quinta-feira, 10 de outubro de 2013

OUTROS CONTOS/ NOBEL DA LITERATURA 2013

«Jacarta», por Alice Munro.

A escritora canadense Alice Munro, de 82 anos, foi a grande vencedora do Prémio Nobel de Literatura 2013, atribuído pela Real Academia Sueca. Reconhecida pelo comité como «A Mestre dos Contos Contemporâneos», é a décima terceira mulher desde 1901 a vencer o prestigiado galardão. Publica-se excerto do conto «Jacarta», comemorando assim mais um Nobel da Literatura feminina. Muitos parabéns a Alice Munro!
Poet'anarquista
Alice Munro
Escritora Canadense, Nobel da Literatura 2013
SOBRE A AUTORA...

Munro nasceu em 10 de julho de 1931 na província canadense de Ontário, onde se passam grande parte de seus contos. Sua mãe era professora e o pai, fazendeiro.

Após terminar o colégio, começou a estudar Jornalismo e Inglês na Universidade de Western Ontário, mas abandonou a faculdade quando se casou com James Munro em 1951. O casal  mudou-se para Victoria, onde abriu uma livraria. 

Embora tenha começado a escrever na adolescência, Munro só publicou o seu primeiro livro, «Dance of the Happy Shades», em 1968. A obra recebeu o «Governor General's Awards», prémio entregue pelo Conselho Canadense para as Artes. A sua coleção de contos mais recente é «Dear Life», de 2012.

A Real Academia disse não ter conseguido falar com Munro antes do anúncio oficial, como é de costume, e optado por deixar uma mensagem na caixa postal. Horas depois, em entrevista à imprensa canadense, a autora disse ter ficado surpresa com o prémio, que definiu como «maravilhoso». «Sabia que estava no páreo, sim, mas nunca pensei que ganharia.»

Munro tem obras traduzidas para mais de dez idiomas. No Brasil, foram publicados os livros «Ódio, amizade, namoro, amor, casamento» (2004), «Fugitiva» (2006), «Felicidade Demais» (2010) e «O Amor de Uma Boa Mulher» (2013). 

Para 2014, estão previstos os lançamentos de «Selected Stories», publicado originalmente em 1996, «The View of Castle Rock», de 2006, e o relançamento de «Ódio, amizade, namoro, amor, casamento». 
Munro também é conhecida pelo conto «The Bear Came Over the Mountain», publicado na revista norte-americana «The New Yorker», que em 2006 foi adaptado pela também canadense Sarah Polley para o cinema. «Longe Dela», escrito e dirigido por Polley e estrelado por Julie Christie, recebeu duas indicações ao Oscar.

Antes do Nobel, Munro ganhou outros prémios importantes como o «Man Booker International Prize» pelo conjunto da obra, o «Commonwealth Writers’ Prize» e o «American National Book Critics Circle Award».
Fonte: Último Segundo
Crianças Brincando em Rio
Jacarta/ Indonésia

3- JACARTA 
(Excerto)

Kath e Sonje têm na praia um lugar só delas, atrás de uns troncos grandes. Escolheram aquele sítio por ser abrigado do vento, por vezes forte – trazem consigo o bebé de Kath – mas também para evitarem os olhares de um grupo de mulheres que frequentam diariamente aquela praia. Kath e Sonje chamam-lhes as Mónicas.

Cada uma das Mónicas tem dois, três ou quatro filhos. Encontram-se todas sob a autoridade de uma Mónica autêntica, que da primeira vez que viu Kath e Sonje com o bebé se dirigiu a elas para se apresentar, convidando-as depois para se juntarem ao grupo.

Elas seguiram-na, levando entre si a alcofa do bebé. Que alternativa tinham? Mas a partir daí passaram a esconder-se por trás dos troncos.

O acampamento das Mónicas é feito de guarda-sóis, toalhas, embalagens de fraldas, cestos de piquenique, barcos e baleias insufláveis, brinquedos, cremes, roupa extra, chapéus para o sol, copos e pratos de papel e sacos térmicos com gelados caseiros feitos de sumo de fruta.

No grupo, as que não estão claramente grávidas parecem-no, com os seus corpos deformados. Caminham pesadamente até à beira da água, enquanto gritam aos filhos, que cavalgam troncos e desabam do cimo de baleias insufláveis.

“Onde puseste o chapéu? Onde puseste a bola? Pronto, já brincaste o suficiente com isso, agora é a vez da Sandy.”

Mesmo quando falam entre si têm que levantar a voz, por entre a gritaria das crianças.

“No Woodward’s, pelo preço de um hambúrguer compras carne picada.”

“Experimentei com pomada de óxido de zinco, mas não resultou.”

“Agora apareceu-lhe um abcesso nas virilhas.”

“Não podes usar fermento, tem que ser com bicarbonato de soda.”

Estas mulheres não são muito mais velhas do que Kath e Sonje, mas as suas vidas alcançaram um ponto que infunde pavor a ambas. Convertem a praia inteira numa tribuna. Os seus sacos, a sua fiada de filhos e cuidados maternais, a sua autoridade, podem destruir o brilho da água, a pequena e perfeita baía marginada por arbutáceas de ramos vermelhos e por cedros, que crescem torcidos sobre os altos penedos. Kath, em particular, sente a ameaça daquelas mulheres, agora que é mãe. Para não se afundar no lodo da mera função animal, tem o hábito de ler um livro enquanto dá a mama ao bebé, ou então fuma um cigarro. E se amamenta, não o faz apenas para fornecer à filha – Noelle – os preciosos anticorpos maternos, mas também para contrair o útero e alisar a barriga.

Alice Munro

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