quinta-feira, 1 de outubro de 2015

OUTROS CONTOS

«Juventude», por J. M. Coetzze.

«Juventude»
Conto de J. M. Coetzze

631- «JUVENTUDE»

Mesmo assim, não pode aceitar o fato de que a vida que está levando ali em Londres não tem projeto nem sentido. Um século atrás, os poetas enlouqueciam com ópio ou álcool, de forma que da iminência da loucura pudessem emitir relatos de suas experiências visionárias. Por esses meios, tornavam-se videntes, profetas do futuro. Ópio e álcool não estão nos planos dele, tem medo do que possam fazer com sua saúde. Mas será que a exaustão e a melancolia não são capazes de fazer o mesmo estrago? Será que viver na iminência de um colapso psíquico não é tão bom quanto viver na iminência da loucura? Por que se esconder num sótão na Margem Esquerda pelo qual não se pagou o aluguel, ou vagar de café em café, barbudo, sem tomar banho, fedendo, esmolando bebidas dos amigos, constitui um sacrifício maior, uma extinção maior da personalidade do que vestir o terno preto e fazer um trabalho de escritório que destrói a alma, e se submeter ou à solidão mortal ou ao sexo sem desejo? (…)

T.S. Eliot trabalhava num banco. Wallace Stevens e Franz Kafka trabalhavam em companhias de seguros. À sua própria maneira, Eliot, Stevens e Kafka não sofreram menos que Poe ou Rimbaud. Não há nenhuma desonra em preferir imitar Eliot, Stevens e Kafka. Sua escolha é vestir um terno preto, como eles vestiam, vesti-lo como um cilício, sem explorar ninguém, pagando a viagem. Na era romântica, os artistas ficavam loucos em escala extravagante. A loucura jorrava deles em resmas de versos delirantes ou grandes placas de tinta. Essa era terminou: a loucura dele, se for eu destino sofrer de loucura, será diferente – sossegada, discreta. Vai sentar-se num canto, rígido e curvado, como o magistrado da gravura de Durer, esperando pacientemente passar sua temporada no inferno. E, quando tiver passado, estará tanto mais forte por ter resistido. Essa é a história que conta para si mesmo em seus dias melhores. Nos outros dias, os maus dias, imagina se emoções monótonas como as suas jamais alimentarão grande poesia.

J. M. Coetzee

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