terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

OUTROS CONTOS

«O Idiota», por Fiódor Dostoiévski.
«O Idiota»
Fiódor Dostoiévski/ CarlosCartoons

731- «O IDIOTA»

[Excerto]

— Não  estaria  mal que jogássemos algum petit jeu – disse a senhora espevitada

— Conheço um petit jeu novo e magnífico – encareceu Fierdíchtchenco — Embora tivesse sido jogado uma vez só no mundo e mesmo então não obteve êxito

— E qual é? – perguntou a senhora espevitada.

— Vão ver: estávamos uma vez reunidos e havíamos bebido, a verdade é esta, quando, de repente, um de nós propôs que cada um, sem levantar-se de sua cadeira, contasse algo de seu, muito íntimo, em voz alta, mas algo que ele próprio, sinceramente, em consciência, considerasse a mais feia de todas as suas acções, feias, no decurso de toda sua vida; mas com a condição de que fosse sincero, isto era o principal, que fosse sincero, que não mentisse.

—  Estranha  ideia – disse o general.

—  Mas quanto mais estranha, general, tanto melhor.

— Pensamento ridículo – disse Tótski – embora, afinal, compreensível vaidade de uma índole especial.

— Talvez tivesse algo disso, Afanássi  Ivânovich.

— Mas tal petit jeu faria a gente chorar e não rir! – observou a senhora espevitada.

— A coisa é totalmente impossível e absurda – declarou Ptísin.

— E teve êxito? – indagou  Nastássia Filípovna.

— Já lhe disse que não, tornou-se antipática. Todos, efectivamente, contaram alguma anedota, muitos disseram a verdade e, imaginem, houve quem fizesse o relato com satisfação. Mas depois todos ficaram com vergonha e não puderam mais suportar aquilo. No fundo, aliás, foi uma coisa muito divertida, embora, está claro, em seu estilo.

— Mas na verdade não seria nada mal – observou Nastássia Filípovna, animando-se subitamente. — Não quereriam os senhores, deveras, experimentar? Na realidade, não parece que estejamos muito alegres. Se cada um dos senhores consente em contar algo…nesse estilo… é claro que espontaneamente, por sua própria vontade. Talvez nós pudéssemos suportar. Pelo menos, trata-se de algo enormemente original.

— Genial ideia – encareceu Fierdíchtchenco — as senhoras, naturalmente, ficam excluídas. Comecem os cavalheiros. A coisa se fará por sorte, como fizemos naquela ocasião. Vamos, vamos! Se alguém fizer muita questão de não tomar parte, não contará nada; mas será de sua parte muito pouco amável. Tirem a sorte senhores, aqui em meu chapéu. O príncipe a tirará. A coisa não pode ser mais simples. Referir à ação mais feia de toda a vida que se tenha praticado. Isto é muito fácil, senhores! Aqui está, vejam! Se alguém se esquecer, eu imediatamente o chamarei à ordem.

A ideia não foi do agrado de ninguém. Uns franziram a testa, outros sorriram ladinamente. Alguns fizeram objecções, embora não com muita energia, pois não queriam incorrer no desagrado de Nastássia Filípovna e tinham podido observar quão de seu agrado era aquela estranha ideia. Em seus caprichos era Nastássia Filipovna sempre irascível  e implacável, quando se decidia a manifestá-los, ainda que se tratasse dos desejos mais voluntariosos e mais inúteis para ela. E agora estava como que atacada de histerismo: tremia, ria convulsivamente, como presa de uma indisposição repentina, sobretudo diante das objecções do alarmado Tótski. Seus escuros olhos cintilavam; em suas faces pálidas acusavam-se duas manchas rubras.  Os matizes de contrariedade  e de esquivança da fisionomia de algum de seus amigos, talvez contribuíssem para tornar mais ousado ainda seu ridículo capricho: talvez o que mais precisamente lhe agradasse fossem o cinismo e a crueldade daquela ideia. Alguns tinham até a convicção de que tinha ela um especial objectivo nisso. Afinal de contas, acederam. Em todo o caso era curioso e, para mais de um, muito atraente. Fierdíchtchenco era o que mais barulho armava.

Fiódor Dostoiévski

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