«A Experiência do Doutor Heidegger»
Conto de Nathaniel Hawthorne
1043- «A EXPERIÊNCIA DO DOUTOR HEIDEGGER»
Aquele homem estranho, o velho Dr. Heidegger, convidou certa
vez quatro respeitáveis amigos a fazerem uma visita ao seu laboratório. Eram
três cavalheiros de barbas brancas – o Sr. Medbourne, o coronel Killigrew, o
Sr. Gascoigne e uma velha dama conhecida por a viúva Wycherly – todos criaturas
idosas e melancólicas que haviam sido infelizes na vida e cujo maior infortúnio
era o de não repousarem há já muito nos seus túmulos. O Sr. Medbourne, em
tempos um próspero negociante, tudo perdera numa especulação arriscada, e agora
quase não passava de um mendigo. O coronel Killigrew consumira os melhores anos
da sua vida, bem como a sua saúde e a sua fortuna, na busca de prazeres
pecaminosos, que haviam dado origem a uma série de doenças, tais como a gota e
diversos outros tormentos do espírito e do corpo. O Sr. Gascoigne, um político
arruinado, gozara de péssima reputação, pelo menos até que o tempo o fez apagar
da memória, e para a actual geração, em vez de um infame, se tornou um
desconhecido. Quanto à viúva Wycherly, a tradição dizia que fora uma grande
beleza na juventude; mas desde há muito que vivia na mais completa reclusão
devido a certas histórias escandalosas que a haviam prejudicado no conceito das
pessoas da cidade. Merece menção especial o fato de estes três cavalheiros – o
Sr. Medbourne, o coronel Killigrew e o Sr. Gascoigne terem sido todos amantes
da viúva Wycherly e quase se haverem matado uns aos outros por sua causa. E,
antes de prosseguir, apenas referirei que tanto o Dr. Heidegger como os seus
quatro convidados eram, por vezes, considerados um pouco extravagantes — como
acontece frequentemente com as pessoas idosas, quando preocupadas com os seus
males presentes ou recordações amargas.
— Meus queridos e velhos amigos — começou o Dr. Heidegger,
convidando-os a sentarem-se — , preciso do vosso auxílio para uma daquelas
pequenas experiências com que me costumo entreter, aqui, no meu laboratório.
Se o que se contava era verdade, o laboratório do Dr.
Heidegger devia ser um lugar deveras curioso. Tratava-se de um compartimento
escuro e antiquado, engrinaldado de teias de aranha e coberto de pó. Nas
paredes havia várias estantes de carvalho, cujas prateleiras inferiores estavam
carregadas com rimas de in-fólios gigantescos e in-quartos em letra gótica, e
as superiores, de pequenos in-duodécimos encadernados em pergaminho. Sobre a
estante central havia um busto de bronze de Hipócrates, ao qual, segundo
algumas pessoas dignas de crédito, o doutor costumava pedir conselho em todos
os casos difíceis do seu mister. No canto mais escuro do compartimento existia
um armário estreito e alto, de carvalho, com a porta entreaberta, dentro do
qual dificilmente se distinguia um esqueleto. Entre duas estantes estava
pendurado um espelho, alto e empoeirado, dentro de uma moldura dourada, com
algumas manchas. Entre as muitas histórias maravilhosas que se contavam acerca
desse espelho, corria uma, segundo a qual os espíritos de todos os defuntos
pacientes do médico habitavam no seu interior e costumavam fitar-lhe o rosto,
sempre que ele olhava para lá. A parede oposta do compartimento estava
ornamentada com o retrato de uma jovem, em tamanho natural, magnificente
vestida de seda, cetim e brocado, já desbotados, e de rosto tão desbotado como
o vestuário. Há mais de meio século, o Dr. Heidegger estivera para casar com
esta jovem; porém, acometida por uma indisposição ligeira, ela tinha tomado uma
das receitas do seu apaixonado e morrera na noite de núpcias. Mas a curiosidade
mais interessante do laboratório não foi ainda mencionada: trata-se de um
pesado volume, encadernado em pele negra e com fechos de prata maciça. Não
tinha letras na capa, e ninguém sabia qual o seu título. Era, contudo, crença
geral que se tratava de um livro de magia; e, quando certa vez uma criada o
levantara, apenas para lhe limpar o pó, o esqueleto remexera-se no armário, o
retrato da jovem dera um passo para o chão, e vários rostos pálidos haviam
espreitado de dentro do espelho, enquanto a cabeça bronzeada de Hipócrates
franzia as sobrancelhas, exclamando:
— Pára!
