«Proscrito»
O Desterrado, por Soares dos Reis
130- «PROSCRITO»
Era forçoso partir.
Era um decreto dos fados; talvez um decreto de Deus!
Mais poderoso que o amor de um povo, mais do que o raio que
de improviso cai sobre a eminência de um templo sagrado derrubando-a, força
irresistível o impelia.
E o velho obedeceu; partiu.
Lá fora, em pleno oceano, a fronte pendida, a barba
alvíssima e crespa como a espuma dos mares a beijar-lhe o peito em que gemia o
coração que levava um nome escrito entre saudades, o velho chorava.
Entretanto ele sentia inocência na alma cheia de amargores,
e no peito o coração repleto de amor; — o coração que levava gravado um nome...
O doce nome da Pátria!
E, lá, na vastidão intérmina do oceano, entre o Infinito
azul e o Infinito Glauco, o proscrito fez vibrar as cordas a harpa gemedora de
sua alma de poeta; e as aves carinhosas que atravessavam o espaço, levavam os
acordes daquele adeus magoado, e a viração marinha suspirando nas enxárcias,
repercutia, daquela dor, os gemidos a se perderem pela soledade ilimitada dos
mares.
Descera a noite estendendo desde a altura o negro véu
recamado de estrelas que se ampliava sobre as ondas em renda de alvas espumas
com semeados de ardentia luminosa.
Enquanto a viração marinha ciciava endeixas de saudade pelas
enxárcias da nau balançada em ondulações de luz, o proscrito adormecera e
sonhava.
Era uma visão formosíssima!
— Um índio belo, colossal, vestido de brilhante enduápe
trazendo sobre a cabeça o vistoso kanitar dos reis da selva que lhe
deixava a descoberto a fronte morena, altiva, cingidos os musculosos braços e
os tornozelos com ornatos de áurea plumagem, adornado o colo hercúleo de um
colar de alvo marfim, entremeado de pedras brilhantes, sobraçando possante
arco, e tendo na destra uma flecha de cuja extremidade pontiaguda pendia,
traspassado, um coração sangrento, — joelho em terra, o índio ideal apresentava
ao velho sonhador aquele emblema de afetos gotejando sangue, e tristemente
murmurava: Pátria! Pátria!
E o proscrito acordava suspirando, em lágrimas, um nome... O
doce nome da terra amada!
Mas, quem era esse coração majestoso, terno como David o rei
poeta, e tão venerável como em profeta hebreu?
Era um monarca destronado.
Era um soberano a quem o seu povo, outrora, chamara pai!
Um dia, o Céu de formosa terra longínqua, Céu de azul
puríssimo, em que a noite brilhava esplendorosa cruz formada de estrelas
cintilantes, — escurecera. Um sopro gelado, vindo de além-mar, vestira de luto
os ares e as águas...
Vergara o jequitibá robusto na floresta virgem e o
sol empalidecera na amplidão turbada.
O mar rebentava lastimoso regando as praias de suas lágrimas
salinas.
As andorinhas que voltavam não chilreavam de contentes,
antes, parecia gemerem ao chegar aos tetos da terra pátria.
E o vento espalhava no espaço uma melodia triste...
Eram nênias de magoada saudade...
Eram lamentos de um coração dorido...
Era o extremo Adeus do proscrito que adormecera— para sempre
na terra do exílio!
Delminda Silveira
Sem comentários:
Enviar um comentário