«Poema»
André Breton
1233- «POEMA»
1
Tenho na minha frente a fada de sal
cuja túnica recamada de cordeiros
desce até ao mar
cujo véu pregueado
de queda em queda ilumina toda a montanha.
Ela brilha ao sol como um lustro de água iridescente
e os pequenos oleiros da noite serviram-se das suas
unhas onde a lua não se reflecte
para moldar o barro do serviço de café da beladona.
O tempo enrodilha-se miraculosamente detrás dos seus
sapatos de estrelas de neve
ao longo dum rasto perdido nas carícias
de dois arminhos.
Os perigos anteriores foram ricamente repartidos
e mal extintos os carvões no abrunheiro bravo das sebes
pela serpente coral que sem custo passa
por um delgado
filete de sangue seco
na lareira profunda
sempre e sempre esplendidamente negra
Esta lareira onde aprendi a ver
e sobre a qual dança sem cessar
o crepe das costas das primaveras
Aquele que é necessário lançar muito alto para dourar
a mulher em cujos cabelos encontro
o sabor que perdera
O crepe mágico o sinete voador
do amor que é nosso.
2
O marquês de Sade retornou ao interior do vulcão
em erupção
de onde tinha vindo
com as suas belas mãos de novo franjadas
os seus olhos de rapariga
e à superfície esta satisfação dum salve-se quem puder
que não foi senão dele
mas do salão fosforescente das luzes viscerais
não cessou de lançar as ordens misteriosas
abrindo uma brecha na noite moral
É por esta brecha que eu vejo
as grandes sombras estralejantes a velha crosta escavada
desfazerem-se
para me deixarem amar-te
como o primeiro homem amou a primeira mulher
em liberdade inteira
essa liberdade
pela qual o fogo se fez homem
pela qual o divino marquês desafiou os séculos as suas
grandes árvores distraídas
os acrobatas sinistros
presos ao fio da Virgem do desejo.
André Breton
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