Era assim o laboratório do Dr. Heidegger. Naquela tarde de
Verão em que decorre a nossa história, no centro do quarto via-se uma pequena
mesa redonda, negra como o ébano, sobre a qual se encontrava um vaso de vidro
lapidado, de rara beleza. O sol penetrava pela janela, através das pesadas
grinaldas de duas cortinas de damasco desbotadas, e incidia directamente sobre o
vaso, de tal maneira que nos rostos pálidos das cinco pessoas sentadas em
derredor se reflectia uma luz suave. Em cima da mesa havia também quatro taças
de cristal.
— Meus queridos e velhos amigos — repetiu o Dr. Heidegger —
posso contar com a vossa ajuda para realizar uma experiência extremamente
curiosa?
Ora o Dr. Heidegger era um velho muito estranho, cujas
excentricidades haviam dado azo a mil histórias fantásticas. Algumas delas,
confesso-o, poder-me-ão ser atribuídas e, se certas passagens da que estou a
narrar espantarem a credulidade do leitor, terei de me conformar em ser apodado
de inventor de fantasias.
Quando os quatro convidados do médico o ouviram referir-se à
experiência que se propunha realizar, imaginaram que se trataria de qualquer
coisa como o assassínio: o de um rato numa máquina pneumática, ou da observação
de uma teia de aranha ao microscópio, ou de qualquer outro disparate deste
género, com que tinha por hábito causticar os seus íntimos. Mas, sem esperar
por resposta, o Dr. Heidegger atravessou o quarto, coxeando, e voltou com o tal
livro volumoso, encadernado em pele negra, que os espíritos mais fracos
acreditavam ser um livro de magia. Abrindo os fechos de prata, folheou o volume
donde tirou uma rosa, ou melhor, o que fora em tempos uma rosa, embora as
folhas verdes e as pétalas rubras tivessem adquirido uma tonalidade acastanhada
e a flor velha parecesse prestes a desfazer-se em pó nas mãos do médico.
— Esta rosa — disse o Dr. Heidegger, soltando um suspiro —
esta flor seca e a desfazer-se em pó tem cinquenta e cinco anos. Deu-me Silvia
Ward, cujo retrato está pendurado além. Tencionava usá-la na lapela, no dia do
nosso casamento. Guardei-a religiosamente, durante cinquenta e cinco anos,
entre as folhas deste velho livro. Acaso acreditais que esta rosa, com meio
século de existência, possa florir de novo?
— Que tolice! — exclamou a viúva Wycherly, sacudindo
impacientemente a cabeça. — É o mesmo que perguntar se o rosto enrugado de uma
mulher velha poderia alguma vez rejuvenescer.
— Então vede! — respondeu o Dr. Heidegger.
Abriu o frasco e lançou a rosa murcha dentro da água que ele continha. A princípio a flor flutuou, parecendo não absorver humidade alguma. Em breve, contudo, começou a tornar-se perceptível uma modificação singular. As pétalas secas e murchas agitaram-se e adquiriram uma tonalidade mais viva, como se a flor ressuscitasse de um sono que se diria eterno; a haste delgada e os rebentos da folhagem tornaram-se verdes; e eis que a rosa envelhecida após meio século aparecia tão fresca como no dia em que Silvia Ward a dera ao noivo. Ainda não estava inteiramente desabrochada, porque algumas das suas delicadas pétalas encarnadas se enrolavam modestamente em volta da corola húmida, dentro da qual brilhavam duas ou três gotas de orvalho.
