terça-feira, 31 de outubro de 2017

OUTROS CONTOS

«Quando Eu Morrer», conto poético por Carlos Biga.

Décimas com motes do poema “Fim” de Mário de Sá-Carneiro, composto por duas quadras de rima interpolada ou intercalada. Para a construção das décimas, troca do terceiro e quarto versos de ambas as quadras para rima cruzada ou alternada.

O poema tal qual escreveu o poeta, diz assim:

FIM

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro. 

Mário de Sá-Carneiro
«Quando Eu Morrer»
O Circo/ Marc Chagall

Motes de rima cruzada ou alternada para construção das décimas:

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes…
Chamem palhaços e acrobatas,  
Façam estalar no ar chicotes! 

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
Eu quero por força ir de burro, 
A um morto nada se recusa.

«Quando Eu Morrer»
Fernando Pessoa encontra D. Sebastião 
“em caixão sobre um burro ajaezado à andaluza”
Júlio Pomar

1118- «QUANDO EU MORRER»

Vai o enterro a passar,
Quem será que morreu?...
Sei que não fui eu,
Ainda estou a respirar.
Ouve-se gente chorar…
Parecem lágrimas sensatas,
Também alguns vira-latas
Uivando no cortejo…
Digo meu último desejo:
Quando eu morrer batam em latas!

Manda embora a tristeza
Quando chegar minha vez,
Creio que às duas por três
A alegria vem de certeza.
Não preciso de mais fineza
Bastam-me estes motes,
Para que a dor suportes
O que peço, deves fazer:
Quando eu morrer
Rompam aos saltos e aos pinotes!

Se o Circo vier à cidade
No dia da minha morte,
Considero-me com sorte
Haverá festa de verdade!
Quero cá deixar saudade
E esquecer as zaragatas,
Se tu ainda bem me tratas
Não permitas o desterro…
No dia do meu enterro
Chamem palhaços e acrobatas!

Antes de baixar à cova
Ouve bem o que eu digo,
Não te esqueças amigo
Que a amizade se prova.
Atende esta prece nova,
Por favor, não a boicotes,
Tu não me conotes
Com um morto qualquer…
Então, se Deus quiser,
Façam estalar no ar chicotes!

Leva-me ao cemitério
De forma estapafúrdia,
Que haja muita balburdia!...
Não leves a morte a sério.
Fico neste eremitério
Onde não soa sussurro,
Se me cheirar a esturro
Depressa me vou embora…
Peço a todos nessa hora
Que o meu caixão vá sobre um burro.

O animal bem composto
Em traje de cerimónia,
Sem qualquer parcimónia
Não me causes desgosto.
Quero tudo a meu gosto
Quando à terra me conduza,
Que mal ninguém deduza
Por eu ter esta vontade…
Ir de burro, de verdade,
Ajaezado à andaluza!

Pra que tudo aconteça
E se cumpra o funeral,
Tratem bem do animal
Das patas até à cabeça.
Ninguém pois impeça
Ou me julgue casmurro,
Se o burro der um zurro
Tanto melhor pra mim…
Quando chegar o meu fim
Eu quero por força ir de burro!

Tenho fé não ser esquecido
Quando me levarem morto,
De burro chegar a bom porto
Ver o meu desejo cumprido.
Entende pois este pedido
Sem haver qualquer escusa,
Assim o morto não te acusa
Do que disseste ser capaz…
Se quiseres ficar em paz,
A um morto nada se recusa!

Carlos Biga

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