«Uma Estória Muito Curta»
Conto de Hemingway
1192- «UMA ESTÓRIA MUITO CURTA»
Certa noite quente, em Pádua, carregaram-no para cima do
telhado para que ele pudesse olhar a cidade de cima. Depois de algum tempo
começou a escurecer, e os holofotes apareceram . Os outros desceram e
levaram as garrafas. Ele e Luz podiam ouvi-los no balcão, em baixo. Luz estava
sentada na cama. Estava calma e fresca na noite quente.
Luz ficara no turno da noite
três meses a fio. Deixaram-na, satisfeitos. Quando a operaram, Luz o preparou
para a mesa de operação, e fizeram piadas a respeito de amigos ou enemas.
Ele se deixaria anestesiar, mas procurava controlar-se para não dizer
bobagens durante o período de tolice e falação. Depois que começara a
usar muletas, costumava tirar as temperaturas para que Luz não precisasse sair
da cama. Eram só uns poucos pacientes, e todos sabiam do caso. Todos gostavam
de Luz. Enquanto ele caminhava pelos corredores, pensava em Luz em sua cama.
Antes de voltar para a frente,
foram ao Duomo e rezaram. Estava escuro e calmo, e havia outras pessoas a
rezar. Queriam casar-se, mas não havia tempo para os proclamas, e nenhum dos
dois tinha certidão de nascimento. Sentiam-se como se fossem casados e queriam
que todos o soubessem, a fim de estarem comprometidos.
Luz escreveu-lhe muitas cartas
que ele só veio a receber após o armistício. Quinze cartas chegaram à frente
num maço que ele arrumou por ordem cronológica e leu ponta a ponta. Eram todas
sobre o hospital, e como o amava e como era impossível viver sem ele e como
sentia terrivelmente a falta dele todas as noites.
Depois do armistício, combinaram
que ele deveria voltar para casa e arrumar um emprego, a fim de que pudessem
casar. Luz não iria ter com ele até que tivesse um bom emprego e pudesse ir a
Nova Iorque esperá-la. Ficou acertado que não beberia, e ele não queria rever
os amigos, nem ninguém mais nos Estados Unidos. Apenas arranjar um emprego e
casar. No trem de Pádua para Milão, brigaram por não estar ela disposta a
voltar imediatamente. Quando tiveram de dizer adeus na estação de Milão,
beijaram-se, mas isso não terminou a briga. Ele ficou doente por dizer adeus
daquele jeito.
Voltou para a América de navio,
partindo de Génova. Luz retornou a Pordonone para abrir um hospital. Chovia
muito, e era muito solitário lá, e havia um batalhão de arditi aquartelado
na cidade. Vivendo naquela cidade lamacenta e chuvosa no inverno, o major do
batalhão fazia amor com Luz, e ela, que jamais havia conhecido italianos
antes, finalmente escreveu para a América dizendo que o que houvera entre eles
fora um caso de garotos. Sentia muito, e sabia que ele provavelmente não
compreenderia, mas um dia talvez a perdoasse, e lhe fosse grato, e ela
esperava, de modo absolutamente inesperado, casar-se na primavera. Amava-o como
sempre, mas compreendia agora que fora apenas um amor de criança. Esperava que
tivesse uma bela carreira, e tinha absoluta confiança nele. Sabia que era
melhor assim.
O major não se casou com ela na
primavera, nem nunca mais. Luz jamais recebeu uma resposta à sua carta para
Chicago sobre o caso. Pouco tempo depois, Nick apanhou gonorreia de caixeirinha
de uma loja de departamentos enquanto viajavam, num táxi, através de Lincoln
Park.
Ernest Hemingway
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