzze
631- «JUVENTUDE»
Mesmo assim, não pode aceitar o fato de que a vida que está
levando ali em Londres não tem projeto nem sentido. Um século atrás, os poetas
enlouqueciam com ópio ou álcool, de forma que da iminência da loucura pudessem
emitir relatos de suas experiências visionárias. Por esses meios, tornavam-se
videntes, profetas do futuro. Ópio e álcool não estão nos planos dele, tem medo
do que possam fazer com sua saúde. Mas será que a exaustão e a melancolia não
são capazes de fazer o mesmo estrago? Será que viver na iminência de um colapso
psíquico não é tão bom quanto viver na iminência da loucura? Por que se
esconder num sótão na Margem Esquerda pelo qual não se pagou o aluguel, ou
vagar de café em café, barbudo, sem tomar banho, fedendo, esmolando bebidas dos
amigos, constitui um sacrifício maior, uma extinção maior da personalidade do
que vestir o terno preto e fazer um trabalho de escritório que destrói a alma,
e se submeter ou à solidão mortal ou ao sexo sem desejo? (…)
T.S. Eliot trabalhava num banco. Wallace Stevens e Franz
Kafka trabalhavam em companhias de seguros. À sua própria maneira, Eliot,
Stevens e Kafka não sofreram menos que Poe ou Rimbaud. Não há nenhuma desonra
em preferir imitar Eliot, Stevens e Kafka. Sua escolha é vestir um terno preto,
como eles vestiam, vesti-lo como um cilício, sem explorar ninguém, pagando a
viagem. Na era romântica, os artistas ficavam loucos em escala extravagante. A
loucura jorrava deles em resmas de versos delirantes ou grandes placas de
tinta. Essa era terminou: a loucura dele, se for eu destino sofrer de loucura,
será diferente – sossegada, discreta. Vai sentar-se num canto, rígido e
curvado, como o magistrado da gravura de Durer, esperando pacientemente passar
sua temporada no inferno. E, quando tiver passado, estará tanto mais forte por
ter resistido. Essa é a história que conta para si mesmo em seus dias melhores.
Nos outros dias, os maus dias, imagina se emoções monótonas como as suas jamais
alimentarão grande poesia.
J. M. Coetzee
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