— Não há dúvida que se trata de uma tramóia muito hábil —
comentaram os amigos do médico. Disseram-no, porém, despreocupadamente, pois já
haviam presenciado milagres maiores feitos por prestidigitadores de feiras. —
Explique-nos como se realiza.
— Nunca ouviram falar na Fonte da Juventude? —
perguntou o Dr. Heidegger. — Aquela que Ponce De León, o famoso aventureiro
espanhol, foi procurar há dois ou três séculos?
— Mas ele chegou a encontrá-la? — inquiriu a viúva Wycherly.
— Não — respondeu o Dr. Heidegger — , porque nunca a
procurou onde devia. A famosa Fonte da Juventude, se na verdade estou bem
informado, encontra-se na parte sul da península da Florida, não longe do Lago
Macaco. A nascente está tapada por algumas magnólias gigantes que, embora
seculares, se conservam viçosas como violetas, graças às virtudes desta água
maravilhosa. Um conhecido meu, sabendo da minha curiosidade por tais assuntos,
enviou-me a água que vêem neste vaso.
— Ah! — troçou o coronel Killigrew, que não acreditara numa
só palavra da história do médico.
— E qual será o efeito deste fluído no corpo humano?
— E qual será o efeito deste fluído no corpo humano?
— Poderá avaliá-lo o senhor mesmo, meu caro coronel —
respondeu o Dr. Heidegger — e a todos vós, respeitáveis amigos, vos convido a
servir-vos deste líquido prodigioso, tanto quanto precisardes para
rejuvenescerdes. Por mim, como me foi difícil atingir esta idade, não tenho
pressa em rejuvenescer. Com a vossa permissão, portanto, limitar-me-ei a
observar a marcha da experiência.
Enquanto falava, o Dr. Heidegger enchera as quatro taças com
a água da Fonte da Juventude. Estava impregnada, aparentemente, de um gás
efervescente, pois bolhas pequenas subiam continuamente à superfície, formando
aí uma espuma prateada. Como o líquido exalava um perfume agradável, os velhos
não duvidavam que ele possuía propriedades estimulantes e reconfortantes. E,
embora extremamente cépticos quanto ao seu poder de rejuvenescimento, estavam decididos
a bebê-lo imediatamente. O Dr. Heidegger, porém, rogou-lhes que esperassem um
momento.
— Antes de beberdes, meus velhos amigos — disse — seria bom
que, com a experiência de uma vida para vos orientar, estabelecêsseis umas
quantas regras gerais para vos guiardes, ao passar uma segunda vez pelos
perigos da juventude. Pensai que vergonhoso pecado seria se, com essa vantagem,
não vos tornásseis modelos de virtude e sabedoria aos olhos de todos os jovens!
Os quatro veneráveis amigos do médico responderam apenas com
uma gargalhada fraca e trémula, tão ridícula acharam a ideia de que, sabendo
quão de perto o arrependimento se segue aos erros cometidos, poderiam
extraviar-se de novo.
— Bebam, então — convidou o médico, fazendo uma vénia. —
Regozijo-me por tê-los escolhido para a minha experiência.
Eles levaram as taças aos lábios com as mãos trémulas. O
líquido, se de fato possuía as propriedades que o Dr. Heidegger lhe atribuía,
não poderia ter sido aplicado em quatro seres humanos mais necessitados.
Parecia não terem jamais conhecido o que fosse a juventude ou o prazer, e serem
antes um resultado de um erro da natureza e sempre haverem sido criaturas
encanecidas, decrépitas, secas e miseráveis, que ali estavam sentadas, todas
curvadas, à volta da mesa do médico, já sem ânimo suficiente, no corpo e no
espírito, nem sequer para cobrarem alento com a perspectiva de rejuvenescerem.
Beberam a água e tornaram a colocar as taças sobre a mesa.
Houve, sem dúvida, uma melhoria quase imediata no aspecto do
grupo – não diferente da que teria produzido um copo de vinho generoso –
juntamente com um súbito rubor de excitação, que lhes fez resplandecer o rosto.
