«Os Três Astronautas»
Conto de Umberto Eco
979- «OS TRÊS ASTRONAUTAS»
Era uma vez a Terra.
E era uma vez Marte.
Estavam muito longe um do outro, no meio do céu, e ao redor
havia milhões de planetas e galáxias.
Os homens que habitavam a Terra queriam chegar a Marte e aos
outros planetas, mas eles estavam muito longe!
De qualquer maneira, começaram a trabalhar. Primeiro
lançaram satélites que giravam dois dias ao redor da Terra e logo regressavam.
Depois lançaram foguetes que davam voltas ao redor da Terra,
mas, ao invés de regressar, ao final fugiam da atracção terrestre e partiam para
o espaço infinito.
No começo, nos foguetes, colocaram cachorros, mas os
cachorros não sabiam falar, e através do rádio transmitiam só "au-au"
. E os homens não podiam entender o que tinham visto nem onde tinham chegado.
Ao final encontraram homens valentes que quiseram ser
astronautas. O astronauta era assim denominado porque partia para explorar os
astros no cosmos, que dizer, o espaço infinito, com os planetas, as galáxias e
tudo o que nos rodeia.
Os astronautas, ao partirem, ignoravam se poderiam
regressar. Queriam conquistar as estrelas para que um dia todos pudessem viajar
de um planeta a outro, porque a Terra havia-se tornado muito pequena e os
homens cresciam diariamente.
Um belo dia partiram da Terra, saindo de três pontos
diferentes, três foguetes.
No primeiro ia um americano, que assobiava muito alegre um
trecho de jazz.
No segundo ia um russo, que cantava com uma voz grave:
'Volga, Volga' .
No terceiro ia um negro que sorria feliz, com os dentes
muito brancos em sua cara negra. De facto, naqueles tempos, os habitantes da
África, que finalmente eram livres, tinham-se demonstrado tão hábeis quanto os
brancos para construir cidades, máquinas e, naturalmente, para ser cosmonautas.
Os três queriam chegar primeiro a Marte para demonstrar quem
era o mais valente. O americano, com efeito, não gostava do russo e o russo não
gostava do americano. E tudo porque o americano para dizer bom dia dizia
"how do you do" e o russo dizia "zgpabctbyutge".
Por isso não se compreendiam e se achavam diferentes.
Os dois, além do mais, não queriam saber do negro porque ele
tinha uma cor diferente.
Por isso não se compreendiam.
Como os três astronautas eram muito valentes, chegaram a
Marte quase ao mesmo tempo.
Chegou a noite. Havia em torno deles um silêncio esquisito,
e a Terra brilhava no céu como se fosse uma estrela longínqua.
Os astronautas se sentiam tristes e perdidos e o americano,
no escuro, chamou a mãe dele.
Disse: "Mamie".
E o russo disse: "Mama".
E o negro disse: "Mbamba".
Mas logo compreenderam que estavam dizendo a mesma coisa e
que tinham os mesmos sentimentos. Foi assim que sorriram entre si,
aproximaram-se, juntos acenderam um bom foguinho, e cada um cantou canções de
seu país. Então armaram-se de coragem e, enquanto esperavam o amanhecer,
aprenderam a conhecer-se.
Por fim, fez-se o dia. Fazia muito frio. De repente, de um
grupinho de árvores saiu um marciano. Era realmente horrível vê-lo! Era todo
verde, tinha duas antenas no lugar das orelhas, uma tromba e seis braços.
Olhou para eles e disse: "Grrrr!"
Em seu idioma queria dizer: "Mãezinha querida! Quem são
esses seres tão horríveis?"
Mas os terráqueos não o compreenderam e pensaram que seu
grito era um rugido de guerra.
Foi assim que decidiram matá-lo com seus desintegradores atómicos.
Mas de repente, no meio do enorme frio do amanhecer, um
passarinho marciano, que evidentemente tinha fugido do ninho, caiu no chão
tremendo de frio e medo. Piava desesperado, mais ou menos como um passarinho
terráqueo. Dava muita pena. O americano, o russo e o negro olharam para ele e
não puderam conter uma lágrima de compaixão.
Nesse momento, aconteceu algo muito esquisito. Também o
marciano aproximou-se do passarinho, olhou para ele e deixou escapar dois fios
de fumaça da tromba. E os terráqueos, naquele instante, compreenderam que o
marcianinho estava chorando, a sua maneira, como choram os marcianos..
Depois viram que se inclinava sobre o passarinho e o
carregava entre seus seis braços tratando de aquecê-lo.
O negro, que em outros tempos tinha sido perseguido porque
tinha pele negra e por isso mesmo sabia como são as coisas, disse a seus dois
amigos terráqueos:
"Vocês viram? Pensávamos que este monstro era diferente
de nós, mas ele também ama os animais, sabe comover-se, tem um coração e sem
dúvida um cérebro! Vocês ainda pensam que temos que matá-lo?"
Não era necessário fazer tal pergunta.
Os terráqueos já haviam aprendido a lição. Duas pessoas
serem diferentes não significa que elas devam ser inimigas.
Portanto, aproximaram-se do marciano e estenderam a mão. E
ele, que tinha seis, deu a mão aos três ao mesmo tempo, enquanto fazia gestos
de cumprimentos com as mãos que ficavam livres.
E apontando para a Terra, distante no céu, fez entender que
desejava viajar até lá, para conhecer outros habitantes e estudar junto com
eles a forma de fundar uma grande república espacial na qual todos se amassem e
estivessem de acordo. Os terráqueos disseram que sim entusiasmados.
Haviam compreendido que, tanto na Terra como em outros
planetas, cada um tem seus próprios costumes, sendo necessário somente compreender-se
mutuamente.
Umberto Eco
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