«Disperso», conto poético por Matias José com mote de Mário de Sá-Carneiro.
«Dispersão» versus «Disperso»
Ilustração de José Pacheco/ 1913
971- «DISPERSÃO»
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...
Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.
Mário de Sá-Carneiro
972- «DISPERSO»
Nascido introvertido…
Sem mais nem menos,
Achei os dias pequenos
E as noites com sentido.
Pensei no tempo vivido
E como lhe dar um fim,
A vida é mesmo assim
O que passou, não volta…
Quando se deu a revolta,
Perdi-me dentro de mim!
Procurei em 'ene' parte
Um rasto do passado…
O relógio tinha parado,
Os ponteiros já sem arte.
Usei porta-estandarte
Como último instinto,
Brindei com absinto
Pra não mais o encontrar…
Difícil de me achar
Porque eu era um labirinto.
O tempo passa a fugir
Eu mal por isso dou,
Não sei se ainda estou
Nesse tempo que há de vir;
Quis de mim partir
E dar-me como extinto,
Com certeza indistinto
O que viesse a suceder…
Esteve ontem a acontecer,
E hoje, quando me sinto.
Foi traçado o destino
Pela madre que pariu…
Afinal sempre existiu
Esse tempo de menino.
Tudo mui repentino
E sem disso estar afim,
Recordo-me hoje enfim
Dos tempos de criança…
Se me vem à lembrança,
É com saudades de mim!
Matias José
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