Espalhou-se por suas faces uma tonalidade saudável, substituindo o tom da cinza
que lhes dava um aspecto cadavérico. Fitaram-se uns aos outros e acreditaram
que, realmente, um estranho poder mágico começara a apagar os traços profundos
e tristes que o Tempo há muito lhes vinha gravando no rosto. A viúva Wycherly
compôs a touca, como se de novo se sentisse quase uma jovem.
— Dê-nos mais um pouco desta água maravilhosa! — gritaram
ansiosamente. — Estamos mais novos, mas ainda demasiado velhos. Depressa,
dê-nos mais.
— Calma, calma! — aconselhou o Dr. Heidegger que, sentado,
observava a experiência com tranquilidade filosófica. — Demorastes tanto tempo
a envelhecer que vos devíeis sentir satisfeitos por rejuvenescerdes em meia
hora! Mas a água está à vossa disposição.
Tornou a encher-lhes as taças com o líquido da juventude, e
no vaso ainda sobrou o suficiente para fazer voltar à idade dos seus netos
metade da gente da velha cidade. O líquido borbulhava ainda à superfície e já
os quatro convidados do médico arrebatavam os copos de cima da mesa,
despejando-os de um trago. Seria ilusão? Apenas lhes escorria pela garganta, e
parecia ter já operado uma modificação em todo o organismo. Os olhos
tornaram-se mais claros e brilhantes; entre os cabelos prateados apareceu um
tom mais escuro; sentados à volta da mesa estavam três cavalheiros de
meia-idade e uma mulher pouco para além da primavera da vida.
— Minha querida, está encantadora! — gritou o coronel
Killigrew, cujos olhos se haviam fixado no rosto da dama, enquanto as sombras
da idade nele se desvaneciam, qual escuridão cedendo ao rubor do amanhecer.
A bela viúva sabia, desde há muito, que os galanteios do
coronel Killigrew nem sempre correspondiam à verdade; por isso, ergueu-se e
correu para o espelho, temendo ir ainda deparar com o rosto de uma velha.
Entretanto os três homens comportavam-se de maneira a provar que a água da Fonte
da Juventude possuía propriedades inebriantes; a não ser que, na verdade,
a sua jovialidade de espírito fosse apenas uma vertigem ligeira, causada pela
emoção do súbito rejuvenescimento. O espírito do Sr. Gascoigne parecia divagar
sobre assuntos políticos, mas não se poderia determinar facilmente se se
referiam ao passado, ao presente ou ao futuro, visto nos últimos cinquenta anos
terem estado em voga as mesmas ideias e frases. Compunha frases inflamadas
acerca do patriotismo, da glória nacional e dos direitos do povo; em seguida,
comentava qualquer assunto perigoso, num cochichar astuto e ambíguo, tão
cautelosamente, que até mesmo à sua própria consciência parecia não revelar o
segredo; depois, começava a falar de novo com inflexões pausadas e num tom de deferência
profunda, como se ouvidos reais estivessem a escutar os seus períodos bem
construídos. Durante todo este tempo, o coronel Killigrew cantarolava uma
canção jovial, fazendo tilintar a taça em compasso com a música, enquanto os
olhos se lhe desviavam na direcção da figura jovem da viúva Wycherly. No outro
lado da mesa, o Sr. Medbourne estava embrenhado em cálculos de dólares e
centavos, que entremeava curiosamente com um projecto para fornecer gelo à
Índia, atrelando uma parelha de baleias aos icebergues polares.
Quanto à viúva Wycherly, essa permanecia em frente do
espelho, namorando a sua própria imagem, para a qual sorria tolamente,
saudando-a como ao amigo que mais amasse no mundo. Por vezes aproximava-se mais
do espelho para verificar se uma ou outra ruga ou pé-de-galinha, muito seus
conhecidos, tinham realmente desaparecido. Certificou-se, também, de que a neve
dos seus cabelos já se derretera totalmente, podendo assim retirar sem perigo a
touca respeitável. Por fim, afastando-se rapidamente, aproximou-se da mesa em
passo saltitante.
