«O Raio»
Conto de Italo Calvino
878- «O RAIO»
Aconteceu-me uma vez, num cruzamento, no meio da multidão,
no vaivém.
Parei, pisquei os olhos: não entendia nada. Nada,
rigorosamente nada: não entendia as razões das coisas, dos homens, era tudo sem
sentido, absurdo. E comecei a rir.
Para mim, o estranho naquele momento foi que eu não tivesse
percebido isso antes. E tivesse até então aceitado tudo: semáforos, veículos,
cartazes, fardas, monumentos, essas coisas tão afastadas do significado do
mundo, como se houvesse uma necessidade, uma coerência que ligasse umas às
outras.
Então o riso morreu em minha garganta, corei de vergonha.
Gesticulei, para chamar a atenção dos passantes e – Parem um momento! – gritei
– tem algo estranho! Está tudo errado! Fazemos coisas absurdas! Este não pode
ser o caminho certo! Onde vamos acabar?
As pessoas pararam ao meu redor, me examinavam, curiosas. Eu
continuava ali no meio, gesticulava, ansioso para me explicar, torna-las participantes
do raio que me iluminara de repente: e ficava quieto. Quieto, porque no momento
em que levantei os braços e abri a boca a grande revelação foi como que
engolida e as palavras saíram de mim assim, de chofre.
- E daí? – perguntaram as pessoas. – O que o senhor quer
dizer? Está tudo no lugar. Está tudo andando como deve andar. Cada coisa é
consequência da outra. Cada coisa está vinculada às outras. Não vemos nada de
absurdo ou de injustificado!
E ali fiquei, perdido, porque diante dos meus olhos tudo
voltara ao seu devido lugar e tudo me parecia natural, semáforos, monumentos,
fardas, arranha-céus, trilhos de trem, mendigos, passeatas; e no entanto não me
sentia tranquilo, mas atormentado.
- Desculpem – respondi. – Talvez eu é que me tenha enganado.
Tive a impressão. Mas está tudo no lugar. Desculpem. – E me afastei entre seus
olhares severos.
Mas, mesmo agora, toda vez (frequentemente) que me acontece
não entender alguma coisa, então, instintivamente, me vem a esperança de que
seja de novo a boa ocasião para que eu volte ao estado em que não entendia mais
nada, para me apoderar dessa sabedoria diferente, encontrada e perdida no mesmo
instante.
Italo Calvino
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