«A Mulher a Caminho do Fogo»
Conto de Yasunari Kawabata
1269- «A MULHER A CAMINHO DO FOGO»
O lago brilhava minúsculo ao longe. Sua cor lembrava a fonte de água podre de um jardim abandonado em noite de luar.
Na margem oposta ao lago, o bosque esparso queimava em silêncio. O fogo se alastrava rapidamente. Era um incêndio florestal.
O carro de bombeiro movido a vapor corria na margem, parecendo um brinquedo, nitidamente reflectido na água.
Enegrecendo a ladeira, uma multidão vinha subindo incessante.
Quando dei por mim, o ar iluminado ao meu redor se achava sereno e parecia seco.
O bairro situado na parte baixa da ladeira era um mar de fogo.
Passando habilmente entre a multidão, ela descia sozinha a ladeira. Era a única a fazê-lo.
Era um mundo estranhamente sem som.
Vendo-a avançar directamente ao mar de fogo, eu sentia uma insuportável angústia.
Nesse momento, conversamos, sem palavras, com extrema clareza.
“Por que só tu desces a ladeira? Para morreres no fogo?”
“Eu não quero morrer. Mas, ao oeste está a sua casa. Por isto, eu irei para o leste.”
No meu campo de visão cheio de chamas, sua silhueta era apenas um ponto negro. Sentindo-o como uma dor encravada nos olhos, despertei.
As lágrimas escorriam dos cantos de meus olhos.
A razão porque ela sentia horror de andar em direcção à minha casa, eu já a conhecia. Não importa o que ela estivesse pensando. Eu de minha parte, vinha açoitando minha racionalidade para convencer-me de que, pelo menos aparentemente, o amor dela por mim estava extinto. Porém, independente do que ela realmente sentia, eu desejava acreditar, apenas para satisfazer meu amor próprio, que restava em algum canto do seu coração uma gota de amor por mim. Embora eu zombasse duramente, desejava alimentar secretamente esse pensamento.
No entanto, este sonho não seria uma prova de que eu próprio acreditava em todas as dobras do meu coração, que não lhe restava um mínimo traço de simpatia por mim?
Meus sonhos são meus sentimentos. O sentimento dela no meu sonho é o seu sentimento criado por mim. É o meu sentimento. E, é óbvio que nos sonhos não há falsa exibição de sentimentos ou vaidades.
Pensando assim, senti tristeza e solidão.
Yasunari Kawabata
(Prémio Nobel da Literatura/ 1968)
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