«In Memoriam»
Impacto nas Torres Gémeas
1902- «IN MEMORIAM»
[O dia em que o inferno aterrou na City]
Naquele dia 11 de Setembro soltaram-se as feras e invadiram
a baixa da cidade. Muitos transeuntes, habituados à confusão de gentes e
ocorrência de acontecimentos insólitos, pensaram tratar-se da rodagem de mais
um filme da série “Assalto ao Arranha-Céus”, com efeitos
especiais indelevelmente reais.
Foi quando o roncar ensurdecedor de um avião,
muito perto do chão da “down Town”, atraiu a minha atenção para aquela parte do
céu (inferno) onde se deslocava. Antevi que aquele avião
de fuselagem negra, pintado pelo efeito de contra luz do início da manhã,
apesar de continuar a julgar ser uma simulação para efeitos especiais, ia
chocar com uma das Torres gémeas do World Trade Center, símbolo do poder e do
cosmopolitismo da City.
O avião entrou pela Torre norte adentro, libertando para
trás o ribombar de um descomunal trovão e expelindo um cogumelo imenso de
chamas. Tudo à minha volta tremeu… gritos de pânico dão agora um aspecto mais
condizente com a realidade, que eu confirmo quando vejo uma miríade de
objectos, uns maiores, outros mais pequenos, que se libertam da nuvem densa de
pó e caiem por todo o lado. Procuro irrisoriamente abrigo debaixo de um toldo
de um café de esquina, onde penso estar sob protecção. Um turbilhão de papéis
esvoaçam entre manchas multiformes de pó que vai uniformizando o colorido desta
parte da cidade, sempre muito matizado. Do meu abrigo tenho ângulo para ver as
duas Torres, como que encostadas uma à outra, da mais afastada saindo labaredas
da parede metálica esventrada do edifício, lá bem alto. De súbito outra vez o
roncar, agora medonho, de um motor… e a sombra enorme de outro avião parece que
também nos transporta, a nós visitantes incógnitos da baixa da cidade…
A cena repete-se na Torre sul, de onde é expelido
outro cogumelo monstruoso de chamas e denso fumo negro.
Colado ao chão pelo irreal do que está a acontecer, sou
arrastado por uma multidão que foge desordenadamente do ponto da catástrofe.
Tento ultrapassar o pânico que tomou conta de tudo e de todos. Uma miríade de
pequenos pedaços de metal, ainda incandescentes, atinge o solo como pequenas
“estrelas cadentes”. Olho incrédulo para as duas Torres gémeas, brutalmente
esventradas pelo impacto das aeronaves. Vejo que as chamas tomaram conta de
vários andares na zona superior das Torres.
Mas… há gente pendurada para o exterior dos edifícios… ó meu
Deus… adivinha-se que alguém acena com um objecto branco, talvez um lenço,
sinalizando a sua presença no desespero de um socorro, uma ajuda, para sair do
inferno que aterrou bem cedo de manhã no World Trade Center.
Dou comigo a gritar: -não posso crer…, não posso crer no que
os meus olhos vêem… é um filme de terror inimaginável!... …dois vultos humanos
caiem no vazio de mãos dadas… quero desviar o meu olhar do seu drama, em
respeito pela coragem dos seus últimos momentos de união… …mas não consigo…
…acompanho-os até que deixo de vê-los quase a tocar o fim. Oiço nitidamente o
som arrepiante do embate no solo.
Alguém grita: «a Torre sul vem abaixo». Instantaneamente
todos param para ver a Torre sul desmoronar-se… cair a pique e afundar-se numa
massa fantasmagórica de cimento derretido. Ouve-se um rugido diabólico e uma
gigantesca onda de pó, escombros e detritos atira-se em todas as direcções. O
movimento volta a iniciar-se descoordenadamente…, alguém fica sentado no chão
coberto de pó, sem forças, ou simplesmente encostado a um candeeiro de rua,
preso à angústia do que parece ser o fim do mundo. Gritos e lamentos ecoam por
todo o lado, imperceptíveis mas traduzidos todos do mesmo modo, misturados com
o soar de sirenes.
Afasto-me em direcção ao rio Hudson, envolto em pó e por uma
multidão que fala sem nexo…, grita…, chora…, gesticula…, com a marca do terror
desenhada nos rostos.
A meio da ponte aonde chego, apinhada de gente, todos olham
em silêncio para a enorme cortina de pó que cobre a baixa da cidade, vendo o
espectáculo dantesco da queda da Torre norte: a enorme antena de
telecomunicações inicia a sua queda, fazendo lembrar o mastro de um navio que
se afunda…
…as feras devoram o coração da City!
AC
Sem comentários:
Enviar um comentário