«Sobre a Escrita...»
Conto de Clarice Lispector
683- «SOBRE A ESCRITA…»
Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha
máquina é macio.
Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases?
A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas
como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a
barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito.
Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.
Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino
invólucro dos nossos pensamentos.
Sempre achei que o traço de um escultor é
identificável por uma extrema simplicidade de linhas.
Todas as palavras que
digo – é por esconderem outras palavras.
Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a
ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez
unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o
resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exactamente me unir a essa
palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca
fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a
eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta
proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade.
Simplesmente não há palavras.
Que não sei dizer é mais importante do que o que eu
digo. Acho que o som da música é imprescindível para o ser humano e que o
uso da palavra falada e escrita são como a música, duas coisas das mais altas
que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal, e mineral e vegetal
também. Sim, mas é a sorte às vezes.
Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que
fosse ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranquilidade
ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas
coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor
acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto
essencial. Todo homem tem sina obscura de pensamento que pode ser o de um
crepúsculo e pode ser uma aurora.
Simplesmente as palavras do homem.
Clarice Lispector
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