domingo, 4 de novembro de 2018

OUTROS CONTOS

«As Suspeitas dum Bravo Capitão», por José Martins Garcia.

«As Suspeitas dum Bravo Capitão»
Excerto de Conto

1178- «AS SUSPEITAS DUM BRAVO CAPITÃO»

– Mas, meu comandante – gaguejou o capitão Clemente – logo agora, que a minha mulher veio para cá...

– Mas você fica lá só uns dias, homem! Há meses que não se ouve um tiro para aquelas bandas... a situação melhorou é o que toda a gente diz.

O capitão Clemente partiu desmoralizado e começou a portar-se mal diante da escolta que o acompanhou ao cais, chegando ao ponto de gemer de voz embargada:

– Agora é que não torno a ver a minha mulher nem os meus filhos...

Ao cair brusco da noite, encontrava-se no seu novo e miserável posto de comando, enclausurado pelo arame farpado, remoendo angústias, ao centro do improvisado quartel: um abrigo subterrâneo com duas toscas divisões, uma saleta quase desmobilada, separada do quarto por uma vedação de bambu mal entrançado... Mais tarde quando deu as boas noites aos alferes e se fechou no quarto, voltaram-lhe à memória as fábulas incertas, tão incertas quanto divulgadas em terras da Guiné: dezenas de mortos e feridos: a Cavalaria a atolar-se, a Artilharia a esquivar-se, a Infantaria a imolar-se. Às duas da manhã, porque era preciso poupar combustível, as lâmpadas extinguiram-se e a geradora deixou de arquejar. O capitão Clemente chamou a sentinela e recomendou-lhe vigilância; que não abandonasse a porta da tabanca. A sentinela limitou-se a acenar afirmativamente. Que imbecis! E as latrinas haviam mergulhado no escuro, lá para o outro extremo. Que criminosos! Nem havia uma privada para uso privado do comandante.

O capitão Clemente começou a sentir dores de barriga. Tinha medo, é certo; mas a causa daquelas cólicas devia ser o mau estão do jantar: uns feijões embrulhados em farrapos de carne duvidosa... o capitão Clemente dormiu pessimamente, revolvendo-se na cama dura, sentir atolar na água negra do canal. Muito cedo, a passarada desatou a chilrear. O Sol, finalmente, viria trazer-lhe um pouco de alento, depois do horrível negrume daquela noite memorável.

O capitão espreitou por uma nesga da porta e avistou a sentinela. Com um berro indignado, onde perpassavam a aspereza e o peso do comando, mandou que o militar se aproximasse:

– Entra, que temos de conversar!

O soldado mal abria os olhos atordoados, pois acabara de render um camarada:

– Estás a ver aquilo, pá?

Hirto, solene, o capitão Clemente apontava um canto do quarto, onde alguns cagalhões se cavalgavam.

– Põe-te em sentido! – uivou a indignação do bravo capitão Clemente.

O soldado obedeceu, boquiaberto.

– E agora – rematou o bravo capitão, mais que fera – responde! Quem foi o filho da puta que fez uma coisa destas?

José Martins Garcia

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