— Caro doutor — gritou — , por favor, dê-me mais uma taça!
— Pois não, querida senhora, pois não! — retorquiu
amavelmente o médico. — Veja! Já tinha enchido outra vez as taças.
De facto lá estavam as quatro taças, cheias até às bordas
dessa água maravilhosa cuja espuma delicada, fervendo à superfície, tinha o
brilho trémulo dos diamantes. Entretanto, como a noite se aproximava, ficava a
pouco e pouco mais escuro do que nunca; mas um resplendor suave e parecido com
o luar que cintilava no interior do vaso envolvia os quatro convidados e a
figura venerável do médico. Este estava sentado numa cadeira de braços, de
espaldar alto e artisticamente esculpida, com respeitável dignidade, que
quadraria bem até ao próprio Pai Tempo, cujo poder jamais foi discutido, a não
ser por este grupo afortunado. Mesmo enquanto engoliam o terceiro copo de água
da Fonte da Juventude se sentiam quase aterrados pela expressão
misteriosa do seu rosto.
Momento depois, contudo, a torrente alegre da juventude
percorreu-lhe as veias. Estavam agora nos dias felizes da mocidade. A idade,
com a sua série triste de cuidados, mágoas e doenças, era recordada apenas como
um pesadelo de que o haviam despertado alegremente. A frescura da alma, tão
cedo perdida, e sem a qual as sucessivas mutações da vida não passavam de uma
sucessão de cenas descoloridas, lançou de novo o seu encanto sobre todas as
suas perspectivas. Sentiam-se como seres recém-criados, num mundo recém-criado.
— Somos jovens! Somos jovens! — gritaram exultantes.
A juventude, do mesmo modo que a idade provecta, apagara as
características profundamente vincadas da meia-idade, e a todos da mesma forma.
Formavam um grupo de jovens alegres, quase enlouquecidos pelo júbilo exuberante
próprio dos seus anos. A consequência mais curiosa da sua jovialidade era o
impulso para troçarem da enfermidade e decrepitude de que haviam sido vítimas.
Riam alto dos fatos antiquados, dos casacos largos e dos coletes escorridos que
usavam os três jovens, e da touca e do vestido, já em desuso, da viçosa moça.
Um deles simulou manquejar pelo quarto como um avô artrítico, outro equilibrou
um par de óculos no nariz e fingiu esquadrinhar as páginas de letras negras do
livro de magia; o terceiro sentou-se numa cadeira de braços e procurou imitar a
dignidade respeitável do Dr. Heidegger. Todos gritaram alegremente e começaram
a pular pelo quarto. A viúva Wycherly — se a uma jovial donzela assim se pode
chamar — encaminhou-se para a cadeira do médico, com uma expressão alegremente
maliciosa na face rosada.
— Doutor, meu querido amigo — exclamou — , levante-se e
venha dançar comigo! — E os quatro jovens riram então mais alto do que nunca ao
pensarem na figura ridícula que o pobre velho médico faria.
— Peço-lhe que me desculpe — respondeu o médico calmamente.
— Sou velho e reumático, e os meus dias de dançarino terminaram há muito.
Creio, porém, que qualquer destes jovens cavalheiros se sentirá feliz com um
par tão adorável.
— Dance comigo, Clara! — pediu o coronel Killigrew.
— Não, não, eu é que serei o seu par! — gritou o Sr.
Gascoigne.
— Ela prometeu casar-se comigo há cinquenta anos! — exclamou
o Sr. Medbourne.
Juntaram-se todos à sua volta. Um deles tomou-lhe as mãos
apaixonadamente; outro passou-lhe o braço à volta da cintura; e o terceiro
afundou as mãos entre as ondas de cabelo brilhante que se amontoavam sob a
touca. Corando, arquejando, lutando, ralhando, rindo, com o seu hálito quente
bafejando-lhes os rostos, alternadamente, ela procurou libertar-se,
permanecendo contudo entre o triplo abraço. Formavam o mais encantador dos
quadros de rivalidade juvenil, cujo prémio fosse uma beleza feiticeira.
Todavia, por uma ilusão estranha devida à escuridão do compartimento e aos
trajes antiquados que continuavam a usar, dir-se-ia que o espelho reflectia as
figuras de três velhos cavaleiros, enrugados e de cabelos brancos, disputando
ridiculamente por causa de uma feia dama, esquelética e cheia de rugas.
Mas eles eram jovens: assim lhe provavam as suas paixões
avassaladoras. Inflamados até à loucura pela garridice da jovem viúva, que nem
concedia nem negava por completo os seus favores, os três rivais começaram a
trocar olhares de ameaça. Não deixando de segurar a sua bela presa, agarraram
ferozmente os pescoços uns dos outros. Ao lutarem de um lado para o outro,
derrubaram a mesa, e o vaso partiu-se em mil pedaços. A preciosa água da Fonte
da Juventude correu pelo chão, num rio cintilante, umedecendo as asas de
uma borboleta, que, já velha, tinha ali pousado para morrer. O inseto esvoaçou
levemente pelo quarto e foi pousar nos alvos cabelos do Dr. Heidegger.
— Então, então, cavalheiros! Então, Sr.a Wycherly! —
protestou o médico. — A que se deve toda esta algazarra?
Eles aquietaram-se, estremecendo: parecia que o Tempo os
chamava da sua juventude radiante bem para o fundo do vale da vida, escuro e
gelado. Olharam para o Dr. Heidegger, sentado na sua cadeira de braços,
segurando na mão a rosa velha de meio século, que ele salvara dentre os
fragmentos do vaso despedaçado. Fez um sinal com a mão e os quatro desordeiros
retomaram os seus lugares, sem pressas, porque o exercício violento cansara-os,
embora fossem jovens.
— Pobre rosa da minha querida Sílvia! — murmurou o Dr.
Heidegger, segurando-a contra a luz do entardecer. — Parece que vai murchar de
novo.
E era verdade. Enquanto o grupo a fitava, a flor continuava
a murchar, até que ficou tão seca e frágil como quando o médico a colocara pela
primeira vez dentro do vaso. Então, o Dr. Heidegger sacudiu umas gotas de água
que tinham ficado agarradas às pétalas.
— Gosto tanto dela assim! É como se estivesse viçosa! —
observou, apertando a rosa murcha contra os lábios ressequidos. Enquanto
falava, a borboleta veio cair-lhe na cabeça, tombando a seguir sobre o soalho.
Os convidados estremeceram de novo. Um frio estranho, que
eles não sabiam dizer se provinha do corpo ou da alma, apossava-se gradualmente
deles. Olhavam-se uns aos outros e imaginavam que cada minuto que passava lhes
arrebatava um encanto, deixando uma ruga profunda onde anteriormente não
existia nenhuma. Seria ilusão? Seria possível que as alterações do Tempo se
produzissem em tão curto espaço? Seriam eles agora quatro velhos, sentados ao
pé do seu velho amigo Dr. Heidegger?
— Ficamos velhos, outra vez, tão depressa? — gritaram
tristemente.
Na realidade, assim acontecera. A Água da Juventude possuía
apenas um poder ainda mais passageiro do que o do vinho. A euforia que
provocara desvanecera-se. Sim! Eram outra vez velhos. Num impulso trémulo, que
provava que era ainda mulher, a viúva cobriu a cara com as mãos descarnadas e
desejou que a tampa do caixão lha escondesse imediatamente, pois jamais
voltaria a ser bela.
— Sim, meus amigos, sois velhos outra vez. — confirmou o Dr.
Heidegger. — E vede! A Água da Juventude está toda derramada no chão.
Bem, não o lamento, porque, embora a fonte corresse à minha porta, não me
debruçaria para molhar os lábios. Não, ainda que o seu efeito durasse anos e
não momentos. Foi esta a lição que aprendi convosco.
Mas a lição não aproveitou aos quatro amigos do médico.
Resolveram imediatamente fazer uma peregrinação à Florida e beber na Fonte
da Juventude, de manhã, à tarde e à noite.
Nathaniel Hawthorne
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